Por João Pedro Coutinho e João de Mendonça Salim - 09/06/2017
Curiosamente durante a elaboração deste, os Estados Unidos da América, afirmam publicamente que deixarão o acordo de Paris, passando a figurar ao lado de Síria e Nicarágua, únicas nações não signatárias do referido acordo sobre mudanças climáticas, sob o pretexto deste não permitir o crescimento econômico da superpotência mundial.[1] Cabe a cada ser humano agora, a oportunidade de refletir, sobre até que ponto a economia do mundo, ou ainda, em menor escala, os interesses individuais, podem se sobrepor a natureza, e a importância que esta possuí, para a coletividade.
Preliminarmente, é necessário observar que a destruição do meio ambiente, constitui um dos maiores problemas que assola a humanidade no decorrer do Século XXI, cuja gravidade é de todos conhecida, pelo que representa para a vida e para a própria sobrevivência do ser humano.
Certo é que nos últimos anos, pouquíssimas questões suscitaram tão ampla e heterogênea preocupação. A luta pela defesa do patrimônio comum ecológico se converteu em um novo “humanismo”.
A Organização das Nações Unidas, em seu Informe sobre a Situação Social no Mundo, em 1982, informou que há algumas grandes esferas de preocupação que são comuns a todos os países, tais como a contaminação, que alcança níveis perigosos na água, no ar, no solo e nos seres vivos; a necessidade frequentemente urgente de conservar os recursos naturais não renováveis; as possíveis perturbações do equilíbrio ecológico da biosfera, emergentes da relação do homem com o meio ambiente, e as atividades nocivas para a saúde física, mental e social do homem no meio ambiente por ele criado, particularmente no ambiente e de trabalho.
Mister se asseverar que em decorrência da pressão dos organismos internacionais houve a condução a uma universalização da luta pelo ambiente, colocando em questão uma nova forma de solidariedade entre os povos.
Entende a doutrina majoritária que o Direito Ambiental surge como um novo elemento seguro de paz e de união entre os povos por uma vida melhor[2].
Nesse mesmo sentido se manifestou a Conferência sobre a Paz e a Segurança Europeias, realizada em Madri, em 1983, evidenciando que a cooperação entre os países em matéria ambiental contribuiu para o fortalecimento da paz e da segurança da Europa e do mundo.
O desenvolvimento industrial, o progresso tecnológico, a urbanização desenfreada, a explosão demográfica e a sociedade consumerista, têm acentuado o cenário atual e dramático da limitação dos recursos do nosso planeta e da degradação do ambiente natural[3].
Tal discurso evidentemente pode fundamentar o princípio da indisponibilidade consagrada na Constituição Federal, em seu Artigo 22[4].
Desta monta, entende-se por tal Princípio que a Constituição Federal está restringindo a atuação do homem, de forma a proteger e tutelar o meio ambiente. Portanto a defesa do meio ambiente, intrínseco ao interesse público, é ao mesmo tempo direito e obrigação da coletividade, sendo que o Estado não poderá se omitir de tal obrigação, caracterizando assim sua indisponibilidade.
O problema em relação ao aludido princípio ocorre quando estivermos diante da análise dos chamados crimes ambientais, visto que, a maior dificuldade nesses é a de limitar os Bens Jurídicos tutelados pelo Direito Penal Ambiental.
Entre as diretrizes que estruturam o Direito Ambiental Nacional, destacam-se para a análise que propomos os princípios da precaução, prevenção e do poluidor-pagador.
O principio da precaução, determina que existe inerente imprevisibilidade sobre as alterações ao meio ambiente, devendo sempre o agente evitar a implementação da atividade alteradora. Como na alçada ambiental, a reparação por mais imediata que seja, jamais permite o retorno ao “status quo ante”, em especial pelo caráter mutável e fluido da dinâmica do meio ambiente, faz-se necessário atuar sempre de forma preventiva, para fins de evitar os danos que provavelmente serão causados ao ambiente pela intervenção humana. De forma que o principio da prevenção, corresponde a uma evolução do tradicional princípio jurídico da reparação de danos, que, por ocorrer a posteriori, é bem menos eficaz na tutela do ambiente.[5] Já o principio do poluidor-pagador, impõe aos indivíduos, o dever de suportar os encargos do custo ambiental que sua atividade gerar, fazendo-o por meio de investimentos preventivos, que visem atenuar os efeitos que acarreta, ou por forma de reparação, quando já se configurou algum dano ambiental.
Antes de se adentrar na análise dos Bens Jurídicos Ambientais, é forçoso reconhecer que ao Direito Penal incumbe a prevenção de lesões ou perigo de lesões aos Bens Jurídicos tidos por mais relevantes, aplicando-se para tanto os Princípios da Intervenção Mínima (Ultima Ratio) e da Fragmentariedade.
O bem jurídico tutelado pelo Direito Ambiental, é público, indissolúvel, indeterminado, indisponível e impossível de ser retornado ao “status quo ante”, meramente aproximando-se de uma condição similar a que antes se encontrava, isto após lapso temporal considerável que possa permitir o desenvolvimento dos indivíduos arbóreos ou a recomposição de fauna silvestre. O bem jurídico protegido então, consiste no meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito de todos conforme previsto pelo art. 225, caput, da Constituição Federal de 1988, o que abrange o meio ambiente natural, cultural e artificial.[6]
Em relação ao Bem Jurídico é pertinente notar que este se trata de base da estrutura e interpretação dos tipos penais.
Modernamente entendeu a melhor doutrina que a ideia de Bem Jurídico se encontra relacionada “à finalidade de preservação das condições individuais necessárias para uma coexistência livre e pacífica em sociedade, garantidos, ao mesmo tempo, o respeito de todos os direitos humanos. Nesses termos, a criação de normas e a exegese do Direito Penal estão estritamente vinculadas à dedução racional daqueles bens essenciais. Significa, em última instância, que a noção de bem jurídico-penal é fruto do consenso democrático em um Estado de Direito. A proteção de bem jurídico, como fundamento de um Direito Penal Liberal, oferece, portanto, um critério material extremamente importante e seguro na construção dos tipos penais. O bem jurídico deve ser utilizado, nesse sentido, como princípio interpretativo do Direito Penal num Estado Democrático de Direito e, em consequência, como o ponto de partida da estrutura do delito. Finalmente, como o ponto de partida da estrutura do delito é o tipo de injusto, este representa a lesão ou perigo de lesão do bem juridicamente protegido”[7].
Desta monta, é de se ter em mente que modernamente o Bem Jurídico é visto como um caráter limitador ao Ius Puniendi, eis que ao Direito Penal é atribuída a função de tutelar aquelas lesões ou perigos de lesões aos Bens Jurídicos mais relevantes, não podendo tutelar bagatelas ou condutas insignificantes.
Entretanto, é salutar expor a dificuldade de limitação de condutas ambientais que são merecedoras de tutela por parte do Direito Penal, isto é, a dificuldade de limitação de bens jurídicos ambientais.
Nesse mesmo sentido se manifesta a melhor doutrina no assunto:
O exame do bem jurídico protegido pelo Direito Penal do ambiente implica uma mais exata demarcação conceitual de seu objeto de proteção, segundo os princípios que informam o Direito Penal contemporâneo e a moderna política criminal.
A ideia de bem jurídico ambiente vem a ser uma questão assaz tortuosa e de difícil determinação. De caráter poliédrico e multidimensional, o termo ambiente assume na linguagem jurídica acepções diversas, eivadas de contornos peculiares e fluidos [8].
É interessante destacar que a doutrina analisa o meio-ambiente sob três dimensões, sendo elas: a relacional, que entrelaça muitos fatores tanto naturais como antropológicos, como o que circunda uma determinada pessoa, ser ou coisa; a geográfico-territorial, que versa sobre o ambiente referido- global, regional ou local, segundo sejam considerados a biosfera em geral ou os singulares ecossistemas; e a temporal, que impõe a necessidade de se adotar uma perspectiva dinâmica para representar adequadamente a contínua evolução e as transformações dos sistemas de “relação ambiental”.
Todavia, é importante observar que essas definições são imprecisas, em decorrência da sua exagerada amplitude acabam por dificultar sobremaneira a imprescindível delimitação do ambiente como bem de natureza penal.
Faz-se necessário uma orientação intermediária do conceito de ambiente, isto é, para a melhor doutrina seria o ambiente objeto de proteção de lei penal em sintonia com o texto maior:
“A manutenção das propriedades do solo, do ar, e da água, assim como da fauna e da flora e das condições ambientais de desenvolvimento destas espécies, de tal forma que o sistema ecológico se mantenha com seus sistemas subordinados e não sofra alterações”[9].
Melhor seria dizer que o Meio Ambiente seria composto pelo conjunto de meios naturais que em sua quantidade e combinação configuram o habitat atual do homem, para a fauna e a flora, e cuja alteração por meios nocivos para a natureza e desenvolvimento biológico próprio de ditos seres e objetos é contrária ao equilíbrio natural da vida humana, animal e vegetal na terra. Essa consideração de meio ambiente, certamente homocêntrico, não exclui, todavia, o equilíbrio que é próprio à flora e à fauna, ainda que sem ter uma incidência direta no desenvolvimento humano, tanto em seu aspecto animal como social[10].
Podemos concluir que deve predominar em tempos modernos o princípio da Indisponibilidade do Meio Ambiente, no entanto, é forçoso reconhecer que deve também haver limitação às condutas ambientais na seara penal, por aplicação dos princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade.
Nesse sentido, nem todas as condutas ambientais devem ser tuteladas pelo Direito Penal, devendo ser acobertadas por outras formas de controle externo, tais como, o Direito Administrativo.
Notas e Referências:
[1] http://www.economist.com/blogs/democracyinamerica/2017/06/america-and-climate-change e https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/trump-deixa-eua-isolados-com-anuncio-de-saida-do-acordo-de-paris-21426758
[2] PRIEUR, M. Droit de L´environnement, p.22-23; MORAND-DEVILLER, J. Droit de Lénvironment, p.6 e ss; MAGARIÑOS DE MELO, M.J. Les pays en voie de déveleppement. Legal protection of the environment in developing countries, p.411; MARTÍN MATEO, R. Derecho Ambiental, p.15 e ss.
[3] OBENDORFEN, D. The Problem of development today. Law and State, v.34, p.32-36.
[4] Art.22 da Constituição Federal de 1988 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende-lo e preserva-lo para as presentes e futuras gerações (grifo nosso).
[5] BELTRÃO, Antônio F.G. Direito Ambiental. 3ª Edição. Editora Método. São Paulo: 2010. P. 55.
[6] Ibidem P. 253.
[7] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 21ª edição, revista, ampliada e atualizada. Saraiva, São Paulo: 2015. P.349.
[8] PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. 5ª edição revista. Revista dos Tribunais. São Paulo: 2013. P.113.
[9] BACIGALUPO, E. La instrumentación legislativa de la proteción penal del medio ambiente. Estudios penales y criminológicos, 5, p.200.
[10] QUERALT jiménez, J.J. Derecho Penal Español. P.E. P.715.
. João Pedro Coutinho é graduado em Direito pelo Instituto Brasileiro de Mercados Capitais (Ibmec/RJ), Advogado especializado nas áreas de Direito Penal, Direito Penal Econômico e Direito Processual Penal. Sócio no Escritório Antonio Quintino Assessoria Jurídica. Membro da Comissão Permanente de Estudos de Direito Penal (CEDP). Advogado Dativo na área Criminal na Justiça Federal do Rio de Janeiro.
. João de Mendonça Salim é graduado em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP/RJ), Advogado especializado nas áreas de Direito Civil, Direito do Consumidor e Direito Patrimonial Privado. . .
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