O presente artigo visa analisar a (im)possibilidade de prorrogação de contratos de serviços de natureza continuada, celebrados sob a égide da Lei nº 8666/93, após a vigência da nova lei de licitações – Lei Federal nº 14.133/2021.
Sabe-se que, em termos gerais, de acordo com o art. 6º da LINDB, a lei nova tem efeito imediato, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, revogando tácita ou expressamente os dispositivos da lei anterior, de maneira que passa a viger e regular os fatos que sucedem a sua existência.
A Lei Federal nº 14.133/2021, por sua vez, traz, em seu texto, o fenômeno da ultratividade da Lei Federal nº 8666/93, em que a lei suplantada continua vigente em concomitância com a novel legis, pelo período de 2 anos após a sua publicação. Ou seja, a nova lei de licitações estabeleceu um regime transitório de coexistência com a Lei Federal nº 8666/93.
Nesse sentido, até 31/3/2023, cada órgão ou entidade pode optar por utilizar o regramento Lei Federal nº 14.133/2021 ou da Lei Federal nº 8666/93, não sendo possível a combinação entre os regimes, nos termos da parte final do caput do art. 191 da nova lei.
A controvérsia, por sua vez, exsurge da leitura do art. 190 e parágrafo único do art. 191 do novel diploma legal, no contexto dos contratos de natureza continuados, quando prevê que, durante o prazo de 2 anos decorridos após a publicação da Lei Federal nº 14.133/2021, os contratos celebrados com base nas leis citadas no inciso II do caput do art. 193, seriam regidos pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.
Surge daí diferentes posicionamentos doutrinários a respeito da possibilidade de prorrogação da vigência dos contratos: alguns entendem pela admissibilidade de estender a vigência para além de 31/3/2023, através de iguais e sucessivas prorrogações, até o limite de 60 meses, em razão da especificidade e natureza, que não podem sofrer solução de continuidade; outros defendem que os contratos estariam fadados a extinção em razão da previsão expressa do prazo limite de vigência da Lei Federal nº 8666/93 e impossibilidade de conciliação normativa dos dois sistemas.
Com objetivo de tentar enriquecer esse questionamento, este trabalho se propõe a analisar, no primeiro momento, o conceito do serviço de natureza continuado nas duas legislações, de forma comparada, destacando a essência diferenciadora do instituto, seguido do estudo sobre a obrigatoriedade ou facultatividade da prorrogação dos contratos dessa natureza.
Dado continuidade, e com bases nesses conceitos introdutórios, será abordado as diferentes interpretações possíveis para a hipótese de estender ou não a vigência dos contratos continuados, celebrados no regime da Lei Federal nº 8.666/1993, durante o prazo de 2 anos, mesmo após 1º de abril de 2023, admitindo, nessa última hipótese uma extensão da ultratividade da Lei Federal nº 8.666/1993.
A discussão desse tema é salutar tanto no meio acadêmico quanto para os aplicadores do direito, servidores públicos, que, não rara as vezes, enfrentaram grandes dúvidas envolvendo essa seara.
No terreno tão inóspito que ainda se apresenta a nova lei de licitações, o presente debate visa enriquecer a problemática, resgatando conceitos essenciais e levando o leitor a ponderar e sopesar os institutos jurídicos visando obter conclusões que mais se aproxime ao interesse público.
DEFINIÇÃO DE SERVIÇOS CONTÍNUOS
Antes de conceituar o que sejam serviços contínuos, de acordo com a nova Lei de licitações, importante realizar uma breve digressão histórica dos institutos normativos anteriores a novel legis, que ajudarão a compreender a natureza e alcance material.
No regime jurídico da Lei Federal nº 8666/93, especificamente, em seu texto original[2], não havia uma legenda ou definição específica dos contratos de serviços continuados, mas uma referência de que serviços prestados de forma contínua poderia ter vigência estendida por igual período, excedendo a duração aos créditos orçamentários.
Em 1994, a Lei Federal nº 8.883 alterou Lei Federal nº 8666/93, tendo passado a prever, no inciso II, uma redação que excepcionalizava a limitação do prazo de vigência aos créditos orçamentários a hipótese de serviços a serem executados de forma contínua, trazendo a obrigação ao gestor de dimensionar com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a duração a sessenta meses.
II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que deverão ter a sua duração dimensionada com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a duração a sessenta meses. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
Passados mais 4 anos, a Lei Federal nº 9.648/1998 veio alterar mais uma vez o citado inciso II, prevendo a possibilidade de duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos, limitada a 60 meses.
II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
A alteração levada a efeito pela Lei Federal nº 9.648/1998 insere, no contexto da prorrogação de contratos de serviços a serem executados de forma continuada, que a Administração Pública pode prorrogar a vigência desses contratos por iguais e sucessivos períodos, mantendo o dever de demonstração da manutenção da vantajosidade, desde que observado o limite temporal de sessenta meses.
Assim, excepcionalmente, a lei permitiu a prorrogação ou a extensão prazal desses contratos, em tempo superior ao exercício ou créditos orçamentários, levando em conta a natureza e essencialidade dos mesmos.
Em vistas a ausência de definição legal específica, a doutrina e jurisprudência traçou conceitos com base no critério da essencialidade dos serviços para o funcionamento da Administração, caracterizados pela impossibilidade de sua interrupção ou suspensão, sob pena de acarretar prejuízos ou danos insuperáveis.
Em 2008, devido a necessidade de uma definição mais segura dos limites materiais do serviço contínuo, adveio a Instrução Normativa (IN) n.º 2, de 30 de abril de 2008, do Ministério Planejamento, Orçamento e Gestão, conceituando como serviços contínuos aqueles que apoiam a realização das atividades essenciais ao cumprimento da missão institucional do órgão ou entidade.
A nova Lei de Licitações, nº 14.133/2021, não incorreu na mesma omissão que a sua antecessora, vindo, no artigo 6º, incisos XV e XVI, definir textualmente os limites dos serviços contínuos:
Art. 6º - (...)
(...) XV - serviços e fornecimentos contínuos: serviços contratados e compras realizadas pela Administração Pública para a manutenção da atividade administrativa, decorrentes de necessidades permanentes ou prolongadas;
XVI - serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra: aqueles cujo modelo de execução contratual exige, entre outros requisitos, que:
a) os empregados do contratado fiquem à disposição nas dependências do contratante para a prestação dos serviços;
b) o contratado não compartilhe os recursos humanos e materiais disponíveis de uma contratação para execução simultânea de outros contratos;
c) o contratado possibilite a fiscalização pelo contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos;
XVII - serviços não contínuos ou contratados por escopo: aqueles que impõem ao contratado o dever de realizar a prestação de um serviço específico em período predeterminado, podendo ser prorrogado, desde que justificadamente, pelo prazo necessário à conclusão do objeto. (grifo nosso)
A novel legislação definiu tanto serviços quanto fornecimentos contínuos como os serviços contratados e compras realizadas pela Administração Pública para a manutenção da atividade administrativa, decorrentes de necessidades permanentes ou prolongada.
Denota do espírito legislativo que houve um avanço no sentido de esvaziar qualquer dúvida que porventura existisse quanto a equiparação de serviço e fornecimento de bens de natureza contínua, absorvendo o critério funcional e utilitário como marca definidora dos institutos.
DA FACULDADE OU OBRIGATORIEDADE DE PRORROGAR
O art. 57, inc. II, da Lei Federal nº 8.666/93, trata da possibilidade de prorrogação dos contratos de serviços continuados, e assim dispõe:
Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: (...)
II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses; (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 1998)
Da leitura do citado dispositivo, percebe-se que o legislador utilizou o verbo “poder”, transitivo direto e intransitivo que significa, na definição do dicionário, “ter a faculdade ou a possibilidade de”.
A Lei Federal nº 14.133/2021, por sua vez, repete a mesma técnica legislativa, utilizado o verbo “poder” para se referir a prorrogação sucessiva do contrato de serviços e fornecimentos contínuos.
Art. 107. Os contratos de serviços e fornecimentos contínuos poderão ser prorrogados sucessivamente, respeitada a vigência máxima decenal, desde que haja previsão em edital e que a autoridade competente ateste que as condições e os preços permanecem vantajosos para a Administração, permitida a negociação com o contratado ou a extinção contratual sem ônus para qualquer das partes.
A interpretação literal do dispositivo legal transcrito é a de que o agente público, diante de um contrato de serviço de natureza contínua, possui a faculdade de prorrogá-lo, desde que, obviamente, obtenha preços e condições mais vantajosas para a Administração.
O Tribunal de Contas da União, em decisão da 1ª Câmara, discorre sobre a facultatividade da prorrogação dos contratos, a que se refere o artigo 57, inciso II, da Lei 8.666/93.Vejamos:
O dispositivo confirma energicamente essa exegese, porquanto deve-se ler que: a duração dos contratos.... ficará adstrita aos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos (caput): .... II) à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderá ter a sua duração prorrogada ... Entenda-se que a duração, de um exercício (prevista no caput), poderá ser (faculdade a ser exercida) prorrogada, tendo em vista a obtenção de melhor preço e condições mais vantajosas, que serão aferidos, por ocasião da realização da prorrogação, se esta realmente for de interesse da Administração
Deve ser obedecido o disposto no art. 57, inciso II, da Lei nº 8.666, de 1993, somente permitindo prorrogação de contratos de prestação de serviços executados de forma contínua por iguais e sucessivos períodos, desde que sejam obtidos preços e condições mais vantajosos para a Administração. Decisão 90/2001 Primeira Câmara do Tribunal de Contas da União – TCU.
Desta maneira, não paira dúvidas que é facultado à Administração Pública, e não obrigatório, prorrogar os contratos de prestação de serviços continuados, sempre que for demonstrado, que os preços e condições se apresentam mais vantajosas para a Administração.
No caso, por consectário lógico, de não se vislumbrar condições vantajosas, a faculdade deixa de existir, passando a ser caso de vedação.
Desta maneira, é imprescindível que o gestor materialize, no processo administrativo, a comprovação de que as condições do contrato permanecem vantajosas para a Administração.
DA (IM) POSSIBILIDADE DE PRORROGAR CONTRATO CELEBRADO SOB A EGIDE DA LEI FEDERAL Nº 8666/93:
Com o advento da Lei Federal nº 14.133/2021, muito tem se discutido sobre o destino dos contratos de serviços continuados, celebrados na vigência da Lei Federal nº8666/93, se estariam fadados ao encerramento ou se poderiam ser submetidos a prorrogações sucessivas até o prazo máximo de 60 anos.
O art. 191, caput e parágrafo único do novel diploma legal prever que, durante o prazo de 2 anos decorridos após a publicação da Lei Federal nº 14.133/2021, os contratos celebrados com base nas leis citadas no inciso II do caput do art. 193, seriam regidos pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.
Art. 190. O contrato cujo instrumento tenha sido assinado antes da entrada em vigor desta Lei continuará a ser regido de acordo com as regras previstas na legislação revogada.
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.
O parágrafo único do citado artigo permite que o gestor público, dentro do prazo de 2 anos que suceder a publicação da Lei Federal nº 14.133/21, escolha contratar com base na nova lei ou nas Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei Federal nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei Federal nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, e, optando por esta segunda opção, a avença será regida durante toda a sua vigência.
Após decorrido o prazo de 2 anos da publicação da nova lei, o art. 193 anuncia a revogação automática das Leis Federais nº 8.666, de 21 de junho de 1993, nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e dos arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011.
Art. 193. Revogam-se:
I - os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei;
II - a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei.
Art. 194. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Nesse sentido, surge o questionamento sobre a possibilidade de se prorrogar os contratos celebrados com base na Lei Federal nº 8.666/1993 ou a Lei Federal nº 10.520/2002, durante o interstício de coexistência dos dois sistemas jurídicos (Lei Federal n 8666/93 e Lei Federal n 14.133/21), após a revogação daqueles diplomas.
No sentido de que não haveria qualquer óbice a prorrogação dos contratos de serviços contínuos firmados à luz da Lei nº 8.666/1993, mesmo após sua revogação, durante toda sua vigência, está grande parte da doutrina, que se destaca a opinião do Advogado da União Ronny Charles (2021). Segundo essa corrente, o parágrafo único do art. 191 da Lei Federal nº 14.133/21 enuncia que os contratos celebrados com fundamento na legislação anterior manteriam sua regência pelas regras vigentes ao tempo da sua constituição.
Com objetivo de fomentar o diálogo, importante trazer à tona o limite material do conceito de vigência do contrato, tendo em vista que, ao prever que os contratos são regidos pela legislação que lhe originou, durante toda sua vigência, a lei silencia se estaria englobando as prorrogações sucessivas ou limitar-se-ia a vigência inaugural.
A vigência do contrato é o tempo de duração previsto, no instrumento, compreendido entre a data de sua assinatura ou outra determinada e a sua extinção.
GASPARINI (2007, p. 649) define que “A vigência de um contrato tem início na data de sua assinatura, ou em outra posterior devidamente determinada, até o dia de sua rescisão, na hipótese de recair em data divergente daquela aprazada no termo contratual.”
Mazzoco (2002)
Entende-se como duração do contrato administrativo o prazo de sua vigência, ou seja, o tempo de existência do contrato. É o período durante o qual o ajuste entre o Poder Público e o particular surtirá efeitos, realizando os objetivos de sua efetividade.
Nos contratos de serviços contínuos, muito embora a peculiar característica de essencialidade, e de não interrupção, a vigência encerra prazo certo.
A prorrogação do prazo de vigência é uma alteração contratual, que se faz mediante termo aditivo, que tem como objetivo prolongar o prazo original de sua vigência, como já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
Prorrogar contrato é prolongar o prazo original de sua vigência com o mesmo contratado e nas mesmas condições. Recurso ordinário a que se nega provimento”. (STJ, RMS nº 24.118/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 15.12.2008)” (MENDES, 2018, grifamos).
A prorrogação, como já visto, é uma faculdade da Administração, de natureza convencional, ficando dependente de um ato solene e formal, em que as partes acordam dilatar o prazo da avença.
Desta maneira, ao entender que o contrato vai ser regido pelo sistema jurídico que lhe deu origem até mesmo depois do período de 2 anos do início da vigência da nova lei, a doutrina concede uma interpretação mais elástica sobre o conceito de vigência contratual, considerando que as prorrogações estariam subentendidas no espectro do parágrafo único do art. 191, e admite uma ultratividade das leis anteriores não expressa.
Em sentido contrário, por sua vez, pode-se extrair uma interpretação mais literal da norma, que considera vigência do contrato tão-somente o prazo estipulado originalmente no instrumento, tendo em vista que toda extensão prazal que extrapola o prazo original será uma alteração contratual, realizada por meio de termo aditivo.
Considera-se, nesta perspectiva, que a voluntas legis é atribuir limite temporal adstrito a vigência prevista originalmente na avença, observando o prazo de ultratividade da legis anterior, que fora estipulado expressamente.
Assim, os contratos celebrados com base na legislação anterior teriam vigência até o final do prazo de ultratividade das normas revogadas pela Lei Federal nº 14.133/21, ou seja, 2 anos após a sua publicação, que encerra em 31 de março de 2023.
Em verdade, é possível observar que não há nenhuma passagem, no texto legal, que embase o entendimento de que possa haver a prorrogação dos contratos após o dies ad quem do prazo de 2 anos, contados da vigência da Lei Federal nº 14.133/21.
A previsão de que o contrato será regido pela legislação que lhe deu origem durante sua vigência é apenas um desdobramento lógico da impossibilidade de coexistência de dois regimes regulando um mesmo instrumento, bem como uma maneira de conferir segurança jurídica durante a execução contratual, dentro do prazo original.
Não existindo previsão legal expressa quanto a prorrogação do contrato, eis que a lei se refere apenas a vigência, e esta limita-se ao prazo estabelecido originalmente ao contrato, não incluindo as prorrogações, por força do princípio da legalidade, parece ser equivocada a interpretação quanto a possibilidade de se prorrogar os contratos, firmando novos vínculos, com base em norma já revogada.
Todavia, não se pode deixar de considerar que a possibilidade de prorrogação se apresenta como uma alternativa atrativa, em que pese mais arrojada e que possa despontar questionamentos dos Tribunais de Contas, disponível aos gestores que objetivam aproveitar contratos que sejam mais vantajosos, evitando deflagrar novo procedimento licitatório, especialmente, nesse cenário de grande incerteza em relação a nova legislação.
Nesse caso, a validação desse entendimento, sopesando os valores e princípios envolvidos, perpassa pela adoção de uma interpretação teleológica e extensiva, voltada a questão da necessidade e essencialidade do serviço, bem como impossibilidade de solução de continuidade do contrato, tendo em vista que, conforme entendeu Mazzoco (2002) “os contratos de execução continuada são (...) prestados de maneira seguida, ininterrupta e indiferenciada ao longo do tempo. O que a Administração visa neste tipo de contrato é uma atividade executada de forma contínua, caracterizada por atos reiterados.”
Apesar de ser serviço por um prazo determinado, caracteriza-se na definição de Mazzoco (2002) como “uma sucessão de atos ininterruptos”, que não se exaure com o tempo.
Como pode ser visto, a querela que envolve esse tema não é simples e está longe de um ponto final, especialmente diante da proximidade do término da ultratividade da Lei Federal nº 8666/93, que acirrará as discussões, bem como as incertezas e riscos frente ao total desconhecimento dos posicionamentos dos Tribunais de Contas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho pretendeu analisar a problemática advinda da leitura do art. 190 e parágrafo único do art. 191 do novel diploma legal que prever que, durante o prazo de 2 anos decorridos após a publicação da Lei Federal nº 14.133/2021, os contratos de serviços continuados, celebrados com base na legislação anterior, seriam regidos pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.
Antes de adentrar no cerne da questão, partiu-se do estudo do conceito dos serviços de natureza continuada, perpassando por um breve contexto histórico até a definição das bases da nova lei.
Em seguida, não menos importante, um apontamento quanto natureza da prorrogação contratual, que, como fora exposta, não havia mais dúvida que se trata de uma facultatividade da Administração.
Tais pontos são pré-requisitos indispensáveis para a compreensão do conteúdo normativo do art. 190 e parágrafo único do art. 191 da Lei Federal nº 14.133/2021, bem como para facilitar a apreensão da exegese que melhor se adapta aos fins do interesse público.
Verificou-se que existe uma corrente que entende que o texto legal “seriam regidos pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência” denota a possibilidade do contrato sofrer sucessivas prorrogações, mesmo após esgotar o prazo de ultratividade da antiga lei, pelo fato de que o ajuste passaria pautar-se na lei que lhe deu origem em todos os seus termos.
Contrariamente a esse entendimento, pode-se identificar outra via de pensamento que reflete uma exegese mais literal da norma, considerando que o legislador, ao se referir a situação de que o contrato seria regido pela norma que lhe originou, durante toda sua vigência, quis se referir a vigência normal, prevista originalmente no instrumento, desde que dentro do prazo de ultratividade da legis anterior, tal qual permitido na Lei Federal nº 14.133/2021.
Importante registrar que longe de pretender respostas certas, este estudo ambiciona a ampliação do debate, do estudo, tanto no meio acadêmico quanto profissional, através de resgates de conceitos, métodos de interpretação para criação de um ambiente propício a formação de conhecimento consciente.
A questão quanto à possibilidade ou não de prorrogação, como pode ser visto, refuga de uma leitura simplista do texto normativo, demandando um retrocesso as origens e essência do instituto para, no contexto legal e político, obter uma melhor interpretação.
Assim, lançam-se, neste artigo, de forma modesta, pincelas do que pode reverberar em intensas e robustas discussões que só enriquecem o tema, e permitem a construção de uma interpretação mais sedimenta e madura.
Notas e Referências
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CHARLES, Ronny. Lei de Licitações Públicas. 12ª Ed. Juspodivm, 2021.
CHARLES, Ronny. A futura nova lei de licitações. Disponível em:https://ronnycharles.com.br/a-futura-nova-lei-de- icitacoes/#:~:text=Por%20Ronny%20Charles&text=A%20Lei%20n%C2%BA%208.666%2F93%2C%20atual%20Lei%20geral%20de%20licita%C3%A7%C3%B5es,do%20ent%C3%A3o%20Presidente%20Fernando%20Collo
PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública, 6ª Ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
MAZZOCO, Carlos Fernando. Duração do contrato administrativo. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/3255/duracao-do-contrato-administrativo.
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MPOG. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instrução Normativa n.º 2, de 30.4.2008. Dispõe sobre regras e diretrizes para a contratação de serviços, continuados ou não.
MUKAI, Toshio. As prorrogações nos serviços contínuos são facultativas? 2002. Disponível em: <http://licitação.uol.com.br> Acessado em 02 de abril de 2022.
[1] Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: (...)
II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, os quais poderão ter a sua duração estendida por igual período;
Imagem Ilustrativa do Post: Justice isn't blind, she carries a big stick // Foto de: Jason Rosenberg // Sem alterações
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