Da (im)possibilidade de cumulação de execuções de alimentos: rito da penhora e rito da prisão – Por Denis Donoso

09/06/2017

Coordenador: Gilberto Bruschi

1. Introdução

Discute-se, desde os tempos do CPC/1973 e ainda hoje após a entrada em vigor do CPC/2015, sobre a possibilidade de se cumular, num único processo, a execução de alimentos exigidos sob pena de prisão e a execução de alimentos exigidos sob o rito da penhora.

É disto que se ocupa este breve artigo, que propõe, preliminarmente, uma apreciação sobre os requisitos gerais para a cumulação de execuções (regra do art. 780 do CPC) e uma rápida incursão nos procedimentos executivos de obrigação alimentar previstos em lei. Em seguida, rente às premissas construídas, será apresentada a conclusão, sem deixar de reconhecer que não existe, por ora, unanimidade nas opiniões.

Este escrito não tem a pretensão de trazer uma resposta certa, mas apenas colaborar fomentando a discussão. Se assim for, este autor se dará por satisfeito.

2. Cumulação de execuções: aspectos gerais e requisitos

A possibilidade de cumulação de execuções, e as condições para que isso possa ocorrer, é situação prevista no art. 780 do CPC/2015, onde se lê:

Art. 780.  “O exequente pode cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, quando o executado for o mesmo e desde que para todas elas seja competente o mesmo juízo e idêntico o procedimento.”

Percebe-se, desde logo, que o art. 780 do CPC/2015 pouco ou nada difere de seu antecessor, o art. 573 do CPC/1973[1]. Na verdade, a diferença entre os dispositivos se concentra essencialmente no ajuste ou correção da terminologia processual utilizada[2], sem que tenha ocorrido qualquer alteração substancial da norma. Bem por isso, toda construção doutrinária e jurisprudencial criada a respeito do assunto sob a égide do CPC/1973 pode e deve ser aproveitada no contexto do CPC/2015.

Assim sendo, conclui-se, em primeiro lugar, que cumular execuções é uma faculdade do exequente[3]. Nada impede que ele – o exequente – promova uma execução para cada título ou para cada obrigação estampada no título.

Que fique claro, aliás: a cumulação pode se dar pela reunião de títulos diversos (por exemplo, um cheque e uma nota promissória) ou por obrigações múltiplas resultantes do mesmo título (desde que atendidos os demais requisitos legais, naturalmente). Esta é a segunda conclusão que vem no bojo do art. 780 do CPC/2015.

Em terceiro lugar, impõe-se que haja identidade de exequentes (haja ou não litisconsórcio entre eles). Não se admite, destarte, aquilo que HUMBERTO THEODORO JR. denomina de coligação de credores (reunião numa só execução de credores diversos com base em títulos diferentes)[4], especialmente porque se trata, aqui, de execução singular.

Na mesma linha, e em quarto lugar, a lei é expressa em exigir que o executado seja o mesmo. Trata-se, pois, da identidade de executados, vedada, igualmente, a coligação de que se tratou logo acima.

Em quinto lugar, pode-se concluir que a cumulação de execuções exige que haja competência do mesmo juízo para o processamento de todas elas.

Finalmente, arremata o art. 780 do CPC exigindo que seja idêntico o procedimento das execuções cumuladas. Repele-se, pois, cumulação de demandas executórias sujeitas a ritos diversos, inclusive quando o meio executório for distinto.[5] A limitação tem uma razão óbvia: a cumulação de execuções quer concretizar o princípio da economia processual. Quando se cumulam execuções sob ritos diversos, todavia, cria-se tumulto processual, o que acaba por agredir o próprio espírito da norma.

3. Execução de alimentos: ritos previstos em lei

Os títulos que estampam a obrigação de pagar alimentos podem ser judiciais (decisão judicial) ou extrajudiciais (escritura pública).

No primeiro caso – títulos judiciais –, procede-se ao cumprimento da decisão na forma dos arts. 528 a 532 do CPC/2015. No segundo caso – os títulos extrajudiciais –, realiza-se a execução em conformidade com os arts. 911 a 913 do CPC.

Embora provenientes de títulos diversos (judiciais e extrajudiciais), é inegável que as regras executivas de ambos são semelhantes, máxime porque o parágrafo único do art. 911 do CPC cria um “vaso comunicante” entre elas.

Em qualquer caso – seja a obrigação estampada em título judicial ou extrajudicial –, a lei prevê basicamente dois procedimentos diferentes, quais sejam: prisão e penhora.

Quando caberá o processamento da execução por cada um destes ritos? A resposta para o questionamento começa (mas não termina) a ser dada pelo art. 528, § 7º, do CPC/2015:

“O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.”

O mencionado dispositivo legal positiva a consagrada orientação jurisprudencial formada quando ainda era vigente o CPC/1973 que, de resto, foi absorvida pelo STJ (vide o enunciado 309 da súmula de sua jurisprudência dominante).

Vale anotar, ainda que en passant, que nem sempre o exequente poderá escolher o rito da execução de alimentos.

Com efeito, se as prestações forem pretéritas (da 4ª anterior ao ajuizamento para trás), a execução não poderá ser feita pela via da coerção (prisão), ou seja, seguirá necessariamente o procedimento da penhora. Mas, de outro lado, o credor pode optar por executar todas as parcelas (pretéritas e atuais) pela via da penhora, abrindo mão do rito da prisão. (STJ, 4ª Turma, REsp 1.219.522, rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, j. 08.9.2015)

Mais ainda, convém lembrar que estes dois ritos são substancialmente distintos, especialmente (mas não apenas) quanto à forma de requerimento da execução, o prazo para cumprimento da obrigação e as consequências do seu inadimplemento.

Por exemplo, iniciada a execução de alimentos pelo rito da prisão, o devedor será convocado para pagar o valor devido no prazo de três dias. No mesmo prazo, poderá apresentar aquilo que a lei denomina de “justificativa”, expondo que já pagou ou demonstrando a impossibilidade absoluta de pagar, sob pena de prisão em regime fechado pelo prazo de um a três meses e protesto do pronunciamento judicial[6].

De outro lado, uma vez requerida a execução pelo rito da penhora, o § 8º do art. 528 do CPC determina, no caso de cumprimento de sentença, que seu processamento se dê conforme os arts. 523 e seguintes, com intimação do devedor para pagar o débito no prazo de quinze dias, sob pena de acréscimo de multa e honorários advocatícios, com possibilidade de insurgência do executado pela via da impugnação (art. 525 do CPC). Se a execução de alimentos pelo rito da penhora for baseada em título extrajudicial, o art. 913 do CPC remete o exequente ao procedimento dos arts. 824 e seguintes, que, em resumo, determinam a citação do devedor para que efetue o pagamento em três dias (art. 829 do CPC), sob pena de penhora de seus bens e com possibilidade de insurgência do executado pela via dos embargos (arts. 914 e seguintes).

Assim, finalizo este item com a seguinte conclusão parcial: o processamento da execução de alimentos pelo rito da prisão é substancialmente diferente daquele que se realiza pelo rito da penhora.

4. Da possibilidade de cumulação de execuções de alimentos sob ritos diversos

Feitas as considerações supra, lembremos que não é raro, na prática do foro, que o credor de alimentos (exequente) se veja obrigado, diante do inadimplemento do devedor (executado), a promover a execução de diversos meses de obrigação. E daqui nasce o questionamento central deste escrito: é possível cumular a execução de alimentos pretéritos (pelo rito da penhora) com a execução de alimentos recentes (pelo rito da prisão)?

Note, caro leitor, que não há dúvidas de que, mesmo nestes casos, estamos diante de cumulação de execuções. Embora tenhamos um único título (decisão judicial ou escritura pública de alimentos), temos tantas execuções quantas forem as parcelas não pagas.

A possibilidade de cumulação das execuções passa, necessariamente, pela análise da presença dos requisitos sobre os quais se ocupou o item 2 supra. E não há grande dificuldade em identificar a presença da maioria deles para desde logo tirar conclusões. Mas um dos requisitos para a cumulação, seguramente, continua a desafiar o intérprete: existe identidade de procedimentos entre as execuções com ritos diversos (penhora e prisão)?

Julgando um caso submetido ao CPC/1973, a 10ª Câmara de Direito Privado do TJSP admitiu a cumulação, nos mesmos autos, de ritos da execução de alimentos. Na interessante ementa, ficou consignado o seguinte:

“Não há qualquer impedimento legal para a cumulação de ritos. Não se pode perder de vista que objetivo da demanda é sempre a satisfação do crédito alimentar, e não a prisão do devedor de alimentos. O rito do art. 733 do CPC não constitui impedimento para a persecução do crédito pelo rito do art. 732 do CPC, tanto que o cumprimento da pena não exime o devedor do cumprimento da obrigação. Também não se pode olvidar que a satisfação do crédito alimentar é tão premente que a lei comina a pena de prisão ao devedor de alimentos apenas como meio de forçá-lo ao pronto cumprimento da obrigação. Assim, nada obsta que o crédito por inteiro seja perseguido pelo rito do art. 732 do CPC e, nos mesmos autos, os três últimos meses, e as parcelas vincendas, sejam também perseguidas pelo rito do art. 733 do CPC, o que não acarreta nenhuma dificuldade processual, apenas requer adequação dos termos da citação.” (TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, Agravo regimental 0126649-59.2013.8.26.0000/50001, rel. Des. CARLOS ALBERTO GARBI, j. 09/09/2014, v.u.)

No mesmo sentido, admitindo a cumulação, já decidiu o TJSC:

“Não obstante a existência de procedimentos diversos para a cobrança de pensões alimentícias pretéritas e para a cobrança das prestações vencidas no trimestre anterior ao ajuizamento da actio, doutrina e jurisprudência autorizam que ambas as pretensões executivas sejam perseguidas nos mesmos autos, desde que se determine a cisão dos procedimentos, com a expedição de um mandado de citação para exigir-se o pagamento das três últimas parcelas, sob pena de prisão (CPC, art. 733), e de outro para cobrar as demais prestações, obedecendo-se ao rito da execução por quantia certa (CPC, art. 732)” (TJSC, 4ª Câmara de Direito Civil, Agravo de Instrumento 2009.020397-1, rel. Des. VICTOR FERREIRA, j. 08/07/2010, v.u.)

No âmbito doutrinário, releva registrar a respeitável opinião de FERNANDA TARTUCE e LUIZ DELLORE[7], para quem a jurisprudência do CPC/73 realmente não permitia a cumulação das execuções, mas o CPC/2015 tem sistemática diversa que proporciona a promoção, num único procedimento de cumprimento de sentença, de cobranças múltiplas envolvendo prestações recentes e pretéritas, embora sujeitas a ritos diversos (não há, no seu dizer, incompatibilidade). Conforme sugerem, ainda que haja tal cumulação, o executado será integrado à relação na forma do rito de prisão (com prazo de três dias para pagar), indiferentemente da qualidade da dívida (recente ou pretérita), mas o mandado de intimação preverá as diferentes consequências para as diferentes prestações.

Com o devido respeito, contudo, a opinião contrária – que rejeita a possibilidade de cumulação de execuções de alimentos sob ritos distintos – parece ser mais aceitável, não apenas porque os procedimentos são diferentes (e o art. 780 do CPC literalmente exige que sejam idênticos), mas especialmente pelo fato de que tal cumulação seria agressiva ao princípio da economia processual e à instrumentalidade do processo, fato que se torna mais grave quando o pleito é de alimentos. Não é exagero imaginar, por exemplo, que num determinado momento processual não se saberá mais o que se está cobrando ou a que título o executado fez um pagamento parcial (parcelas recentes ou pretéritas).

O direito aos alimentos, exatamente pelas qualidades que ostenta, deve estar blindado de discussões desnecessárias e contraproducentes que invariavelmente surgirão se admitida a cumulação de execuções por técnicas distintas.

Neste sentido, vale frisar, se orienta a maior parte dos julgados sobre o tema (a exemplo do julgamento, em 21/03/2016, do Agravo de Instrumento 2026620-59.2016.8.26.0000 pela 6ª Câmara de Direito Privado do TJSP, rel. Des. Percival Nogueira).

De resto, o que não se pode recusar ao exequente é a possibilidade de pedir a conversão de ritos, alterando, por exemplo, uma execução sob o rito da prisão (que se mostrou ineficaz) para o rito da penhora. Mas tal possibilidade, ligada à instrumentalidade do processo, está longe de se confundir com a cumulação de técnicas executivas diversas e concomitantes nos mesmos autos.

5. Conclusões

Os requisitos para a cumulação de execuções são aqueles previstos no art. 780 do CPC/2015, entre os quais se inclui a identidade de procedimentos.

Deste modo, uma vez constatada a diversidade dos procedimentos das execuções de alimentos pela prisão e pela penhora, revela-se inapropriada a cumulação de execuções utilizando concomitantemente as duas técnicas.

Em reforço de argumento, lembre-se de que tal cumulação, longe de proporcionar efetividade à execução de alimentos, causará tumulto processual, exatamente pela diversidade insuperável dos ritos, atentando contra as legítimas e peculiares pretensões do exequente.


Notas e Referências:

[1] Art. 573 do CPC/1973: “É lícito ao credor, sendo o mesmo o devedor, cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, desde que para todas elas seja competente o juiz e idêntica a forma do processo.”

[2] Por exemplo, ao invés de se referir a “credor”/”devedor”, o NCPC utiliza as expressões “exequente”/”executado”; no lugar de “juiz” ficou a palavra “juízo”. Nada, contudo, que permita afirmar ter havido alteração no sentido da norma.

[3] MENDONÇA LIMA, Alcides de. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 6, Tomo 1, Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 203.

[4] THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. 3, 47ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 295.

[5] ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 11ª ed., São Paulo: RT, 2008, p. 299.

[6] Art. 528 do CPC (para os títulos judiciais) e art. 911 do CPC (para os títulos extrajudiciais).

[7] TARTUCE, Fernanda; DELLORE, Luiz. Do CPC/73 ao novo CPC. In TARTUCE, Fernanda; MAZZEI, Rodrigo; CARNEIRO, Sérgio Barradas (coord.). Famílias e Sucessões. Salvador: Juspodium, 2016, p. 477-498.


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