Da fiscalização de atos de admissão de pessoal pelos TC’s

15/10/2022

O controle externo, em sentido amplo, é toda fiscalização exercida por um ente que não integra a estrutura na qual o fiscalizado está inserido. A Constituição Federal reservou aos Tribunais de Contas atividades de cunho técnico, como a realização de auditorias e o exame e julgamento da gestão dos administradores públicos.

O ingresso de servidores ou funcionários nos quadros da Administração Pública pode se dar pelo provimento originário, pelo provimento derivado, pela contratação temporária e há ainda os admitidos sem concurso público antes da vigência da Constituição Federal de 1988.

A competência constitucional dos TC’s para fiscalizar e apreciar a legalidade  do registro dos atos de admissão de pessoal tem a previsão legal no art. 71, III, da CF. Tomando-se como exemplo o Tribunal de Contas do Estado do Piauí, que é o mais antigo Tribunal de Contas estadual do Brasil, a sua competência para fiscalizar e apreciar a legalidade do registro dos atos de admissão de pessoal se encontra nos seguintes dispositivos (Art. 86, III, “a”, da Constituição do Estado do Piauí, Lei Orgânica do TCE/PI, Art. 2º, IV, Art. 104, II, do Regimento Interno do TCE/PI, Art. 1º, IV, Art. 82, V, “a”, Art. 197, I, Art. 316, I, Art. 375, § 3º e a Resolução TCE/PI nº 23, de 06 de outubro de 2016).

Esta pesquisa justifica-se pela extrema relevância da fiscalização e da apreciação do registro da legalidade dos atos de admissão de pessoal pelos diversos Tribunais de Contas do Brasil afora.

Dentre as competências que a Constituição Federal reserva aos TC’s encontra-se a de apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a legalidade das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório (art. 71, III, CF).           

Por ocasião do registro da admissão de pessoal, no caso de provimento originário, os TC’s iniciarão o exame do controle de legalidade pelo ato de nomeação para determinado cargo ou emprego a partir do respectivo edital do concurso público. Os órgãos de instrução dos TC’s, tomando-se por exemplo, o TCE/PI, a Divisão de Fiscalização de Admissão de Pessoal (DFAD) verificará desde a publicação do edital, fase de inscrição, realização de provas, fases recursais, homologação, ordem de classificação, prazo de validade, nomeação, entre outros requisitos. Essa fiscalização aqui no Estado do Piauí ocorre simultaneamente com a realização do concurso público.

De sorte que, publicado o edital de determinado concurso, os TC’s, pela sua unidade técnica ou Divisão, no caso do TCE/PI pela DFAD, pesquisa junto ao Diário Oficial dos Municípios Piauienses, Diário Oficial das Prefeituras Piauienses e demais diários, a publicação do edital do certame e começa desde logo o controle concomitante de legalidade do instrumento convocatório, propondo ou não alteração no instrumento convocatório (através de um quadro de avisos em contato com os gestores dos municípios piauienses e gestores do Estado) e, a partir deste ponto, acompanhará a realização de todas as etapas do concurso. Importante dizer que, verificada alguma impropriedade, a unidade técnica ou divisão (DFAD) acionará o TC para, por exemplo, conceder medida cautelar.

Por unanimidade, o Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) negou recurso interposto contra decisão que assegurou o poder geral de cautela do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT) e reafirmou a competência constitucional do órgão de controle externo para determinar medidas cautelares:

SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DO MATO GROSSO. PODER GERAL DE CAUTELA. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DE CONTRATOS. DECISÃO JUDICIAL QUE SUSPENDE MEDIDA DETERMINADA PELA CORTE DE CONTAS. ALEGAÇÃO DE RISCO DE GRAVE DANO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. OCORRÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA DESTE SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDAS QUE VISAM A PRESERVAÇÃO DO ERÁRIO. PEDIDO DE SUSPENSÃO QUE SE JULGA PROCEDENTE. Assim, verifica-se a necessidade de acolhimento do pedido de suspensão formulado, completando-se a presença de todos os requisitos legais que ensejam o deferimento da presente medida de contracautela, até que ocorra o trânsito em julgado na ação principal (art. 15 da Lei nº 12.016/2009; art. 4º da Lei nº 8.437/1992 e art. 297 do Regimento Interno do STF). Ex positis, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO DE SUSPENSÃO, para suspender as decisões proferidas nos autos dos Mandados de Segurança nº XXXXX-52.2020.8.11.0000 e XXXXX-08.2019.811.0000, em trâmite no Tribunal de Justiça do Mato Grosso, até o seu trânsito em julgado. Publique-se. Int. Brasília, 21 de setembro de 2021. Ministro Luiz Fux Presidente Documento assinado digitalmente (STF - SS: 5505 MT XXXXX-51.2021.1.00.0000, Relator: PRESIDENTE, Data de Julgamento: 21/09/2021, Data de Publicação: 23/09/2021)  

O controle de legalidade do ato de admissão de provimento originário, o órgão de instrução apenas verificará a legalidade do edital de convocação, nomeação, posse e exercício do candidato aprovado.

Pelo registro, o Tribunal de Contas realiza o controle de constitucionalidade e de legalidade desses atos de pessoal. É pacífico no STF que a eficácia desses atos ocorre com o registro. A submissão desses atos ao controle perante o Tribunal de Contas está, portanto, em sintonia com o princípio da legalidade, segurança jurídica e da proteção à confiança, sendo este, decorrente daquele e que podem resultar em colisão com o princípio da legalidade caso esses sofram alteração ou negativa de registro após exacerbado lapso temporal, aliás, como é praxe nos TC’s.

O sujeito que é nomeado, toma posse e entra em exercício, já tem direito a salário, licença, férias, décimo terceiro e todos os direitos e as garantias do cargo ou da função, independentemente do registro nos TC’s. A vontade materializada pelos TC’s na apreciação dos atos sujeitos a registro é autônoma e não integra a vontade manifestada pela Administração. São dois momentos distintos, vale dizer, são dois atos distintos, autônomos, cada um com seus próprios efeitos.

A relevância do controle externo no que tange ao registro dos atos de pessoal. Trata-se de uma função que tem por objetivo preservar o princípio geral da legalidade que obriga toda a atuação da Administração, como de resto a preservação do patrimônio público. O entendimento atual do STF quanto à natureza do ato sujeito a registro é por demais prejudicial aos interesses do servidor ativo, inativo e pensionista, tendo em vista que nesse caso, a decadência opera-se a partir do registro nos TC’s, cuja jurisdição também sofre os efeitos da morosidade que aflige a prestação dos serviços jurisdicionais.

O melhor entendimento à luz do princípio da legalidade e da segurança jurídica, é atribuir aos atos sujeitos a registro a natureza de ato simples, ou seja, eles se aperfeiçoam a partir de sua publicação pela Administração, fluindo daí o prazo decadencial para a revisão administrativa de ofício, inclusive, sem o contraditório, o que enaltece o princípio da legalidade e a Súmula nº 473, do STF. E por outro lado, enaltece também o princípio da segurança jurídica, da confiança legítima e da boa-fé do servidor que sabe exatamente o início do prazo que têm a Administração e os órgãos de controle para a revisão, revogação e anulação de tais atos.

 

Notas e Referências

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 09 de out. de 2022.

BRASIL. Constituição do Estado do Piauí. Disponível em: < http://legislacao.pi.gov.br/legislacao/default/ato/14853>. Acesso em: 09 de out. de 2022.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/inicio/>. Acesso em: 09 de out. de 2022.

BRASIL. Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Disponível em: <https://www.tce.pi.gov.br/>. Acesso em: 09 de out. de 2022.

DUTRA, Micaela Dominguez. O Tribunal de Contas e o Verbete n. 347 da Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Direito Público, Ano V, n. 20 (Mar-Abr. 2008). p. 190-200.

TCE/PI. Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Disponível em: <https://www.tce.pi.gov.br/wp-content/uploads/2021/07/LOTCE.-atualizada-2021.pdf>. Acesso em: 09 de out. 2022.

TCE/PI. Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Disponível em: <https://www.tce.pi.gov.br/wp-content/uploads/2022/01/REGIMENTO_INTERNO_WORD-atualizado-ate-05-01-2022-.pdf>. Acesso em: 09 de out. de 2022.

 

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