Da cabeça de juiz, da barriga de mulher grávida e da bunda de neném, nunca se sabe o que sairá. Ledo engano, tudo se pode saber com antecedência!

14/03/2015

Por Denival Francisco da Silva - 13/03/2015

Dentre os velhos bordões populares, por certo a expressão “da cabeça de juiz, da barriga de grávida ou da bunda de neném” (ou nas suas variações, porque mudando a sequência nada interferirá no conteúdo da expressão), ninguém pode antecipar o que vira, é daquelas máximas totalmente superadas.

Porém, não obstante, o mundo jurídico jurássico não desencanta desse dito, como de tantos outros pré-históricos. Muitos nesse mundo apartado ainda se valem desse jargão como se fosse uma assertiva, utilizando-o para tentar afirmar que o julgamento é imparcial e resultado exclusivo do livre convencimento judicial, conforme os elementos e provas extraídas dos autos.

Ohhh, vejam só! Quanta ladainha e embromação para tentar ofuscar o que não é mais do que conhecido!

Não é necessário dizer que hoje em dia todos sabem (ou podem saber) o sexo da criança, pouco tempo depois da gravidez. A ciência permitiu dar certeza ao diagnóstico, possibilitando aos pais providenciar enxovais azuis ou rosas (ou ambos, se gravidez de gêmeos de sexos diferentes, ou as escolhas fugirem também a esse velho padrão estético).

Depois, criança nascida, é batata! Do bumbum do neném vira merda. Neste caso, se amamentado pela mãe, de sobras do leite que não foi absorvido pelo organismo. Se alimentada por leite industrializado, sobras desse leite com os adereços artificiais (pena que neste caso os produtos químicos acoplados não são necessariamente as escolhas intestinais para defecação).

Em relação a essas indagações, portanto, não há mais dúvidas. Mais será que existe ainda dúvida em relação ao que sairá da cabeça do juiz? No posso credere!

O ato de julgar é humano e, como tal, é fruto de um montão de coisas previamente conhecidas. De jurídico resta pouco, porque a essência é repudiada sob tantos subterfúgios. O julgador, nessa situação, é um grande mestre do engodo, quando não só tenta se iludir (e ao consegui-lo imagina poder iludir outros) e aos jurisdicionados, com o suposto entendimento jurídico.

A rigor, o pensar jurídico e o julgamento perderam muito de sua importância, sendo mais do que sabido o que virá no processo no seu desfecho. Na maioria das vezes trata-se apenas de compilar decisões similares (não precisamente coincidente com o novo caso a ser julgado, e por isso não idênticos, porque não pode haver mesmo identidade, sob pena de litispendência ou coisa julgada) expedidas pelos órgãos jurisdicionais superiores e que são inseridas no processo sem a mínima vergonha de se atentar para a necessidade de individualização do julgamento, caindo por terra o sentido do processo que exige a análise detida de cada caso concreto.

Mas outros engodos linguísticos/ideológicos, transvestidos de fala jurídica, entram em ação para justificar essa forma de (não) decidir: “é preciso dar segurança jurídica aos julgamentos”; “o Judiciário tem que primar pela celeridade processual, não podendo perder tempo com temas já decididos”;   etc.

Em suma, essa forma de julgar – aliás, de não julgar, ou ainda de pré-julgar, porque a rigor a decisão precede ao próprio ajuizamento da ação – é mais fácil porque não dá trabalho, supostamente não compromete (afinal o juiz segue entendimentos já firmados), agiliza (e o que interessa são números estatísticos no final do mês), (in)conscientemente atende aos interesses dos mais fortes.

Fora isso ou cumulativamente a isso, não raro, a decisão judicial é fruto de enormes preconceitos – ou pré-juízos, no sentido de juízos prévios conforme as próprias paixões do julgador –, conservadorismos, posturas ideológicas camufladas, reflexos de concepções morais, religiosas, sociais e que são utilizadas com a roupagem do juridiquês e em argumentos moldados sob medida na tentativa de justificar as razões de decidir.

Todavia, o ordenamento jurídico e o ato de decidir são muito mais do que um simples olhar sobre a lei e a interpretação forjada que daí se queira dar.  Existe uma plêiade de valores e princípios, expressos ou não, que devem dar rumo a interpretação caso a caso. Essa carga transpõem a vontade pessoal do julgador e sua concepção ideológica, devendo servir de mote para todo julgamento.

Por isso, deve-se saber antecipadamente, também, como há de ser a decisão judicial, porque fora dos parâmetros ditados há de ser incorreta, merecendo reparo.

- É! Deveria ser assim!

É bem verdade que outro dia tive que ouvir de um magistrado – nitidamente na tentativa de me provocar (do nada, mas tenho comigo as razões), porque sabedor de minhas posições e coerência com essa lógica do julgamento, sedimentada em princípios –, com sua impávida soberba e ignorância afirmar que com ele não existe essa “estória de princípios”.

O recado era direto e claro, como se eu fosse o mentor dessa “estória de princípios”.

Óbvio, não perdi tempo. Sequer abri a boca. E não abriria se insistisse em me chamar para um debate. Deixei-o pensar que havia me vencido. Isso o torna mais vaidoso, que é o acalanto dos medíocres.


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Denival Francisco da Silva é Doutorando em Ciências Jurídicas pela UNIVALI/SC. Mestre em direito pela UFPE. Juiz de Direito. Professor.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             


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