Da Aplicação do Princípio da Insignificância nos delitos ambientais e a consequente Atipicidade das Condutas

20/05/2017

Inicialmente é necessário observar que a função do Direito Penal é a de prevenir lesões ou perigo de lesões aos Bens Jurídicos tidos por mais relevantes, aplicando-se para tanto os Princípios da Intervenção Mínima (Ultima Ratio) e da Fragmentariedade.

Em relação ao Bem Jurídico é pertinente observar que em verdade trata-se de base da estrutura e interpretação dos tipos penais.

Dessa maneira, se faz necessário trazer à tona a conceituação de Bem Jurídico.

Entretanto, mister asseverar que Feurbach sentiu a necessidade de demonstrar que em todo preceito penal existe um direito subjetivo, do particular ou do Estado, como objeto de proteção[1].

Ao seu turno, Binding apresentou a primeira definição de Bem Jurídico, concebendo-o como estado valorado pelo legislador.

Von Liszt, em continuação ao trabalho iniciado por Binding, transportou o centro da gravidade do conceito de bem jurídico do direito subjetivo para o interesse juridicamente protegido, com um diferencial: enquanto Binding ocupou-se, superficialmente, do Bem Jurídico, Von Liszt enxergou nele um conceito da estrutura do delito.

Modernamente entendeu a melhor doutrina em ver o Bem Jurídico “relacionado à finalidade de preservação das condições individuais necessárias para uma coexistência livre e pacífica em sociedade, garantidos, ao mesmo tempo, o respeito de todos os direitos humanos. Nesses termos, a criação de normas e a exegese do Direito Penal estão estritamente vinculadas à dedução racional daqueles bens essenciais. Significa, em última instância, que a noção de bem jurídico-penal é fruto do consenso democrático em um Estado de Direito. A proteção de bem jurídico, como fundamento de um Direito Penal Liberal, oferece, portanto, um critério material extremamente importante e seguro na construção dos tipos penais. O bem jurídico deve ser utilizado, nesse sentido, como princípio interpretativo do Direito Penal num Estado Democrático de Direito e, em consequência, como o ponto de partida da estrutura do delito. Finalmente, como o ponto de partida da estrutura do delito é o tipo de injusto, este representa a lesão ou perigo de lesão do bem juridicamente protegido”[2].

Desta monta, é necessário se ter em mente que modernamente como exposto anteriormente o Bem Jurídico é visto como um caráter limitador ao Ius Puniendi Estatal, eis que ao Direito Penal é atribuída a função de tutelar aquelas lesões ou perigos de lesões aos Bens Jurídicos mais relevantes e, não, a aplicação de castigos e punições severas.

Ocorre que, uma questão que apresenta problemas é no tocante a limitação do Bem Jurídico nos delitos ambientais, eis que existem diversas teorias em relação a esses.

Nesse mesmo sentido se manifesta LUIZ REGIS PRADO:

O exame do bem jurídico protegido pelo Direito Penal do ambiente implica uma mais exata demarcação conceitual de seu objeto de proteção, segundo os princípios que informam o Direito Penal contemporâneo e a moderna política criminal.

A ideia de bem jurídico ambiente vem a ser uma questão assaz tortuosa e de difícil determinação. De caráter poliédrico e multidimensional, o termo ambiente assume na linguagem jurídica acepções diversas, eivadas de contornos peculiares e fluidos [3].

Por conta disso, passou a doutrina a sintetizar o ambiente sob três dimensões: a relacional, que entrelaça muitos fatores tanto naturais como antropológicos, como o que circunda uma determinada pessoa, ser ou coisa; a geográfico-territorial, que versa sobre o ambiente referido- global, regional ou local, segundo sejam considerados a biosfera em geral ou os singulares ecossistemas; e a temporal, que impõe a necessidade de se adotar uma perspectiva dinâmica para representar adequadamente a contínua evolução e as transformações dos sistemas de “relação ambiental”.

Entretanto, é importante observar que essas definições são deficientes, em decorrência da sua exagerada amplitude acabam por dificultar sobremaneira a imprescindível delimitação do ambiente como bem de natureza penal.

Faz-se necessário uma orientação intermediária do conceito de ambiente, isto é, para a melhor doutrina seria o ambiente objeto de proteção de lei penal em sintonia com o texto maior:

“A manutenção das propriedades do solo, do ar, e da água, assim como da fauna e da flora e das condições ambientais de desenvolvimento destas espécies, de tal forma que o sistema ecológico se mantenha com seus sistemas subordinados e não sofra alterações”[4].

Melhor seria dizer que o Meio Ambiente seria composto pelo conjunto de meios naturais que em sua quantidade e combinação configuram o habitat atual do homem, para a fauna e a flora, e cuja alteração por meios nocivos para a natureza e desenvolvimento biológico próprio de ditos seres e objetos é contrária ao equilíbrio natural da vida humana, animal e vegetal na terra. Essa consideração de meio ambiente, certamente homocêntrico, não exclui, todavia, o equilíbrio que é próprio à flora e à fauna, ainda que sem ter uma incidência direta no desenvolvimento humano, tanto em seu aspecto animal como social[5].

Superada a delimitação sobre o que seria considerado Meio Ambiente para fins penais, é de se voltar a atenção a análise quanto a possibilidade ou não de aplicação do Princípio de Insignificância nos delitos ambientais.

Isto porque, a Lei nº 9.605/98 revela-se problemática quanto à elaboração dos tipos penais, tanto no que diz respeito à amplitude excessiva de seus elementos normativos, elidindo o princípio de legalidade, como em relação à existência de efetiva lesão ao bem jurídico ambiente.

Neste diapasão, caminham a doutrina e a jurisprudência[6] no sentido de recorrer ao Princípio de Insignificância como “instrumento seletivo das ações concretamente lesivas ao bem ambiental tutelado”[7].

No entanto, é importante ressaltar que a configuração de tal Princípio em delitos ambientais se mostra complexa, haja vista as peculiaridades e relações que a matéria engloba.

Ao formular o Princípio da Insignificância advogou Roxin que devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetem infimamente a um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em caso de lesões de pouca gravidade ou quando no caso concreto seu grau de injusto seja mínimo[8].

Ao se aplicar o princípio da insignificância a consequência lógica e evidente deverá ser o reconhecimento da atipicidade da conduta.

Em sede ambiental, algumas condutas costumam ser consideradas atípicas com a aplicação do referido Princípio, por exemplo, o abatimento de duas árvores de espécie nativa brasileira, que não afetam o equilíbrio ecológico local e manutenção de ave em cativeiro apenas para lazer, sem que tenha sido caçada ou utilizada de modo ilícito.

Todavia, é necessário asseverar que a jurisprudência tem buscado a delimitação do Princípio da Insignificância, exigindo a configuração dos seguintes requisitos: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada[9].

É de se destacar que há divergência jurisprudencial para aplicação de tal princípio em matéria ambiental[10].

Ante todo o exposto, é de se compreender que em que pese a divergência doutrinária e jurisprudencial, uma vez preenchidos os requisitos hábeis para a aplicação do Princípio de Insignificância em estrita consonância com a Jurisprudência dos Superiores Tribunais deve o Magistrado em via de consequência determinar a atipicidade da conduta, uma vez que tenha sido requerido pela parte em sede de Resposta Escrita, devendo, por evidente, Absolver Sumariamente o Réu, com fulcro no Artigo 397, III, do Código de Processo Penal, visto que, o fato narrado na Exordial Acusatória não constitui crime.


Notas e Referências:

[1] Jescheck, H.H. Tratado de Derecho Penal. Trad. Mir Puig e Muñoz Conde. Barcelona, Bosch, 1981. V.1 e 2. P.350.

[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 21ª edição, revista, ampliada e atualizada. Saraiva, São Paulo: 2015. P.349.

[3] PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. 5ª edição revista. Revista dos Tribunais. São Paulo: 2013. P.113.

[4] BACIGALUPO, E. La instrumentación legislativa de la proteción penal del medio ambiente. Estudios penales y criminológicos,  p.200.

[5] QUERALT JIMÉNEZ, J.J. Derecho Penal Español. P.E. P.715.

[6] Destaca-se que os Tribunais Superiores têm decidido de forma favorável à aplicação do Princípio em apreço: STF (RHC 88880/2006) e STJ (HC 72234/2007; HC 35.203/2006; CC 20.312/1999).

[7] SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da Insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P.79.

[8] Roxin, Claus. Política Criminal y sistema del Derecho Penal. P.53; LUZÓN PEÑA, D-M. Causas de atipicidad y causas de justificación. In: LUZÓN PEÑA, D-M; MIR PUIG, S. Causas de justificación y de atipicidad em Derecho Penal. Pamplona: Aranzadi, 1995.P.28.

[9] STF- HC 84412/SP.

[10] TRF3: Processos 20036106003477-6; 20026102010592-5; TRF4: Processos 2006.70.11.001945-7; STJ- HC 143202/SC.


João Pedro Coutinho. João Pedro Coutinho é graduado em Direito pelo Instituto Brasileiro de Mercados Capitais (Ibmec/RJ), Advogado especializado nas áreas de Direito Penal, Direito Penal Econômico e Direito Processual Penal. Sócio no Escritório Antonio Quintino Assessoria Jurídica. Membro da Comissão Permanente de Estudos de Direito Penal (CEDP). .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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