Da acumulação de cargos públicos por policiais militares estaduais

30/12/2023

A regra constitucional é a impossibilidade de se acumular cargos públicos, todavia o art. 37, XVI, da Constituição Federal prevê a possibilidade de se acumular cargos públicos, desde que haja compatibilidade de horários e seja:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.

A Emenda Constitucional nº 101/2019, que permite a acumulação de cargos públicos por militares estaduais (policiais militares e bombeiros militares).

O art. 42 da Constituição Federal foi acrescido do § 3º, que passou a prever que “Aplica-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios o disposto no art. 37, inciso XVI, com prevalência da atividade militar”.

Com a EC nº 101/2019 autorizou o militar estadual (bombeiro e policial) a acumular o seu cargo com outras funções. Vejamos em que casos:

1. Um cargo de bombeiro ou policial militar e um cargo de professor

Os militares estaduais se enquadram em ressalvas específicas da lei, podem acumular cargos públicos.

Considerando isso, um policial ou bombeiro militar só poderá ocupar cargo de professor como pessoa civil

2. Um cargo de bombeiro ou policial militar e um cargo de profissional da saúde

Do mesmo modo, o bombeiro e o policial militar podem também acumular cargos como profissionais da saúde. Para isso, basta apenas ser um cargo como enfermeiro civil, por exemplo. 

A exigência é que a profissão seja regulamentada e não se enquadre como uma segunda carreira militar.

3. Um cargo de bombeiro ou policial militar e um cargo técnico ou científico

Assim como os professores, policiais e bombeiros militares são liberados para ocupar cargos públicos técnicos ou científicos

Para a ocupação civil, vale a mesma regra aplicada aos professores: é fundamental ter habilitação ou formação superior para exercer a função que deseja ocupar em paralelo à carreira militar.

ADI 3.663-MA STF

“Os militares dos estados e os servidores públicos civis, atualmente, estão subordinados à mesma regra geral de vedação à cumulação de cargos públicos (CF/1988, art. 42, § 3º, c/c o art. 37, XVI) e de vedação à percepção simultânea de proventos da aposentadoria (ou da reserva/reforma, no caso de militares) com a remuneração pelo exercício de cargos públicos, ressalvadas as hipóteses de cargos acumuláveis na forma da Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão (CF/1988, art. 37, § 10)” (grifou-se)

O que diz o voto do relator Ministro Dias Toffoli que foi acompanhado pelos demais ministros do STF: “O julgamento foi suspenso em razão do pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes, o qual devolveu os autos em 10 de julho de 2023 com voto divergente. Dada a divergência lançada, entendi por bem reexaminar o caso à luz dos substanciosos fundamentos expostos por Sua Excelência, os quais descortinaram uma perspectiva distinta e que, segundo me parece, mostra-se mais consentânea com o regime jurídico peculiar dos militares e com as necessidades de segurança pública em todo o país”.

Na explanação do seu voto o ministro Dias Toffoli relata: “Especificamente quanto aos servidores militares dos estados, Distrito Federal e territórios, observa-se que o texto constitucional estabeleceu, originalmente, uma vedação quase absoluta à acumulação de cargos. A única exceção existente referia-se aos médicos militares que estivessem exercendo dois cargos públicos à época da promulgação da Constituição. É o que se infere do disposto nos §§ 3º e 4º do art. 42 do texto constitucional, c/c o § 1º do art. 17 do ADCT”.

Mais adiante expõe: “Logo depois, sobreveio a reforma administrativa, implementada pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, que promoveu alteração significativa no regime constitucional de acumulação de cargos dos servidores públicos civis.

Para o exame dos autos, interessa anotar especialmente a modificação da redação da alínea c do inciso XVI do art. 37, para admitir “o desempenho de duas atividades privativas de profissionais da saúde, com profissões regulamentadas”, ampliando, com isso, o rol das hipóteses de acumulação autorizadas, e a nova redação conferida ao inciso XVII do referido art. 37, o qual passou a ter o seguinte teor:

“Art. 37 (…)

(...)

XVII – a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;”

Na sequência, a Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, inseriu o § 10 ao art. 37 do Texto Magno para instituir literalmente, na esteira da jurisprudência da Corte, a vedação à percepção simultânea de proventos de aposentadoria com a remuneração de cargos, empregos e funções públicas, previsão normativa que alcançou inclusive os militares dos estados, do Distrito Federal e dos territórios (art. 42) e os militares da União (art. 142). Vide:

“Art. 37 - (...)

(...)

§ 10 - É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração. ”

A partir da Emenda Constitucional nº 34, de 13 de dezembro de 2001, que novamente modificou a redação da alínea c do inciso XVI do art. 37, permitiu-se a acumulação “de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas”. Apesar do aperfeiçoamento técnico na redação do dispositivo, não houve alteração considerável do regime de acumulatividade.

Anos depois, a Emenda Constitucional nº 77, de 11 de fevereiro de 2014, deu nova redação aos incisos II e III e VIII do § 3º do art. 142 da Constituição, para permitir aos militares a ocupação de dois cargos privativos de profissionais de saúde, desde que observada a prevalência da atividade militar. Vide :

"Art. 142. (...)

(…)

§ 3º (...)

(...)

II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea 'c', será transferido para a reserva, nos termos da lei;

III - o militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ressalvada a hipótese prevista no art. 37, inciso XVI, alínea 'c', ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se-lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei;

(...)

VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV, e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV, bem como, na forma da lei e com prevalência da atividade militar, no art. 37, inciso XVI, alínea 'c';”

Por último, a Emenda Constitucional nº 101, de 3 de julho de 2019 , inseriu o § 3º no art. 42 da Constituição, para explicitar que se aplica “aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, o disposto no art. 37, inciso XVI, com prevalência da atividade militar”.

Com isso, a aludida emenda constitucional operou a cisão do regime constitucional de acumulabilidade no tocante aos militares. A partir daí, enquanto os militares da União, vinculados às Forças Armadas, continuaram adstritos ao rígido regime de acumulabilidade previsto no art. 142, § 3º, de acordo com o qual esses militares só podem acumular dois cargos privativos de profissionais de saúde com profissões regulamentadas – e, ainda assim, desde que observada a prevalência da atividade militar –, os militares dos estados, do Distrito Federal e dos territórios passaram a se submeter ao regime de cumulabilidade próprio dos servidores públicos civis, cujas hipóteses de acumulação autorizadas são mais abrangentes, embora com a mesma ressalva da prevalência da atividade militar (CF, art. 42, § 3º, c/c o art. 37, inciso XVI) (grifou-se)

Hoje, portanto, os militares dos estados e os servidores públicos civis estão subordinados à mesma regra geral de vedação à cumulação de cargos públicos (CF, art. 42, § 3º, c/c o art. 37, inciso XVI) e de vedação à percepção simultânea de proventos da aposentadoria (ou da reserva/ reforma, no caso de militares) com a remuneração pelo exercício de cargos públicos, ressalvadas unicamente as hipóteses de cargos acumuláveis na forma da Constituição, de cargos eletivos e de cargos em comissão (CF, art. 37, § 10)” (grifou-se)

Em conclusão, havendo a prevalência da atividade militar e a compatibilidade de carga horária, o militar estadual poderá acumular cargo público de professor ou técnico/científico (que não seja de professor) ou na área de saúde.

 

Notas e referências

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /constituição /constituição.htm>. Acesso em: 28 de dez. 2023.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 101, de 3 de julho de 2019. Acrescenta § 3º ao art. 42 da Constituição Federal para estender aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios o direito à acumulação de cargos públicos prevista no art. 37, inciso XVI. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /constituição/emendas/emc/emc101.htm>. Acesso em: 28 de dez. 2023.

BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3663/MA. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=235854428>. Acesso em: 28 de dez. de 2023.

 

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