Cunha, sigilo e sonegação

11/11/2015

Por Charles M. Machado - 11/11/2015

As permanentes quedas de sigilo, delações e trocas de informações entre os fiscos brasileiro e de outros países, além da possibilidade de retorno da CPMF, trouxeram novamente à baila a velha discussão sobre o sigilo bancário, tudo porque a Receita Federal do Brasil, através desse instrumento tende a aperfeiçoar suas formas de arrecadação. Em que pese as já existentes Instruções Normativas que flexibilizam o sigilo bancário e trazem novamente o enfrentamento entre a necessidade de aferir a movimentação financeira e a defesa do sigilo bancário como Cláusula Pétrea da Magna Carta.

Desde que deixou de existir a CPMF, os contribuintes foram tomados por uma equivocada impressão de que estava novamente assegurado o sigilo bancário das suas movimentações financeiras. A meu ver um equívoco, que inclusive manifestei em entrevista a alguns jornais, durante muitos anos.

Curiosamente o judiciário concedeu algumas liminares que quero crer já estejam cassadas, se pronunciando no sentido de entender que com o fim da CPMF estaria findado também a possibilidade da utilização dos dados da conta bancária pela Receita Federal.

Ocorre que ao ser flexibilizado o sigilo bancário pela Lei Complementar 105 em 2001º legislador ordinário em momento algum fez referência a CPMF, até porque a preocupação era de dar efetividade as pretensões fiscais da Receita Federal do Brasil.

As Instruções normativas 802 de 28 de dezembro de 2007 e 811 de 28 de janeiro de 2008, atualizadas pela In 1.092 de 2010, que dispõem sobre a prestação de informações de que tratam o art. 5º da Lei Complementar nº 105. da seguinte forma:

"1 . Torna obrigatório que as instituições financeiras, assim consideradas ou equiparadas (factoring, casas de câmbio), nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, a prestação de informações semestrais, na forma e prazos estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), relativas a cada modalidade de operação financeira de que trata o art. 3º do Decreto nº 4.489, de 2002, em que o montante global movimentado em cada semestre seja superior aos seguintes limites:

I – para pessoas físicas, R$ 5.000,00 (cinco mil reais);

II – para pessoas jurídicas, R$ 10.000,00 (dez mil reais).

§ 1º As operações financeiras de que tratam os incisos II, III e IV (II pagamentos efetuados em moeda corrente ou cheque, o somatório dos lançamentos a débito vinculados a tais pagamentos no mês; III - nas emissões de ordens de crédito ou documentos assemelhados, o somatório dos lançamentos a débito vinculados a tais emissões no mês; IV - nos resgates em conta de depósito à vista e a prazo, inclusive de poupança, o somatório dos lançamentos a débito vinculados a tais resgates no mês) do art. 3º do Decreto nº 4.489, de 2002, deverão ser consideradas de forma conjunta pelas instituições financeiras, para fins de aplicação dos limites de que tratam os incisos I e II do caput."

Sendo que as informações sobre as operações financeiras aqui explicitadas compreendem a identificação dos titulares das operações ou dos usuários dos serviços, pelo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), e os montantes globais mensalmente movimentados.

A Instrução prevê ainda que na hipótese em que o montante global movimentado no semestre referente a uma modalidade de operação financeira seja superior aos limites de tratados acima, as instituições financeiras deverão prestar as informações relativas às demais modalidades de operações ou conjunto de operações daquele titular ou usuário de seus serviços, ainda que os respectivos montantes globais movimentados sejam inferiores aos limites estabelecidos.

O fato é que poucas são as pessoas que ficarão fora dessa previsão normativa, que posteriormente foi mais bem detalhada pela IN 811, que instituiu a Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira (Dimof).

Porém nesse caso o espectro de instituições sujeitas a DIMOF, é menor, pois não foram incluídas nessa Instrução as instituições que são comparadas a instituições financeiras como casas de câmbio, factorings e corretoras, e que entraram nesse rol somente em 2010, onde foi incluído também os correios.

As informações que devem fazer parte da DIMOF, são somente as compreendidas nas contas de depósitos ou conta de poupança, o que nos leva a crer que não fariam parte dessas operações as contas de investimento.

A IN assim prevê:

I – depósitos à vista e a prazo;

II – pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques;

III – emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados;

IV – resgates à vista ou a prazo.

Para essas operações tipificadas acima devem ser identificados os titulares das operações financeiras, pelo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), e os montantes globais mensalmente movimentados.

Sendo proibido a inserção de qualquer elemento que permita identificar a origem ou o destino dos recursos utilizados nas operações financeiras acima tratadas, fato esse que só deve ocorrer no caso de início de procedimento fiscalizatório, na medida em que não forem atendidas as requisições de informação por parte da autoridade fiscal.

Na aferição dos montantes globais não deverão ser considerados os lançamentos advindos:

I - a débito ou a crédito referentes a estornos contábeis;

II - de juros pagos ou creditados a título de rendimento de aplicações financeiras nas contas de poupança;

III - de transferências entre contas de depósito e contas de poupança do mesmo titular.

Lembrando-se que no caso de contas conjuntas as declarações serão preenchidas no nome do primeiro titular.

Os montantes são sempre semestrais logo qualquer pessoa física com movimentação superior a R$ 800,00 reais mês estará sujeita a DIMOF, o que nos leva concluir que todas as pessoas que a maioria dos contribuintes estarão sujeitas ao acompanhamento fiscal, inclusive a grande parte das que preenchem a declaração de isentas.

O fato é que qualquer variação financeira demonstrada na DIMOF e não refletida nas declarações seja na DIPJ ou na DIPF, serão selecionadas como casos que apresentam indícios de irregularidade. E, em uma terceira etapa, a autoridade tributária instaura uma fiscalização e intima o contribuinte a prestar esclarecimentos. Somente na hipótese de recusa dessas explicações é que serão requisitados às instituições financeiras os detalhes das movimentações financeiras.

Essa requisição obrigatoriamente deve se enquadrar nas onze hipóteses previstas no artigo terceiro do Decreto nº. 3.724, de 2001, que são:

“Art. 3o Os exames referidos no § 5o do art. 2o somente serão considerados indispensáveis nas seguintes hipóteses: (Redação dada pelo Decreto no 6.104, de 30 de abril de 2007)

I - subavaliação de valores de operação, inclusive de comércio exterior, de aquisição ou alienação de bens ou direitos, tendo por base os correspondentes valores de mercado;

II - obtenção de empréstimos de pessoas jurídicas não financeiras ou de pessoas físicas, quando o sujeito passivo deixar de comprovar o efetivo recebimento dos recursos;

III - prática de qualquer operação com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada em país enquadrado nas condições estabelecidas no art. 24 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996;

(países de tributação favorecida)

IV - omissão de rendimentos ou ganhos líquidos, decorrentes de aplicações financeiras de renda fixa ou variável;

V - realização de gastos ou investimentos em valor superior à renda disponível;

VI - remessa, a qualquer título, para o exterior, por intermédio de conta de não residente, de valores incompatíveis com as disponibilidades declaradas;

VII - previstas no art. 33 da Lei no 9.430, de 1996;

VIII - pessoa jurídica enquadrada, no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), nas seguintes situações cadastrais:

a) cancelada;

b) inapta, nos casos previstos no art. 81 da Lei no 9.430, de 1996;

IX- pessoa física sem inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou com inscrição cancelada;

X-negativa, pelo titular de direito da conta, da titularidade de fato ou da responsabilidade pela movimentação financeira;

XI- presença de indício de que o titular de direito é interposta pessoa do titular de fato.

§ 1º Não se aplica o disposto nos incisos I a VI, quando as diferenças apuradas não excedam a dez por cento dos valores de mercado ou declarados, conforme o caso.

§ 2º Considera-se indício de interposição de pessoa, para os fins do inciso XI deste artigo, quando:

I - as informações disponíveis, relativas ao sujeito passivo, indicarem movimentação financeira superior a dez vezes a renda disponível declarada ou, na ausência de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, o montante anual da movimentação for superior ao estabelecido no inciso II do § 3o do art. 42 da Lei no 9.430, de 1996;

II - a ficha cadastral do sujeito passivo, na instituição financeira, ou equiparada, contenha:

a) informações falsas quanto a endereço, rendimentos ou patrimônio; ou

b) rendimento inferior a dez por cento do montante anual da movimentação."

Se o caso do contribuinte não se enquadrar em nenhum dos postos acima, o que convenhamos é muito difícil, somente nesse caso é que a Receita precisará pedir autorização ao Judiciário.

Lembro também, que desde a promulgação da lei Complementar 105, diversas ações diretas de inconstitucionalidades foram propostas, porém o Supremo Tribunal Federal permanece em silêncio quanto a constitucionalidade do referido diploma.

Durante todo esse período de silêncio do STF o País assistiu a sucessivos recordes de arrecadação, muitos deles alimentados pela mera movimentação financeira levada a tributação.

O fato é que as medidas legais devem ser aperfeiçoadas, pois a regulamentação legal do arbitramento da renda não é instrumento qualificado para uma tributação justa e legal.

Seria curioso depois de quase quinze anos de silencio o STF se manifestar contrário a legalidade da norma, ainda que em muitos casos ela tenha sido aplicada preteritamente em detrimento a inúmeras garantias individuais.

Quando o Presidente do Congresso tem suas contas abertas pelos agentes fiscalizadores de outros países, sentimos um misto de alegria e logo de vergonha.

Quando se utiliza dos meios noticiosos para justificar a sonegação sem documento de origem é bom lembrar que para o fato gerador do Imposto de Renda, basta a titularidade ou disponibilidade de bem ou direito, logo beneficiário é titular de Direito, e Direito não declarado é sonegação.

Se existe ausência de documentos que comprovem a origem dos mesmos, dinheiro é equiparado à mercadoria, adquirida no caso à custo zero, logo arbitrado pela movimentação.

O curioso é que em pleno século XXI o presidente daquela casa use histórias capazes de corar ao vovô Gepeto.


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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