CUMPRA-SE A LEI (E A CONSTITUIÇÃO) OU DESCRIMINALIZE JÁ! AS DROGAS E A INJUSTA POLÍTICA CRIMINAL ADOTADA PELA JURISPRUDÊNCIA EM GRANDE PARTE DOS JUÍZOS E TRIBUNAIS DE JUSTIÇA.

27/01/2022

Antes de tudo, o presente texto não é escrito por um ferrenho entusiasta ou defensor da descriminalização das drogas. Aliás, sempre nos incomodou bastante a forma com que Acadêmicos e Intelectuais, de forma, salvo melhor juízo, até bastante irresponsável, a pretexto de defender não somente a descriminalização, mas também a legalização, fazem apologia, a rigor, às próprias drogas ilícitas. Excepcionalmente, por certo, estas podem, inclusive, servir para tratar doenças, mas são casos excepcionais, que não podem nem devem ser banalizados, embora a ciência tenha demonstrado, de fato, os benefícios para tratamento de algumas enfermidades, devendo haver a liberação nestes casos.

Contudo, ressalvadas estas situações, drogas fazem mais mal do que bem, o que é constatação científica e empírica, não obstante se ouça que droga represente “liberdade”, embora qualquer pessoa, com um mínimo de bom senso, saiba que isso não é verdade.

Liberdade é a pessoa ter a sua autonomia sem precisar – para sentir uma suposta ou pretensa liberdade – fazer uso de qualquer droga, seja lícita ou ilícita, sendo que, após, quiçá, a segunda ou terceira vez de uso, a pessoa já perceba que não é tão livre assim (sobretudo para decidir quando parar).

Seja como for, quer pela fraqueza ou debilidade humanas, as pessoas, por variadas razões, fazem uso de drogas, quer lícitas, quer, eventualmente, ilícitas, sendo que, em todos os casos, sem exceção (basta ver o caso de cigarros e bebidas alcoolicas), muitas acarretam prejuízos enormes não apenas do ponto de vista individual e familiar, mas também para a sociedade (vide a situação da cracolândia, no Centro de São Paulo, com pessoas largadas à própria sorte, quando não estimuladas a sobreviver nesta situação).

Que fique bem claro este ponto, até para se perceber que não somos adeptos de um “liberou geral”, a nosso ver, irresponsável. Não se trata disso.

Entretanto, a forma como tem sido conduzida a prevenção e as políticas de desestímulo (alguns preferem o termo “luta” ou “combate”) às drogas não tem sido das melhores.

Embora não caiamos no erro e “achismo” de pensar que a simples descriminalização resolverá todos os nossos problemas, como em um passe de mágica, como pregam, acriticamente, alguns, sem trazer muitos dados a respeito, o fato é que, da forma como está sendo tratado o dilema, as coisas, certamente, não vão bem, sendo, portanto, necessário repensar a estratégia, até para, ao se implementar outra diferente, se poder comparar um antes e depois, para avaliar qual a melhor forma de lidar com o tema.

Recentemente, em 2006, é fato, tivemos uma opção legislativa correta, empreendida pela lei 11343/2006, em lidar com o usuário não com a ameaça de prisão, mas sim com acolhimento e uma proposta de tratamento.

Até porque, em respeito à liberdade individual – anote-se, um pouco fora de moda, nos últimos anos, sobretudo com a pandemia – a pessoa, em teoria, tem (ou deveria ter) o direito a escolher, ou não, consumir o que lhe faz bem ou até o que faz mal para si (os Intelectuais, em sua maioria, sempre defenderam isso, em especial quanto ao uso de drogas, diga-se de passagem), em respeito à autonomia individual que cada um tem.

Neste sentido, ninguém (nem mesmo a sociedade) poderia impor ao outro usar, ou não, determinado tipo de substância. Por exemplo, gostamos de coca cola (sem ser diet!) e frituras, mas sabemos que, sobretudo em excesso, tais substâncias podem causar problemas de saúde. Cabe a nós optar por consumir, ou não, alimentos ou substâncias mais ou menos saudáveis. O Estado pode até trazer alguma regulamentação, por certo, ou alertar para os riscos, mas jamais poderia tolher a liberdade do indivíduo de escolha.

Desta forma, muitos questionam a própria criminalização do uso, ainda que esteja em jogo a saúde pública como um todo, pois ninguém poderia ser obrigado a usar, ou deixar de usar, determinada substância, sob o argumento da proteção do todo, ou da sociedade, sob pena de ofensa à dignidade da pessoa humana.

O mesmo entendimento deve(ria) valer para os demais casos de tentativa de imposição ou proibição estatal, seja no que tange a um tratamento, ou ao uso forçado de qualquer substância, salvo hipóteses bem excepcionais, justificadas por medidas de emergência e proporcionalidade, especialmente quando, concreta e efetivamente, estiver em risco a própria saúde ou integridade física do viciado e/ou do seu entorno.

Portanto, a opção legal – correta, diga-se de passagem – foi afastar a possibilidade de prisão ao usuário, pois, antes desta lei, ainda que os fatos pudessem ser subsumidos à lei 9099/95 (crimes de menor potencial ofensivo), era possível a prisão em flagrante, dispensável em casos de compromisso de comparecimento aos Juizados.

Hoje, em tese (ou melhor, em teoria), não mais seria possível qualquer tipo de prisão, não obstante sejam muitos os casos de usuários que são qualificados, indevidamente, como traficantes, e presos e mantidos encarcerados por isso.

Aos iniciantes no tráfico, ou pequenos traficantes, sem passagem pela Justiça Criminal, também a lei, corretamente, adotou o certo posicionamento de dar uma chance adicional para estas pessoas, em vez de adotar uma política de encarceramento, conforme comando constitucional da igualdade.

Sendo assim, a Lei Maior, de forma totalmente legítima, por imperativo de equidade, pretendeu tratar aos iguais igualmente e aos desiguais, de forma diferente, na medida desta mesma desigualdade (conforme ensinamentos de Rui Barbosa), sendo que, neste sentido, andou muito bem o legislador ao prever que o pequeno, ou o iniciante, no tráfico deve ser tratado de forma mais branda em relação ao que já tem uma ligação maior, ou antecedente com a criminalidade.

Opção inteligente, até porque, todos sabem, o cárcere funciona como uma escola e pós graduação no crime, sendo que esta política de encarcerar, frise-se, sem a menor necessidade, pessoas, sobretudo em casos em que não há violência ou grave ameaça, quando não há quaisquer antecedentes, é, antes de tudo, nada inteligente (para não se dizer burra!), porque, com ela, se fornece mão de obra ao crime organizado, matando-se qualquer chance de reabilitação (que é ou poderia ser alta, em caso de sujeitos primários, quando mantidos em maior liberdade, se em comparação se a pessoa estiver presa).

Pois bem, apesar do exposto, não obstante a clareza da lei, há, ainda, grande resistência de alguns setores da Justiça, sobretudo entre os magistrados de piso e alguns tribunais de segundo grau. Com todo o devido respeito, muitos integrantes do Ministério Público e da própria magistratura, ainda que nutridos de bons propósitos (e disso não se duvida), a pretexto de sustentar que a norma que previu tratamento mais justo (ou, como dizem, “benevolente”) ao pequeno traficante seria inconstitucional, não acatam aplicação a esta opção legislativa, destaque-se, em tudo legítima, negando aplicação à lei, não reconhecendo o “privilégio” do artigo 33, § 4, da lei de drogas.

Com isso, obviamente, fazem com que a advocacia, seja pública ou particular, cumprindo o seu papel de defesa da legalidade, bem como da ampla defesa, por dever de ofício, interponha recursos ou impetre habeas corpus, abarrotando os tribunais de medidas judiciais que, se estas mesmas autoridades (que depois tanto criticam a dedução de ações e de medidas pelos defensores) cumprissem a lei, nem precisariam ser intentadas.

Muitos reclamam da morosidade da Justiça, querendo colocar nas costas dos advogados e dos defensores a “culpa” por apresentarem recursos ou habeas corpus, quando são os outros que dão causa a este estado de coisas, já que muitos se recusam a aplicar a lei e a jurisprudência, diga-se de passagem, sedimentada nos tribunais superiores.

E, o mais absurdo, ainda por cima, além de se negarem a aplicar o redutor de pena, exasperam a pena base, com base no argumento da quantidade de drogas (que, em expressiva parte dos casos analisados, nem é tão expressiva assim), sendo que, com base neste mesmo argumento, negam aplicação ao privilégio, incidindo também em bis in idem.

A consequência todos nós sabemos: penas, em regra, arbitrárias, mal fundamentadas e altas, atingindo quase os 6 anos ou mais, de reclusão, em regime fechado (quando seria cabível o semi-aberto, segundo jurisprudência do STF), sem direito a recorrer em liberdade, com a pecha de condenado por crime hediondo.

Os tribunais superiores têm, ao menos, tentado colocar algum freio a estes absurdos, mas, ainda assim, até os recursos e habeas corpus chegarem às instâncias superiores, não raro a pessoa fica presa, indevidamente; e ainda que a prisão seja, eventualmente, devida, dada a demora na análise da medida intentada, esta fica encarcerada por mais tempo do que deveria, aguardando a apreciação da medida judicial. E os tribunais (mesmo superiores) são muito reticentes em conceder liminares, mesmo quando, de forma cristalina, seria o caso, eis que os constrangimentos são, data vênia, flagrantes.

Ocorre que, até ser restaurada a legalidade, a questão é que uma vida está em jogo, uma família aguarda, aflita, a resolução do destino de um parente, que, em grande parte dos casos, sequer deveria estar preso, podendo a pessoa, dado o tempo de espera, até mesmo pela revolta causada frente à injustiça, perder-se no cárcere.

Tendo em vista tudo isso, estes abusos têm que acabar, de uma vez por todas, de forma que, se não se respeita a lei ou a Constituição, isto é, se preferem, simplesmente, jogar as pessoas no cárcere, sem qualquer necessidade, ainda que se trate de pessoas primárias e de bons antecedentes, negando-se a aplicação do redutor pelo privilégio (quando devido e cabível), mormente quando a situação de traficância seria, a rigor, duvidosa, melhor então se descriminalizar as condutas (o que não significa, necessariamente, legalizar), pelo menos no que diz respeito às drogas consideradas menos deletérias, como a maconha e, eventualmente, outras que não tenham um potencial tão lesivo.

Eventualmente, em casos envolvendo drogas mais pesadas, pode-se avaliar se valeria a pena descriminalizar, porque, de fato, algumas drogas (dependendo da sua potencialidade tóxica e do grau viciante) podem causar sim ofensa à saúde pública como um todo, podendo, em casos mais graves, levar à morte ou mesmo à prática de atos violentos e contrários à ordem pública.

É como passamos a pensar, mais recentemente, sobretudo diante da atitude de parte dos magistrados e de uma parcela dos tribunais de segundo grau, sendo que um processo de descriminalização, com uma nova política antidrogas, em relação a algumas substâncias ilícitas, pode mostrar uma nova perspectiva para lidar com velhos problemas.

O que não dá é para fazer tudo sempre igual, pretendendo, com isso, resultados diferentes. Há, portanto, de se mudar e tentar algo melhor, sobretudo considerando a resistência de parte da jurisprudência, que se recusa a aplicar a lei em vigor, referendando injustiças e propiciando um modelo contraproducente de resolução destes mesmos problemas, criando-se apenas maior instabilidade e insegurança jurídica.

 

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