Por Adalberto Narciso Hommerding - 29/03/2016
Dia desses estive na casa dos meus pais, em Santo Ângelo. Recolhi do antigo aposento onde dormia minha avó dois presépios: um, que era meu; outro, o antigo presépio dela, da vó Ilsa – que eu chamava de “Ilse” -, que sempre, todos os anos, no mês de Dezembro, montava o mais bonito presépio da vizinhança – se é que não o mais bonito da cidade -, a que todos corriam ver. Eu, criança, sempre esperava o Natal para ver o presépio da vó. Era a sensação do Natal, o presépio mais cobiçado. E eu tinha ele todo pra mim. Depois veio a minha irmã, com quem tive de dividir a admiração pelo dito cujo. Cresci vendo aquele presépio, e admirando Jesus na manjedoura, dentro do estábulo – a casinha de madeira e palha que resgatei agora lá da casa do pai -, rodeado da Virgem Maria e de São José, os três reis magos, o burrinho e a vaquinha, e mais um monte de gente e bichinhos. Neste Natal, quero montar um presépio para a Helena, minha filha. Recolhi também, lá no pai, minhas antigas agendas do Colégio Santo Ângelo, onde estudei quando guri. Nas agendas, que eram boletins, vinham, é óbvio, as notas. Sem falsa modéstia, fui bom aluno: nove, dez, nove, dez, e assim por diante. Chorava quando tirava um sete. Sempre passei por média. Cedeéfe! Mas o que me chamou atenção, além das agendas, foi um pequeno boletim, numa folha de ofício já amarela, onde há observações da Professora Ângela, do Jardim de Infância Municipal Bem-me-quer. Neste há um ditado: “melhor educar a criança hoje do que castigar o homem amanhã”. Mais velho que as pedras! E parece que ainda não aprendemos. Chamou-me atenção, ainda, o “extrato do regimento escolar” do Colégio Marista, onde cursei todo o meu ensino básico e fundamental, o primeiro e segundo graus. Diz o extrato: “1 – Este Estabelecimento de Ensino tem por finalidade: ... h) a condenação de qualquer tratamento desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a qualquer preconceito de classe ou de raça”.
Lendo o dito extrato, inventei de rascunhar estas linhas. Talvez pelo sentimento nostálgico, talvez por estar em casa com a minha família num final de Dia da Criança (Feriado de Nossa Senhora de Aparecida), talvez por ver a Helena, com quase dois anos e meio, por vezes me fazendo rir, por vezes, pelas artes e teimosias, me fazendo ficar brabo, e, por vezes, fazendo-me emocionar. Criança é assim. Nós é que temos de entender, sem esquecer, porém, de cuidar e educar. Talvez, de fato, quem tenha de aprender (de novo) somos nós, não elas. Em suma, temos de tentar mostrar a elas algum “rumo certo” (lembrei-me do Emaús, agora). A pergunta, no entanto, que fica neste final de feriado, depois da leitura do “extrato” – que na época de criança eu nunca li -, é: se no colégio, na “moda antiga”, já sabíamos disso, mesmo sem ler o extrato, como é que, depois de tudo o que já aconteceu no mundo, depois de uma “Constituição cidadã” no Brasil, de toda a evolução na comunicação, da tecnologia, da internet, do “face” e do “escambau”, por que parece que ainda não aprendemos nada?
A Helena, hoje, ganhou de presente da avó dela, da Dona Vanir, minha mãe, a “Ângela”, uma boneca negrinha a quem ela, Helena, agora chama de filha. A boneca diz: - você será minha amiga para sempre. A Helena, por sua vez, diz, emocionada: - meu Deus do céu! E ri. Criança e extrato de estabelecimento de ensino são mais constitucionais do que a própria Constituição!
- Olha, tu é tão linda!, diz a Helena, no corredor da casa. Acaba de trazer os documentos da mãe dela, mais especificamente a carteira de identidade. Quero ver ela um dia trazer o boletim. E espero que, além de ir bem nos estudos e nas notas, por mais que a escola não tenha ou ela mesma nunca venha a ler um “extrato do regimento escolar” do porte daquele antigo do Colégio Santo Ângelo, saiba tratar igualmente as pessoas, sem qualquer discriminação e preconceito. Sentir-me-ei realizado. Ah, quase esqueci: curiosamente, Ângela é o nome da minha primeira professora, no Jardim de Infância.
Adalberto Narciso Hommerding é Juiz de Direito no Estado do Rio Grande do Sul; Pós-Doutor pela Universidade de Alicante, Espanha, sob a supervisão do Professor Manuel Atienza; Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo/RS; Professor na Escola Superior da Magistratura da Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul – AJURIS, e na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI, campus de Santo Ângelo/RS. Também é autor de livros e artigos jurídicos em revistas especializadas. E-mail: adanarhom@via-rs.net
Imagem Ilustrativa do Post: December 18th // Foto de: Fiorenza Thompson // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/snorrtttfrenzy/4226657101
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode
O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.