Criogenia do corpo humano: uma realidade a ser alcançada?  

23/08/2019

 

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

Por meio da criogenia[i] é possível preservar um cadáver humano em baixas temperaturas para uma eventual e futura reanimação. Seria algo próximo ao que já ocorre com sucesso na área da reprodução humana assistida, quando embriões são congelados a temperaturas próximas a -196ºC, de modo a preservar a sua qualidade. A grande diferença entre os dois procedimentos é que nos seres humanos cada tipo de célula exige uma substância protetora diferente, e muitas delas ainda não foram desenvolvidas.

Segundo dados da Revista Superinteressante, apenas duas empresas no mundo realizam a criogenia (Alcor Life Extension Foundation e Cryonics Institute), ambas sediadas nos Estados Unidos. Até agora, cerca de 250 pessoas já foram congeladas depois da morte e esperam por uma vida nova no futuro, além de dez gatos, sete cachorros e um papagaio. Há, ainda, uma lista de espera com mais de duas mil pessoas vivas que aguardam a morte para realizarem o procedimento.

O conceito de criogenia foi introduzido por Robert Ettinger em 1962, com a publicação de seu livro The Prospect of Immortality. A primeira pessoa cujo corpo foi submetido a este procedimento após a morte legal, em 1967, e que permanece preservado até hoje é James Bedford, professor americano de psicologia.

A técnica consiste, basicamente, em resfriar o corpo com gelo a uma temperatura média de 0 ºC, para evitar a proliferação das bactérias que iriam decompô-lo. Neste momento, o cadáver recebe uma injeção de substâncias anticoagulantes que manterão os vasos sanguíneos desobstruídos. Todo o sangue é retirado e no lugar entram substâncias químicas que protegerão as células na hora do congelamento, evitando a formação de parte dos cristais de gelo que romperiam a estrutura celular. Após, o corpo passa por um resfriamento gradual, em uma câmara de gelo seco, até chegar a uma média de -79 ºC, de modo que todos os tecidos se congelem no mesmo ritmo, em um procedimento que pode durar dois dias. Na sequencia, o corpo é submergido lentamente em um tanque de nitrogênio líquido, até ser totalmente coberto. Quando essa fase termina, após uma semana, o cadáver está a -196 ºC, o que o impede de se deteriorar, podendo ficar neste tanque por toda a eternidade.

Esta situação parece obra de um filme futurista de ficção científica, principalmente se considerado que as pessoas se submetem a este procedimento sem ainda existir a tecnologia capaz de “ressuscitar” estes corpos. Entretanto, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou esta matéria no REsp nº 1.693.718-RJ[ii], julgado em março deste ano.

No referido processo, o litígio fora instaurado entre irmãs e girava em torno da análise da manifestação de última vontade e da destinação a ser dada ao corpo de seu pai: criogenia ou sepultamento. Com o falecimento, o corpo foi levado para uma empresa que o conservaria em uma câmara frigorífica, aguardando os procedimentos para o translado ao EUA, país no qual se daria início ao processo de criogenia. Contrariadas, duas de suas filhas ajuizaram ação para ter reconhecido o direito de sepultar o pai no modo tradicional.

O Juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido para autorizar o imediato supultamento do corpo, entretanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por maioria de votos, deu provimento ao recurso de apelação para determinar a realização da criogenia. Contra o referido acórdão, as autoras opuseram embargos infringentes, os quais foram acolhidos, também por maioria de votos, para determinar o sepultamento do corpo no Brasil. Novamente a ré recorre, levando o processo ao julgamento do Superior Tribunal de Justiça que, por fim, decide por manter o corpo submetido ao procedimento de criogenia, o que já ocorre desde julho de 2012, ou seja, há mais de sete anos.

O caso narrado nos mostra o quanto as pesquisas da ciência estão à frente do pensamento atual.

Antes de julho de 1978[iii], nunca se imaginaria que o óvulo congelado por anos poderia gerar uma vida saudável e perfeita no futuro. Graças à pesquisa, à perseverança de cientistas (muitas vezes rotulados de “loucos”) e a vários experimentos, hoje muitas pessoas com dificuldade de reprodução são beneficiadas.

Será que o mesmo ocorrerá com a criogenia? É claro que esta pergunta não é possível de responder no atual contexto histórico, mas quem sabe já se pode pensar que no futuro haverá pessoas que, como o super-herói Capitão América, após anos congelados “ressuscitarão” e receberão uma “segunda vida”?

 

 

Notas e Referências

[i] As informações sobre criogenia foram obtidas nas seguintes fontes: site do Instituto Cryonics,  https://www.cryonics.org/, visitado em 05/08/2019, e nas reportagens da Revista Superinteressante, “O que é criogenia humana?”, publicada em 18/11/2011, e “Existem mesmo pessoas congeladas para ressuscitar no futuro?”, publicada em 28/01/2016.

[ii] REsp nº 1.693.718/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 26/03/2019, publicado em 04/04/2019.

[iii] O dia 25 de julho de 1978 marca a data de nascimento do primeiro “bebê de proveta” do mundo (Louise Joy Brown), resultado do processo de fertilização in vitro, realizado na Inglaterra.

 

 

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