Crescimento da violência: a culpa é tão somente dos órgãos de segurança pública?! – Por Jonathan Cardoso Régis

05/10/2016

A alguns meses atrás em reportagem veiculada no jornal Diário Catarinense/ClicRBS (clique aqui), mostrava um crescimento desordenado e, porque não dizer, assustador do índice de homicídios no Estado de Santa Catarina, em especial, na maior cidade do Estado: Joinville.

A citada reportagem nos traz um levantamento quanto as ocorrências de incidente crítico e letalidade violenta, em especial, a prática desenfreada de homicídios, como sendo um resultado pelo domínio naquela região por duas facções criminosas pelo domínio do tráfico de drogas e posse de armas e a disputa por território nesses ilícitos comércios.

A pesquisa, ou melhor, o relatório demonstra a baixa resolubilidade dos homicídios, sendo que no ano de 2015 foi de apenas 24% (vinte e quatro por cento), o que resultou na “troca do comando” na Delegacia Regional da Polícia Civil no mês de dezembro/2015, aliada a maciça crítica às solturas de envolvidos com práticas delitivas “sistema jurídico-prisional local”.

Ao mesmo tempo, reforça a condição de população carcerária abarrotada e que não oferece ressocialização: “Com um quadro destes e aliando-se interpretações legais excessivamente garantistas, o sistema jurisdicional, especialmente nas primeiras instâncias, acaba mantendo soltos indivíduos com histórico de crimes graves e cuja personalidade e vida social desaconselhariam a soltura caso houvesse um sistema propício de segregação provisória ou definitiva”[1].

Não pretendemos entrar no mérito quanto a questão de deficiência de efetivo ou fragilidade/ausência das ferramentas de trabalho, como viaturas, armamentos, munições, treinamento, etc., mas sim refletir acerca da sensação de impunidade de ações criminosas vivenciadas pela sociedade.

Em verdade, o que vivencia-se, infelizmente, não é só a sensação de impunidade, mas a impunidade nua e crua, estabelecimentos prisionais superlotados, sistema prisional falido (todos sabem disso e nada é feito a respeito de maneira efetiva no cumprimento dos preceitos constitucionais e da Lei de Execução Penal), interpretações dos fatos, muitas vezes diversa da realidade, resultando na concessão da liberdade provisória ou até mesmo na absolvição de agentes presos em flagrante e com conjunto probatório consistente e robusto, mas, ante a fragilidade da legislação, acaba levando o Poder Judiciário, conceder, conforme previsão legal, tais benefícios previstos no ordenamento jurídico brasileiro.

Tem-se o Estado como sendo,

[...] situação permanente de convivência e ligada à sociedade política [...] admitindo que a sociedade ora denominada Estado é, na sua essência, igual à que existiu anteriormente, embora com nomes diversos, dá essa designação a todas as sociedades políticas que, com autoridade superior, fixaram as regras de convivência de seus membros[2].

Habermas[3] define Estado como necessário ao “poder de organização, de sanção, e de execução”, uma vez que os “direitos têm que ser implantados, porque a comunidade de direito necessita de uma jurisdição organizada e de uma força para estabilizar a identidade”, bem como a “formação da vontade política cria programas que têm que ser implementados”.

Somado a isso, e já não é novidade, que diante da falência do sistema prisional, a finalidade pretendida com o arbitramento e cumprimento da pena, ou seja, a ressocialização, é em vão, uma vez que esta não é fomentada e possibilitada àquele que vem a ser condenado, resultando em seu retorno, quase que imediato, à criminalidade.

Os órgãos de Segurança Pública (Polícia Militar, Polícia Civil, Departamento de Administração Prisional, Instituto Geral de Perícias, dentre outros que a integram), trabalham, e muito, efetuam diariamente e diuturnamente inúmeras prisões e apreensões de todos os tipos (drogas, veículos, bens, armas de fogo, etc), contudo, os agentes criminosos presos, estão sempre de volta às ruas...

Como já mencionado anteriormente, há uma fragilidade em nossa legislação, o que impossibilita muitas vezes, do Poder Judiciário manter privado de liberdade aquelas pessoas até então presas em flagrante.

Ações preventivas e repressivas são desencadeadas diariamente pelos órgãos de segurança pública com a finalidade de minimizar sensivelmente os índices de criminalidade e restabelecer a ordem e a paz social, esta tida como sendo a “conseqüência de ações contra a violência e a guerra, através da proteção dos direitos humanos, do combate às injustiças socioeconômicas, do desarmamento e da desmilitarização[4]”.

Ademais, como é sabido, a violência vivenciada e noticiada diariamente passou a ter um “papel de destaque no seio da sociedade e nas manchetes dos principais meios de comunicação, englobando não apenas os órgãos de segurança pública”, mas também a sociedade e a aplicação da legislação vigente e as penas impostas pelo Estado e políticas preventivas[5].

Atualmente, conforme ensina Hobsbawm[6], estamos em uma era mais violenta, se comparada com tempos atrás, questionando e nos fazendo refletir: de que forma os governos podem proporcionar segurança à vida normal dos cidadãos?, demonstrando que a violência, assim como a quebra da ordem pública, o desrespeito aos órgãos de segurança pública e á legislação, se tornou generalizada, independentemente do local ou dos fatos, uma vez que “grande parte dessa violência é possibilitada pela extraordinária explosão da oferta e disponibilidade global de armas destrutivas poderosas que estão ao alcance de pessoas e grupos privados”, acrescida pela violência social generalizada e a violência política.

O aumento da violência em geral faz parte do processo de barbarização que tomou força no mundo desde a Primeira Guerra Mundial [...] Seu progresso é particularmente notável nos países co Estados fortes e estáveis e instituições políticas liberais [...] a “violência” e a “não-violência”. Essa foi uma outra forma de estabelecer a legitimidade do monopólio da força coercitiva por parte do Estado nacional [...][7].

Infelizmente, a criminalidade e seu crescimento, refletem nos órgãos que integram a segurança pública, ante a missão constitucional de “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio[8]”, culminando, como sempre, na responsabilização dos mencionados órgãos a realidade da violência, que sabemos que não é verdade, uma vez que não medem esforços para buscar minimizar a incidência de ocorrências, somado ao fato de tal responsabilidade não estar apenas a Segurança Pública.

Assim, para compreendermos o crescimento da violência, há a necessidade de serem levadas em consideração o colapso dos órgãos de segurança pública, de manutenção da ordem e das tentativas de consolidação de um Estado de direito, bem como a adoção crescente de medidas supralegais e privadas para o enfrentamento da criminalidade, seja por parte do Estado quanto pela sociedade. Ou seja, a majoração da violência decorre da complexidade de diversos fatores, tais como a morosidade do Poder Judiciário, a violência policial ou privada, por exemplo[9].

Prever homicídios? Data vênia, só em filme de ficção científica!

Sabemos que quando as ações são realizadas em determinados locais, a tendência natural, é a migração para locais até então com índices baixos de ocorrências.

Desta feita, há a necessidade de buscar alternativas e ações que fogem da competência e alçada dos órgãos de Segurança Pública, como por exemplo, alterações significativas e eficazes da legislação vigente, reforma total do sistema prisional, com vistas ao efetivo processo de ressocialização e reinserção do apenado ao convívio em sociedade, parcerias que fomentem uma Segurança Pública consistente em prol do restabelecimento da ordem pública.


Notas e Referências:

[1] Diário Catarinense. Violência em Joinville: um lugar dividido entre facções. Disponível em: <http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticia/2016/02/violencia-em-joinville-um-lugar-dividido-entre-faccoes-4971558.html>. Acesso em: 10 fev. 2016.

[2] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 51-52.

[3] HABERMAS, Jüngen. Direito e democracia entre a facticidade e validade. Vol II, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 171.

[4] SILVA, Jorge Vieira da. A verdadeira paz: desafio do Estado democrático. São Paulo Perspec. [online]. v.16, nº 2, pp. 36-43, 2002, p. 37. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/spp/v16n2/12109.pdf>. Acesso em: 27 dez. 2015.

[5] REGIS, Jonathan Cardoso. A atuação Policial Militar frente à violência decorrente do tráfico de entorpecentes. Disponível em: <http://www.portaldeperiodicos.unisul.br/index.php/U_Fato_Direito/article/view/1075/896>. Acesso em: 10 fev. 2016.

[6] HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. Tradução José Viegas. São Paulo: Cia das Letras, 2007, p. 138.

[7] HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo, p. 125

[8] BRASIL. Art. 144, caput. Constituição da República Federativa do Brasil.

[9] CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. Tradução Frank de Oliveira e Henrique Monteiro. 34ª ed. São Paulo: Edusp, 2000.


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