Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan
No âmbito do ensino superior, especialmente privado, o que esta tragédia que é a pandemia do COVID19 nos faz refletir? O que ela pode nos ensinar?
Para construirmos respostas é necessário nos colocarmos a refletir sobre as consequências porque estamos vivenciando. Tenho a opinião de que muitos dos infortúnios e conquistas experienciadas nesse período traduzem uma síntese de um futuro antecipado. Quer dizer, percebe-se que não se está a ver muito de novo. Aceleração da educação virtual, precariedade da infraestrutura de telecomunicação, falta de acesso a ferramentas tecnológicas são problemas existentes há algum tempo, agora intensificados.
Como pressuposto desses questionamentos deve-se considerar o claro projeto jurídico-político para a educação brasileira, desde a Constituição Federal até os atos regulatórios emanados pelo Ministério da Educação. Deve-se considerar que os gestores estão vinculados a esse projeto, bem como a políticas como as previstas no Plano de Desenvolvimento da Educação vigente até 2024.
No PDE 2014-2024 há pelo menos duas metas bastante claras sobre o ensino superior. As metas 12 e 13 preveem, respectivamente “elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento público” e “elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior para 75% (setenta e cinco por cento), sendo, do total, no mínimo, 35% (trinta e cinco por cento) doutores”.
Não menos importante, gestores públicos e a sociedade estão vinculados à Agenda 2030 do PNUD, que traz como 4º ODS (objetivo de desenvolvimento sustentável) a educação de qualidade.
Diante de todo esse sistema diretivo trago à reflexão alguns pontos que penso merecerem atenção:
- Considerando a diversidade cultural, social e econômica das instituições de ensino, quais seriam os vetores de orientação à construção de sistemas híbridos de ensino remoto – conjugação da forma síncrona e assíncrona?
- Quais são os limites em termos de tempo do distanciamento da comunidade acadêmica das estruturas físicas das instituições? Quais as melhores formas para se superar os prejuízos da falta de interação física?
- É possível transformar a aprendizagem e treino de habilidades motoras? No âmbito do ensino superior, quais os modelos ideais para o desenvolvimento das atividades de aprendizagem prática reais e simuladas?
- Quais são os direitos mínimos dos estudantes e professores que devem ser garantidos no tocante à infraestrutura digital, especificamente às TICs, tecnologias de informação e de comunicação?
- Como as instituições de ensino devem proceder para integrar a comunidade acadêmica que necessita desenvolver suas habilidades digitais para conseguir se integrar a essa realidade que lhes foi imposta?
- Quais as potencialidades e limites do uso de inteligência artificial, por exemplo, para a correção de testes e construção de diagnósticos de aprendizagem?
- Como serão aferidos os avanços e retrocessos desse período?
Perturbado por essas indagações e imerso numa realidade desestatizante desde a década de 90, em que o ensino privado cresce vertiginosamente em relação ao público, penso que há um claro déficit de ações de caráter estruturante para manutenção e progresso do sistema educacional brasileiro. Não me refiro apenas às ações do Poder Executivo, na condução direta de políticas públicas, mas também do Poder Legislativo, cuja atuação em muitas vezes vem se apresentando com caráter fisiológico e demagógico [1], e ao Poder Judiciário, que no tratamento da judicialização – em grande parte demandas individuais – não se apercebe dos reflexos de suas decisões para o sistema educacional, além de reduzir as solução das controvérsias a meras relações de consumo.
Urgem, portanto, ações políticas coordenadas por parte de toda a sociedade (p. ex. ações coletivas, convenções coletivas de consumo, projetos de lei efetivos, planejamentos estratégicos bem delineados, programas de aferição e acompanhamento da aprendizagem) orientadas ao desenvolvimento do projeto constitucional.
E para quem eventualmente afirmar, referindo-se a política pública em educação, que “o objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina” [2], impõe-se duríssima responsabilização.
Notas e Referências
[1] http://www.al.rs.gov.br/agenciadenoticias/destaque/tabid/855/IdMateria/320157/Default.aspx
http://www.alerj.rj.gov.br/Visualizar/Noticia/48779
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