Contribuinte pode pagar dívidas tributárias com imóveis

06/04/2016

Por Charles M. Machado – 06/04/2016

Publicada no último dia 16 de março, a Lei 13.259 autorizou e regulamentou a extinção dos créditos tributários da União, Estados e Municípios por meio de dações em pagamento. Como é de conhecimento de todos, os bens penhorados são, muitas vezes, arrematados em leilão por valores inferiores, o que pode prejudicar o contribuinte, além do próprio custo do leilão, sempre arcado pelo comprador, o que muitas vezes acaba por reduzir o valor final do bem, e como consequência, acaba por diminuir o valor que deve ser abatido das dívidas tributárias do contribuinte, titular do bem.

A lei, que foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff, é uma emenda a uma medida provisória (MP) para permitir que valores inscritos na dívida ativa da União, Estados e Municípios possam ser quitados com a transferência de imóveis para o Poder Público, procedimento conhecido como dação em pagamento.

O Código Tributário Nacional, já fazia previsão a essa forma de extinção:

Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

I - o pagamento;

II - ......;

III - a transação;

IV - ..........;

V - ..............;

.......

XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

Mais adiante no CTN, o Legislador Complementar admite a possibilidade de norma específica para regular a transação, onde se pode admitir a dação.

Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.

Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.

Alguns Estados já utilizaram a possibilidade de dação, não apenas em bens imóveis, mas outros itens que possam interessar a administração, seja ela Federal, Estadual e Municipal. Um bom exemplo ocorreu em Santa Catarina na década de 80 quando das enchentes na região do Vale, onde centenas de empresas foram atingidas pelas chuvas e tiveram sua capacidade financeira de pagar os tributos afetada, se socorreram do expediente da dação em pagamento, aceitando para quitação dos tributos devidos inúmeros itens que eram consumidos pelo Estado.

O instrumento já era previsto no Código Tributário Nacional, de 1966, e em lei complementar de 2001. No entanto, decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) indicavam que o mecanismo não poderia ser adotado por falta de regulamentação. Para os ministros, apesar de o CTN ter autorizado a modalidade de extinção do crédito tributário, não a impôs.

Nos termos desta nova lei, trata-se de um direito do contribuinte, e não de uma faculdade que depende do interesse da União, Estado ou Município, como era o entendimento, isso por si só é um fato novo.

O mecanismo é interessante porque a venda de bem para quitação posterior de dívida pode não ser possível em momento de crise no mercado imobiliário., lembrando também que, em alguns casos, a avaliação judicial pode indicar valor inferior ao do mercado, o que pode levar o contribuinte, devedor, a desistir dessa forma de dação, lembrando é claro que essa é e sempre será uma decisão de estratégia financeira, e não apenas jurídica, pois deve levar em consideração a liquidez da empresa, pois os serviços da dívida tributária são sempre elevados.

O texto é o resultado de um pleito das associações comerciais para ajudar empresas com dificuldades financeiras, mas que possuem bens e querem regularizar sua situação, e que por decorrência implica em ter novamente certidões e com isso ter acesso a crédito.

Ao mesmo tempo para, o governo, considerando o momento, e na maioria dos casos, é sempre muito difícil recuperar o dinheiro por outras vias. Afinal o que se imagina é que essas empresas já não conseguiriam mais fazer os pagamentos por falta de caixa, e por isso na maioria dos casos um crédito fiscal, considerado perdido, o que hoje é bastante significativo, pois apenas a dívida ativa da União é estimada em R$ 1,5 trilhão.

São tempos de crise e a flexibilidade e agilidade dos entes tributantes é fundamental, pois muitas empresas não tem condição de esperar a venda do imóvel para quitar suas dívidas. E para os governos é melhor receber um bem do que ficar sem nada.

Mesmo após publicada, a norma ainda possuía diversas polêmicas, uma delas residia na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que tinha ressalvas ao texto aprovado. Os dois pontos que mais preocupavam seriam a falta de exigência de manifestação de interesse do credor em receber o bem e não haver previsão sobre eventual divisão de valores em caso de o bem ser usado para pagar uma autuação de contribuinte no Simples Nacional, por exemplo – que incluiria tributos federais, estaduais e municipais.

É bom lembrar que, alguns Estados já fazem adjudicação, permitindo a transferência de bens para o pagamento de dívidas, mas somente daqueles bens que interessam ao ente público no momento. Esse é o caso da Prefeitura de São Paulo, que já havia regulamentado a norma em 2001.

A lei 13.259 de 16 de março assim faz previsão:

Art. 4o A extinção do crédito tributário pela dação em pagamento em imóveis, na forma do inciso XI do art. 156 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, atenderá às seguintes condições:

I - será precedida de avaliação judicial do bem ou bens ofertados, segundo critérios de mercado;

II - deverá abranger a totalidade do débito ou débitos que se pretende liquidar com atualização, juros, multa e encargos, sem desconto de qualquer natureza, assegurando-se ao devedor a possibilidade de complementação em dinheiro de eventual diferença entre os valores da dívida e o valor do bem ou bens ofertados em dação.

Nota-se que a dação, não requeria a manifestação das fazendas no aceite e interesse do bem, os requisitos eram apenas:

1) O bem dado em pagamento ter uma avaliação judicial;

2) A dação deve abranger a totalidade dos débitos, não podendo ser parte;

3) Caso o bem tenha valor menor do que a totalidade do débito a diferença deverá ser complementada em dinheiro.

Porém na semana passada foi publicada a Medida Provisória 719, modificando o texto da Lei 13.259. Ou seja, a Lei durou apenas duas semanas. As mudanças promovidas, ao interesse da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, criaram novas limitações:

1) A lei restringe-se apenas aos débitos da União;

2) Os débitos do SIMPLES não poderão ser objeto de dação, na modalidade imóvel;

3) Somente os débitos inscritos em dívida ativa, poderão ser objeto da dação, logo ficam de fora todos os débitos discutidos administrativamente;

4) A lei agora faz previsão ao critério do credor, termo que não é claro, pois não esclarece se é a oferta o a característica do bem?;

5) A avaliação do bem não precisa ser judicial, pois a Lei não deixa claro, mas se ocorrer durante a dívida ativa quem é o responsável em avaliar?

O novo texto ficou assim:

Art. 4º A Lei nº 13.259, de 16 de março de 2016, passa a vigorar com as seguintes alterações: 

Art. 4º  O crédito tributário inscrito em dívida ativa da União poderá ser extinto, nos termos do inciso XI do caput do art. 156 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, mediante dação em pagamento de bens imóveis, a critério do credor, na forma desta Lei, desde que atendidas as seguintes condições:

I - a dação seja precedida de avaliação do bem ou dos bens ofertados, que devem estar livres e desembaraçados de quaisquer ônus, nos termos de ato do Ministério da Fazenda; e

II - a dação abranja a totalidade do crédito ou créditos que se pretende liquidar com atualização, juros, multa e encargos legais, sem desconto de qualquer natureza, assegurando-se ao devedor a possibilidade de complementação em dinheiro de eventual diferença entre os valores da totalidade da dívida e o valor do bem ou dos bens ofertados em dação. 

§ 1º O disposto no caput não se aplica aos créditos tributários referentes ao Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional. 

§ 2º Caso o crédito que se pretenda extinguir seja objeto de discussão judicial, a dação em pagamento somente produzirá efeitos após a desistência da referida ação pelo devedor ou corresponsável e a renúncia do direito sobre o qual se funda a ação, devendo o devedor ou o corresponsável arcar com o pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios.

§ 3º A União observará a destinação específica dos créditos extintos por dação em pagamento, nos termos de ato do Ministério da Fazenda.” (NR) 

As mudanças foram restritivas, logo o uso na recuperação de créditos da União ficou menor, porém lembro que os Estados e Municípios podem regulamentar a matéria para extinção dos seus créditos, no que se refere a imóveis, e no que se refere a outros bens podem estar contemplados no instituto da extinção.

Os tempos são outros e as formas e possibilidades de extinção dos créditos devem avançar para o bem da economia. Quanto maiores são as restrições maior também será a possibilidade de recuperação dos créditos, o que faz com que sociedade e Entes Federativos saiam perdendo. Aperfeiçoar é medida de urgência e nesse momento de Responsabilidade Fiscal, pois o modelo atual se exauriu.


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br


Imagem Ilustrativa do Post: bailout - it's the homeowners in that are in distress // Foto de: woodleywonderworks // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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