Coordenador Ricardo Calcini
Temática de maior relevância no atual cenário das relações trabalhistas e sindicais, cujas dúvidas me foram enviadas recentemente por um leitor: a contribuição sindical ainda existe no ordenamento jurídico? Ela continua sendo obrigatória ou passou a ser facultativa? A assembleia convocada pelo sindicato profissional, autorizando o desconto em nome dos representados, substitui a vontade prévia e por escrito do trabalhador? Se não houver o desconto e o repasse da contribuição ao sindicato, o empregado perderá o direito de ser beneficiado pelas normas coletivas de trabalho?
O primeiro ponto a se destacado é que a Lei nº 13.467/2017, que institui a “Reforma Trabalhista”, não alterou as normas contidas na Constituição Federal de 1988. Por isso, continua vigente o artigo 8º da Lei Maior que estabelece ser livre a associação profissional ou sindical, assegurando-se o custeio das entidades sindicais mediante o pagamento de contribuições que, no caso peculiar da sindical, está prevista nos artigos 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602, todos da Consolidação das Leis do Trabalho.
Assim, não é correto afirmar que, desde o dia 11 de novembro de 2017, data de início da vigência da nova legislação, a contribuição sindical teria sido extinta da CLT. Ao revés, o chamado “imposto sindical” continua sim previsto e regulamentado pelas normas celetistas, mas seu desconto e repasse para os sindicatos agora depende de prévia e expressa autorização individual do funcionário.
Bem por isso, ainda que muitas entidades sindicais, como se têm veiculado na mídia[1], estejam convocando assembleias com o único objetivo de substituir a vontade de cada funcionário – autorizando, coletivamente, o desconto da contribuição sindical em nome dos seus representados – certo é que dito procedimento não detém nenhuma a legitimidade e/ou embasamento legal, estando eivado de plena e absoluta nulidade.
E isso ocorre porque, em nenhum momento, a legislação consolidada passou a estabelecer que as assembleias dos sindicatos pudessem substituir a vontade individual e expressa de cada trabalhador. Ao contrário, a lei é clara ao falar em “prévia e expressa autorização dos empregados”, o que não compreende, naturalmente, a deliberação das entidades sindicais, às quais a nova lei não conferiu legitimidade para tal procedimento.
Ainda que assim não fosse, ao se falar popularmente em fixação de contribuição por assembleia, indiscutível que tal permissivo está relacionado com a contribuição confederativa, e não a sindical, na exata compreensão que se extrai da leitura do inciso IV do artigo 8º da Carta da República:
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:(...)
IV - a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei.
Assim sendo, a contribuição prevista na primeira parte do citado do inciso IV do artigo 8º da CRFB é aquela destinada ao custeio do sistema confederativo, ao passo que a contribuição sindical está referida na segunda parte do dispositivo constitucional. Também chamada de “contribuição de assembleia”, que não se confunde com o “imposto sindical”, a contribuição confederativa é fixada sim em assembleia geral para toda a categoria, cujo pagamento também é facultativo, salvo para os trabalhadores que se decidirem filiar ao sindicato.[2]
A par do exposto, não há que ser feita confusão entre a contribuição sindical com a confederativa, uma vez que apenas essa última é estabelecida por deliberação em assembleia sindical, ao passo que a primeira já está expressamente prevista nas normas celetistas. E a partir da reforma trabalhista, o pagamento da contribuição sindical se tornou facultativo, independentemente de ser o funcionário filiado ou não ao sindicato de sua categoria profissional, cuja legalidade do desconto agora exige prévia e expressa autorização individual, que não pode ser substituída pela deliberação do sindicato.
Deste modo, o legislador reformador, ao tornar a contribuição sindical facultativa, se pautou no princípio de liberdade de associação que está previsto no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição de 1891, sendo que a liberdade de contribuição é mero corolário lógico do direito de associar-se ou não. Esses, inclusive, são os ditames contidos no inciso V do artigo 8º da atual Constituição Federal.
Dito isso, persiste ainda uma dúvida bastante relevante e que se refere ao fato de o trabalhador, caso se negue a contribuir com o sindicato de sua categoria profissional, venha a ser excluído dos proveitos obtidos com a negociação coletiva. Neste viés, a maior preocupação reside em saber se o trabalhador, por não autorizar prévia e expressamente o desconto da contribuição sindical, deixa de ser contemplado, por exemplo, com o reajuste normativo da data-base, com o vale-refeição, a cesta básica e outros tantos benefícios previstos nos acordos e/ou convenções coletivas de trabalho?
E para essa pergunta, frise-se, a resposta é negativa, afinal, todo o empregado fará jus aos benefícios normativos firmados por seu sindicato, independentemente de autorizar o desconto da contribuição sindical, ou, ainda, de efetuar o pagamento de quaisquer outras contribuições a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie.
Logo, como o funcionário pertence à certa categoria profissional, esse fato, por si só, já o qualifica a ser contemplado pelos benefícios normativos que sejam estabelecidos pelo seu sindicato quando da elaboração dos acordos e/ou convenções coletivas de trabalho.
De mais a mais, é sabido que o caráter facultativo da contribuição sindical, promovido a partir da reforma trabalhista, é alvo de ações judiciais movidas pelos sindicatos em todo o Brasil. Acontece que, até o presente momento, o Supremo Tribunal Federal ainda não se posicionou acerca da licitude ou não de dita mudança[3], o que agrava, ainda mais, os conflitos entre trabalhadores, sindicatos e empresas, sobretudo neste mês de março, quando se operacionaliza o desconto da contribuição sindical na folha de salário equivalente a 1 (um) dia trabalho prestado pelo funcionário.[4]
Por fim, não deixe você de me enviar sua dúvida, que pode ser a mesma de tantos outros leitores, e que diga respeito a um caso concreto referente à aplicabilidade prática da legislação trabalhista, para que seja objeto de um próximo texto explicativo!
[1] Matéria do Jornal Nacional exibida no dia 20 de fevereiro de 2018.
[2] Súmula Vinculante 40 do STF: A contribuição confederativa de que trata o artigo 8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo.
[3] ADI 5.794 - Confederação dos trabalhadores em transporte aquaviário (Conttmaf); ADI 5.810 - Central das Entidades de Servidores Públicos (Cesp); ADI 5.811 - Confederação dos Trabalhadores
de Logística; ADI 5.813 - Federação dos trabalhadores de postos (Fenepospetro); ADI 5.815 - Federação dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações (Fenattel); ADI 5.850 - Confederação dos Trabalhadores em Comunicações e Publicidade (Contcop); ADI 5.8.59 - Confederação Nacional do Turismo; ADI 5.865 - Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB); ADI 5.887 - Federação das Entidades Sindicais dos Oficiais de Justiça (Fesajus); e ADI 5.888 - Grupo de quatro confederações nacionais: Trabalhadores na Indústria (CNTI), em Estabelecimentos de Ensino (CNTE), em Transporte Terrestre (CNTT) e em Turismo (Contratu).
[4] CLT, art. 580. A contribuição sindical será recolhida, de uma só vez, anualmente, e consistirá: I - Na importância correspondente à remuneração de um dia de trabalho, para os empregados, qualquer que seja a forma da referida remuneração”.
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