Por Paula Saleh Arbs - 22/03/2016
Finda a Vacatio Legis, temos um Novo Código de Processo Civil (NCPC) - Lei 13. 105/2015 - vigorando em nosso ordenamento, que traz inúmeras alterações e inovações tomando por base os modernos valores da sociedade, além da esperança de um judiciário mais eficiente e transparente e que, acima de tudo, respeite a duração razoável do processo, almejando assim um processo mais justo.
Certamente é um código com muitos avanços, sendo mais adaptado às exigências do dia a dia do foro, seja por conta do processo eletrônico ou pela diminuição de recursos, seja por conta da racionalização dos prazos.
Uma dessas inovações é o fomento ao consenso não apenas acerca do conteúdo da demanda, mas também acerca da procedimentalização da busca do bem da vida, através das convenções processuais ou negócios jurídicos.
E o que podemos esperar desse tão inovador artigo 190, NCPC?
Este novo Códex trouxe a possibilidade da flexibilização procedimental e a ideia de um processo cooperativo[1], proporcionando um maior poder de articulação entre as partes, buscando com tais institutos a efetividade da prestação jurisdicional e, obviamente, uma maior celeridade processual.
Almeja-se, deste modo, expurgar a concepção de subordinação ou submissão das partes ao juiz, permitindo uma interdependência de todos os envolvidos na busca de uma solução do processo com efetividade e em tempo razoável com uma auto-responsabilização de todos os sujeitos processuais.
Ao lado das já possíveis e conhecidas cláusulas de eleição de foro e de distribuição convencional do ônus da prova (arts. 11 e 333, parágrafo único do CPC/1973), o Novo CPC, além de ampliar as hipóteses de negócios processuais típicos, também institui uma cláusula geral de negociação processual, a permitir acordos procedimentais e outras convenções processuais não previstas expressamente, consideradas atípicas.
Desse modo, o sistema brasileiro em seu artigo 188 do Novo CPC, [2] defende que a liberdade das formas como regra e a rigidez são exceção – “os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”. Nessa sequência, o artigo 200 do NCPC,[3] por sua vez, possibilita expressamente às partes a convenção acerca de direitos processuais, que, ademais, produzirá efeito imediatamente.
O Novo CPC foi um pouco mais além, inaugurando no processo civil brasileiro uma nova era em que a vontade é fonte da norma processual.
Ainda mais clara é a redação deste inovador artigo 190, [4] que permite a adoção dos negócios processuais, ao prever que: “(...) é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”. Esse artigo, denominado de “Cláusula Geral de Negociação Processual”, amplia sobremaneira a autonomia das partes no âmbito processual, por meio de acordos firmados antes ou durante o processo.
Verificando alguns aspectos práticos, temos que a capacidade dos contratantes é elemento essencial dos negócios jurídicos. Isto porque da falta da capacidade deduz-se vício na manifestação da vontade, que é pressuposto de validade do contrato. [5]
Ainda sobre as partes, tem-se o artigo 139, VI, NCPC, [6] no qual apresenta uma flexibilização do procedimento pelo juiz.
Pode-se oficiosamente dilatar os prazos processuais e alterar a ordem da produção de provas. No entanto, para aplicação deste artigo deve-se respeitar o disposto no artigo 10, CPC/2015, [7] na qual o juiz deve previamente ouvir as partes, respeitando fielmente o princípio do contraditório.
Neste ordenamento, não se pode dizer que adota integralmente a liberdade das formas, também não se observa a rigidez absoluta. A flexibilização procedimental, embora não seja a regra, como assim não deve ser, é desejável sempre que coadune melhor o processo ao caso concreto. [8]
Deste modo, pode ser conceituado como um sistema misto – ainda que tendente à rigidez -, isto é, a lei federal, em que pese dispor largamente sobre as regras procedimentais, não esgota o tema e tampouco veda em absoluto alterações de forma. [9] O direito brasileiro permite, pois, a prática de atos decisórios, do juiz, ou dispositivos, propensos à flexibilização do procedimento abstratamente previsto em lei, com o escopo de mais bem atender aos interesses em questão. [10]
Evidentemente – como tudo que é novo -, há apreensão, expectativa e, principalmente diversas dúvidas sobre a operacionalização prática desses novos artigos. Outro questionamento seria quais seriam os limites das partes na celebração das convenções processuais atípicas do artigo 190. Poderiam elas dispor sobre poderes e deveres do órgão jurisdicional?
Leonardo Greco faz alusão ao núcleo duro de princípios e garantias que configuram a ordem pública processual, permitindo que os litigantes disponham livremente sobre a marcha do processo, desde que respeitem esse mínimo irredutível. [11]
Deste modo, as regras de ordem pública representariam um obstáculo à autonomia da vontade das partes (que não são ilimitadas). Os contratos processuais são vedados, por conseguinte, se violarem os princípios, tais como: o devido processo legal; contraditório e ampla defesa; juiz natural; celeridade; dentre outros.
Há de se priorizar a segurança jurídica.
Ademais, acredito que não são possíveis acordos processuais com o escopo de alteração do prazo para a propositura da ação rescisória, porque da mesma forma culminam por afetar a segurança jurídica.
Após essa breve análise sobre a temática em voga, verificamos que mesmo com todos esses questionamentos em comento, esta seria sim uma nova forma de processo civil, no qual objetiva-se um processo mais simples, célere e não tanto oneroso para que se possa resolver o litígio.
Notas e Referências:
[1] Art. 6°, do NCPC: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
[2] Art. 188, NCPC: “Os atos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial”.
[3] Art. 200, NCPC: “Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção dos direitos processuais. Parágrafo único: A desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial”. Ainda, Enunciado n. 133 do Fórum Permanente de Processualistas Civil: “Salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negócios processuais do caput do art. 190 não dependem de homologação judicial”. E Enunciado n. 260 do FPPC: “A homologação, pelo juiz, da convenção processual, quando prevista em lei, corresponde a uma condição de eficácia do negócio”.
[4] Art. 190, NCPC: “Versando o processo sobre direitos que admitem autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único: De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”. Ainda, Enunciado n. 6, do FPPC: “O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa fé e à cooperação”.
[5] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 26 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2013, v.1, p. 382: “Analisadas comparativamente as diversas hipóteses, acentuam-se as diferenças. A incapacidade absoluta do agente induz a nulidade do ato, porque há uma declaração de vontade, embora defeituosa. Houve uma emissão volitiva, e, pois, o ato existente; mas é nulo, porque imperfeita aquela. Se, ao invés de consentimento defeituoso não tiver havido consentimento nenhum, o ato é inexistente. Ao contrário da nulidade, em que a declaração de vontade conduz à ineficiência por desconformidade com as predeterminações legais, a inexistência advém da ausência de declaração de vontade”.
Ademais, não podem contratar os menores de dezesseis anos, aqueles cuja enfermidade ou deficiência mental retire o necessário discernimento para a prática do ato e os que não puderem, por qualquer motivo, ainda que transitório, exprimir sua vontade.
[6] Art. 139, VI, NCPC: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: vi) dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito”.
[7] Artigo 10, NCPC: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
[8] Almeida, Diogo Assumpção Rezende. A Contratualização do Processo. Das Convenções Processuais no Processo Civil de Acordo com o Novo CPC. Editora LTR. São Paulo. 2015. p. 29.
[9] Rui Portanova vai além ao sustentar que, em decorrência das normas inseridas nos arts. 154, 244 e 249, parágrafo único, todos do CPC/1973, o processo civil brasileiro teria afastado a incidência do princípio da legalidade da forma em prol da observância do princípio antagônico, da liberdade das formas. Embora o diploma processual contenha determinação pela qual prevê como regra a forma livre, em outras tantas passagens menciona o contorno a ser atendido pelos sujeitos processuais. É bem verdade que o princípio da instrumentalidade das formas ameniza essas exigências ao evitar a repetição desnecessária de atos já praticado. PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil. 7. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 187.
[10] Diogo Assunção aduz dos ordenamentos já comentados, numa perspectiva de abandono à rigidez formal e absoluta, quatro modelos de flexibilização procedimental: i) flexibilização por procedimento livre, no qual a lei confere ampla liberdade para o estabelecimento da forma pelos sujeitos do processo, tendo como exemplos os juizados de pequenas causas alemães e os juizados especiais civis brasileiros, pautados pelos princípios da simplicidade e da informalidade; ii) flexibilização por procedimento opcional, no qual a lei disponibiliza ao juiz mais de uma espécie de rito para que ele indique aquele que mais se coaduna com o caso concreto, como ocorre no direito inglês; iii) flexibilização por procedimento em calendário, no qual o juiz, após consultar as partes, define um calendário para a prática de atos processuais, de acordo com a necessidade do caso, como acontece no direito inglês e frances; e iv) flexibilização por procedimento legal adaptável, presente quando a lei estipula o rito a ser seguido, mas permite algumas modificações no curso do processo, pelo juiz ou pelas partes, como se entende atualmente o ordenamento brasileiro. Essas quadro ideias de flexibilização reservam, em sua maioria, o protagonismo ao juiz. Almeida, Diogo Assumpção Rezende. A Contratualização do Processo. Das Convenções Processuais no Processo Civil de Acordo com o Novo CPC, pgs, 30-31.
[11] GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual: primeiras reflexões. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2008, pg. 18.
. Paula Saleh Arbs é Advogada; Mestre e Doutoranda em Direito Processual Civil pela Universidade de Coimbra; Sócia Fundadora do Instituto Latino Americano de Estudos sobre Direito, Política e Democracia. . .
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