O Brasil, diante da necessidade de enfretamento do novo coronavírus, classificado, em março deste ano, pela Organização Mundial de Saúde - OMS como pandemia, pelo risco de atingir a população global, simultaneamente, tomou medidas rigorosas de intervenção e restrição a direitos, que impactam em todos os setores da economia nacional, inclusive aqueles regidos pelo regime jurídico de direito administrativo, como os contratos de serviços terceirizados.
Os efeitos deletérios do novo coronavírus não se restringem a área da saúde, tendo estendido seus tentáculos a outros setores, como educação, transporte, comércio, indústria e etc, marcando uma das maiores crises noticiadas, na modernidade, enfrentada pelo país.
Não é exagero dizer que os desdobramentos gerados pela pandemia têm efeitos devastadores e de proporções ainda incalculáveis. Inúmeras medidas fixadas pelo governo, como limitação da circulação de transportes coletivos, públicos e privados, visando diminuir a circulação de pessoas, a suspensão de atividades em escolas públicas, privadas e universidades, além de parques públicos e privados, espaços culturais, autoescolas e academias, além das restrições ao convício social, isolamento, e quarentena, levam a redução da atividade de produção e serviço, insegurança jurídica e estagnação da economia.
Na seara dos contratos administrativos, notadamente, dos serviços terceirizados, a exemplo dos de conservação e limpeza, copa e cozinha, vigilância, têm-se verificado grande repercussão das medidas de contingenciamento, na execução do serviço, a ponto, inclusive, de interferir na sua continuidade. O motivo se deve, em geral, obviamente que, dentre outros fatores, ao fato de que, como os ocupantes dos postos de serviços, empregados das empresas terceirizadas, são usuários de serviços públicos de transporte, de saúde, de educação e etc, qualquer anormalidade suscetível a causar suspensão ou restrição, nestes setores, atinge diretamente a vida dessas pessoas. Se o trabalhador tem um filho menor com as aulas suspensas, e não tem com quem deixar a criança porque não seria recomendável que fique com os avós, por estarem em grupo de risco, o comparecimento ao trabalho pode ser uma dificuldade. Se o transporte coletivo público suspende ou diminui a circulação, o acesso ao trabalho também pode restar prejudicado. Sem contar com os trabalhadores que são considerados de risco, por serem idosos, portadores de doenças graves e crônica, e mulheres grávidas.
Nesses casos de falta dos empregados, no local de lotação do posto contratado, seja porque precisa cuidar do filho, seja por ausência de transporte público, seja por ter sido infectado e estar doente, ou mesmo por se enquadrar na categoria de risco, entre outros fatores, a empresa é obrigada a disponibilizar outro empregado para substituir o faltante, pelo tempo que for necessário.
Importante registrar, ainda, que, além das substituições e eventual pressão por fornecer o transporte direto aos empregados, não menos impactante é a exigência de fornecimento de materiais/equipamentos de proteção individual, como máscaras, luvas, álcool em gel, dentre outros, para higienização das pessoas e ambientes de trabalho, que não estavam contemplados, inicialmente, na planilha de custos do contrato.
Pode-se perceber, portanto, em todas as situações exemplificadas, frise-se, a despeito de existirem outras, demandam da empresa contratada a assunção de despesa não prevista, originalmente, na proposta e planilha de preço apresentada, ao tempo da licitação, que onera e compromete a alea econômica e financeira do contrato.
Diante desse cenário, desponta-se inúmeros questionamentos sobre a obrigatoriedade de realizar as substituições e de arcar com os custos não contemplados, no contrato, bem como sobre a existência de remédios jurídicos que minimizem ou atenuem o ônus financeiro gerado pela situação excepcional e imprevisível.
APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO, CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR, NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS, EM RAZÃO DO NOVO CORONAVÍRUS
Os contratos administrativos são instrumentos que, regidos pelas normas e princípios do direito público, determinam e regulam as relações travadas entre o poder público e o particular com vistas ao atendimento do interesse público.
Hely Lopes Meirelles ensina que o contrato administrativo é “o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com o particular ou outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração Pública.”
No transcorrer da vigência contratual, podem ocorrer situações não previstas, de natureza extraordinária, que cause ônus ou prejuízo a uma das partes, que prejudique ou impeça a manutenção da execução da avença, de modo a exigir a sua revisão ou rescisão.
Dentre as hipóteses de liberação ou desoneração obrigacional decorrente de situação de excepcionalidade e imprevisibilidade causadora da desordem econômica do contrato, tem-se a teoria da imprevisão.
Considera-se existente a teoria da imprevisão, para Hely Lopes Meirelles: “quando sobrevêm eventos novos, extraordinários, imprevistos e imprevisíveis, onerosos, retardadores ou impeditivos da execução do contrato, a parte atingida fica liberada dos encargos originários e o ajuste há que ser revisto ou rescindido, pela aplicação da teoria da imprevisão, provinda da cláusula rebus sic stantibus, nos seus desdobramentos de força maior, caso fortuito, fato príncipe, fato da administração pública e interferências imprevistas”.
Além da teoria da imprevisão, considera aplicável a arguição do caso fortuito e força maior, exemplos de inexecução contratual sem culpa, para fins de fundamentar pleito de escusa obrigacional do contrato administrativo.
Quanto aos requisitos necessários para a ocorrência de caso fortuito ou força maior, Sérgio Cavalieiri Filho defende que:
‘‘A imprevisibilidade, portanto, é o elemento indispensável para a caracterização do caso fortuito, enquanto a inevitabilidade o é da força maior. Entende-se por imprevisibilidade, conforme já assinalado (item 8.8), a imprevisibilidade específica, relativa a um fato concreto, e não a genérica ou a abstrata de que poderão ocorrer assaltos acidentes, atropelamentos, etc., porque se assim não for tudo passará a ser previsível. A inevitabilidade, por sua vez, deve ser considerada dentro de uma certa relatividade, tendo-se o acontecimento como inevitável em função do que seria razoável exigir-se. Assim, por exemplo, tratando-se de roubo de cofres mantidos por um banco, é de presumir-se sejam tomadas especiais providências visando à segurança, pois a garanti-la se destinam seus serviços. O mesmo não se sucede se o assalto foi praticado em um simples estacionamento (RSTJ 132/313, Min. Eduardo Ribeiro). É preciso, destarte, apreciar caso por caso as condições em que o evento ocorreu, verificando se nessas condições o fato era imprevisível ou inevitável em função do que seria razoável exigir-se.”
O Prof. Elpídio Donizetti, sobre o tema, adota o entendimento afluente ao do civilista Caio Mário, que:
Costuma-se dizer que o caso fortuito é o acontecimento natural, ou o evento derivado da força da natureza, ou o fato das coisas, como o raio do céu, a inundação, o terremoto. E, mais particularmente, conceitua-se a força maior como o damnum que é originado do fato de outrem, como a invasão do território, a guerra, a revolução, o ato emanado da autoridade (factum principis), a desapropriação, o furto etc. (2019, p. 329.)
Transladando os conceitos acima expostos a situação do coronavírus, é perfeitamente compreensível que desponte enorme discussão, no mundo jurídico, sobre seu enquadramento como caso fortuito ou força maior, embora sem grande efeito prático, eis que a racionalidade e objetividade demanda a afiliação ao pensamento do grande jurista Pontes de Miranda, que aconselha o tratamento dos institutos de caso fortuito e força maior como equivalentes (2019, p. 409).
Independente da discussão de ser uma força da natureza ou fenômeno natural, é patente e inquestionável a natureza extraordinária e extracontratual, com reflexos econômicos de desequilíbrio binário obrigacional, que permite a subsunção as hipóteses legais de fato imprevisível, ou, ainda, de força maior ou caso fortuito.
A propósito, vale destacar que Flávio Tartuce, em seu artigo “O coronavírus e os contratos. Extinção, revisão e conservação. Boa-fé, bom senso e solidariedade”, disponível em: http://genjuridico.com.br/2020/04/01/contratos-extincao-revisao-ou-conservacao/, faz alusão ao coronavirus como possibilidade de escusa de inadimplemento sem culpa do contratado.
Alegação de caso fortuito − evento totalmente imprevisível − ou força maior − evento previsível, mas inevitável −, nos termos do art. 393 do Código Civil, para justificar o inadimplemento. Por esse comando, o devedor não responde pelos prejuízos resultantes desses eventos se expressamente não se houver por eles responsabilizado, por força do contrato.
A Lei Federal nº 8666/93, que se refere a licitações e contratos administrativos, prevê a possibilidade de alteração contratual em face de eventos imprevisíveis e supervenientes, fora do contexto sociopolítico e econômicos, em que foi erigido o contrato administrativo, suscetíveis de enquadramento a definição de caso fortuito e força maior, bem como a da teoria da imprevisão.
Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
I - unilateralmente pela Administração:
a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos;
b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;
II - por acordo das partes:
a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;
b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;
c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço;
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
Pela redação do artigo acima transcrito, extrai-se a compreensão de que é permitida a alteração contratual, visando restabelecer a relação pactuada inicialmente, quanto as obras, bens e serviços, garantindo a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, quando advierem “fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”
Impede destacar que a manutenção da equação econômico-financeira dos contratos administrativos foi erigida a princípio constitucional, insculpido no artigo 37, XXI, da CF.
O novo coronavírus, como se sabe, surge, de maneira inesperada e inevitável, trazendo consequências que afetam a conjuntura econômica do contrato, com a criação de obrigações onerosas, não previstas na avença.
É preciso ter mente que alguns conceitos e ideias tradicionais do direito administrativo deve se adaptar as mudanças globais, a fim de se livrar de antigos jargões, preconceitos e vícios, dentre os quais está a concepção da renegociação como um erro, como um reconhecimento explícito de má-gestão.
Anderson Schreiber, no artigo “Dever de renegociar”, disponível em http://genjuridico.com.br/2018/01/16/dever-de-renegociar/, destaca a necessidade da Administração Pública “substituir o método backward-looking pelo método forward-looking no direito dos contratos. E para isso é imprescindível o reconhecimento de um dever de renegociar, entendido não como o dever de revisar o contrato extrajudicialmente ou de aceitar as condições sugeridas pelo contratante que sofre o desequilíbrio, mas sim como um dever de ingressar em renegociação, com base na boa-fé objetiva.”
Parece bem condizente com a realidade do coronavírus que seja esperado dos gestores um olhar realista do cenário que a relação obrigacional está inserida, e que exige o abandono do lugar do estado de sua posição tal como retratada, na obra leviatã, de Thomas Hobbes, figura retirada na mitologia fenícia, também relatada no antigo testamento, de um estado superior, duro, implacável, opressor para um estado próximo dos anseios e necessidades dos seus súditos, preparado para entender as adversidades e a necessidade de mudanças e adaptações.
O dever de renegociação nada mais é do que o reconhecimento da mutabilidade da vida, que assim como as pessoas, os contratos precisam acompanhar a evolução sócio-político e econômica, em nome do prevalecimento da estabilidade das relações, segurança jurídica e boa-fé objetiva.
Resgatando os exemplos elencados, nesse artigo, de problemas verificados nos contratos terceirizados, no panorama de coronavírus, sob o viés das ideias ora debatidas, é inegável que se possa dizer que a necessidade de substituição, por tempo indeterminado, de empregados doentes ou em situação de risco, pelas empresas contratadas, sem qualquer adequação contratual, causa excessivo prejuízo financeiro, ante a manutenção dos pagamentos dos salários dos substitutos e dos substituídos, por largo decurso de tempo, sem que houvesse provisionamento desta rubrica no ajuste.
As despesas com compras de materiais de consumo para higiene e proteção individual, no momento em que tais itens estão, quando encontrados para compra, dada a escassez no mercado, com preços superfaturados, aliados a situação antes exposta, significam uma sobrecarga financeira, que desequilibra a relação contratual porque se referem a custos extras, que não foram cotados, ao tempo da contratação, e que, impactam, indiscutivelmente, na saúde financeira da avença.
Cabe destacar, ainda, que, em algumas situações em que o transporte público está suspenso por decisão do governo local, impõe-se outro problema para as empresas terceirizadas quanto a disponibilização de outro meio de transporte. Isto porque, na grande maiorias das vezes, as empresas preveem, na proposta de preço e planilha detalhada de custos, que integram o instrumento contratual, o fornecimento de vales transportes para que os empregados, utilizando o transporte público disponível a população, se se locomovam até o local de prestação do serviço.
Na ausência de transporte público, como se verifica, a empresas encontram dificuldades e obstáculos, na legislação e no contrato, para dispor de alternativas para o deslocamento residência- trabalho dos empresados.
Nos termos da Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985, que institui o Vale-Transporte e dá outras providências, fica definido que as empresas fornecerão os vale-transporte para os empregados para que estes utilizem para despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, através do sistema de transporte coletivo público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual com características semelhantes aos urbanos, geridos diretamente ou mediante concessão ou permissão de linhas regulares e com tarifas fixadas pela autoridade competente. Vejamos:
Art. 1º Fica instituído o vale-transporte, que o empregador, pessoa física ou jurídica, antecipará ao empregado para utilização efetiva em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, através do sistema de transporte coletivo público, urbano ou intermunicipal e/ou interestadual com características semelhantes aos urbanos, geridos diretamente ou mediante concessão ou permissão de linhas regulares e com tarifas fixadas pela autoridade competente, excluídos os serviços seletivos e os especiais.
Note-se que o transporte deve ser gerido diretamente ou mediante concessão ou permissão de linhas regulares e com tarifas fixadas pela autoridade competente.
Para que haja alteração quanto o meio e a forma de transporte para locomoção dos empregados, e manter a legalidade contratual, é necessário que seja realizada alteração contratual para permitir que o transporte seja realizado, de forma particular, pela empresa, mediante locação ou fretamento, e que esta possa utilizar o valor cotado para o vale transporte para cobrir este gasto, caso suficiente para fazer frente a essa despesa.
Sem que seja feita mudança no contrato, a empresa fica impossibilitada de disponibilizar meio de transporte para seus empregados, em virtude de ausência de previsão de receita, na planilha de custos, para arcar com a despesa não prevista.
Deve se considerar a possibilidade de, visando recompor as perdas financeiras e equilibrar o contrato, a Administração revisar os ajustes para que contemplem os valores necessários para cobrir as despesas, sejam elas para pagamento dos substitutos, eis que não se tratam das hipóteses de substituição normalmente prevista e legal, como férias e faltas eventuais, sejam de matérias, sejam de transporte.
Vale anotar que o governo federal emitiu nota de recomendação, no portal compasnet, sobre os serviços terceirizados, prevendo a possibilidade de negociação entre o órgão e a empresa prestadora de serviço, visando medidas mitigatórias dos prejuízos, como a antecipação de férias ou decretação de férias coletivas e fixação de jornada de trabalho em turnos alternados de revezamento.
Recomendações COVID-19 - Contratos de prestação de serviços terceirizados
Publicado: Segunda, 16 de Março de 2020, 11h59
Os órgãos e entidades da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, considerando a classificação da situação mundial do novo coronavírus (COVID-19) como pandemia, deverão seguir as seguintes recomendações:
7º – É facultada a negociação com a empresa prestadora de serviços, visando às seguintes medidas:
(i) antecipação de férias, concessão de férias individuais ou decretação de férias coletivas;
(iii) fixação de regime de jornada de trabalho em turnos alternados de revezamento;
(iv) execução de trabalho remoto ou de teletrabalho para as atividades compatíveis com este instituto e desde que justificado, sem concessão do vale transporte, observadas as disposições da CLT;
(v) redução da jornada de trabalho com a criação de banco de horas para posterior compensação das horas não trabalhadas.
Prever, ainda, no caso de não haver tempo hábil para formalização de termo aditivo para alteração das condições do contrato, como destacado neste trabalho, que seja procedido os ajustes, de maneira informal, e posteriormente, levado a cabo a formalização, com as solenidades de estilo.
8º – Não havendo tempo hábil para formalização de termo aditivo ao contrato, considerando o risco iminente à saúde pública proveniente da pandemia, o órgão ou entidade deverá proceder os ajustes necessários e anexar posteriormente a devida justificativa ao processo que embasa a formalização do termo aditivo.
Nesse sentido, resta demonstrado que a adequação do ajuste, visando restabelecer o equilíbrio da polaridade da relação, sobretudo em razão do surgimento de obrigações ausentes na gênesis do contrato, suscetível a causar excessivo ônus a uma das partes, é plenamente justificado e encontra eco na legislação pertinente e na orientação entabulada pelo órgão de compras oficial do governo federal.
CONCLUSÃO
Como visto ao longo do presente trabalho, o coronavírus ou COVID -19 instalou, no país, situação de caos que demandou a tomada de medidas de contingenciamento pelos governos federal, estadual e municipal, que repercutem nos segmentos produtivos da sociedade, e ecoam, como efeito cascata, nos contratos administrativos.
As empresas que prestam serviços para o Estado, notadamente, as terceirizadas, vem amargurando os efeitos do COVID-19, na execução das atividades, devido ao surgimento de despesas, não previstas, impostas, de forma cogente, pelos entes públicos, consubstanciadas, entre outras, nas medidas de substituição de empregados infectados e em situação de risco; de fornecimento, diretamente, de meios de transporte, no lugar do público, quando indisponível, bem como de compra de materiais de higiene e proteção individual.
A exigibilidade de novas demandas, de caráter onerosas, sem anuência da contratada, advinda de fato imprevisível, que pode, também, ser enquadrado como caso fortuito e força maior, gera desequilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Essa situação geradora de desordem e desproporção obrigacional, como visto, encontra, nos termos do art. 65 da lei de regência das licitações, autorização para o poder público rever o contrato, ajustando as condições para reequilibrar o fiel da balança do ajustado.
Prevendo as dificuldades esboçadas neste estudo, o governo federal emitiu recomendação que espelha a possibilidade de que os órgãos da Administração pública dialoguem com as empresas prestadoras de serviço, buscando obter um resultado ótimo que atenda ao interesse público, ao mesmo tempo que evite sacrifícios e gastos excepcionais, não justificáveis, em momento de contingenciamento.
Nesse sentido, não parece razoável, considerando o momento de priorizar a alocação de recursos para aplicação no enfrentamento do coronavirus, e a realidade de estagnação e recessão econômica, que os órgãos públicos imponham obrigações excessivas, acompanhadas de custos e despesas, que não tiveram origem no âmago da contratação, capaz de onerar excessivamente o ajuste.
Em que pese os contratos administrativos contenham clausulas exorbitantes, derivado da supremacia do interesse público, que obrigam coercitivamente, devido ao temor das empresas de sofrerem penalidades administrativas, no sentido de que a empresas prestadoras de serviços terceirizados devam, em tese, arcar com os custos, por suas próprias expensas, a exemplo da substituição, nas faltas, dos ocupantes dos postos, tal medida, em verdade, transfigura-se em ilegalidade, no recorte temporal que retrata os efeitos do coronavírus, porquanto que entabulado, em momento diverso, de normalidade.
Em sendo assim, é importante que os órgãos analisem cada situação, caso a caso, de forma prudente e responsável, levando em consideração o impacto da medida no orçamento do contrato, bem como a existência de provisionamentos, ao passo que ponderem, ungido pelos axiomas constitucionais, sobre a possibilidade de flexibilização da aplicabilidade das cláusulas contratuais, em virtude da ilegalidade transitória, reflexo da pandemia.
Há, porém, situações onde o surgimento de condições supervenientes absolutamente imprevisíveis afeta radicalmente a possibilidade de execução do contrato In natura, tal qual foi edificado, porque resultaria sacrifício financeiro e devastação econômica da empresa, que agravara ainda mais a crise com aumento de desemprego, miséria e desespero.
A pandemia de COVID-19 (Coronavírus) é uma ameaça capaz de extenuar a capacidade operacional dos meios de produção, com consequências desastrosas para a população, “caso não sejam adotadas medidas de efeito imediato, inclusive no tocante a garantia de subsistência, empregabilidade e manutenção sustentável das empresas”, como ponderou o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes.
Ainda que prevaleça o entendimento de que as empresas devam realizar as substituições e arcar com as compras de materiais de consumo extras, é imperiosa a incidência do dispositivo da lei de licitações, que permite, uma vez reconhecidas a situação de imprevisibilidade, ou caso fortuito e força maior, o ajustamento do contrato, restabelecendo as condições inaugurais.
A renegociação dos contratos administrativos em vigor, como entende Anderson Schreiber, no artigo “Dever de renegociar”, disponível em http://genjuridico.com.br/2018/01/16/dever-de-renegociar/, “deve ser analisada com o vagar e estudos necessários, de modo a preservar a qualidade dos serviços contratados e a realização de novos investimentos que se fizerem necessários, prestigiando a segurança jurídica.”
Outra alternativa viável é que seja analisada a rotina, o fluxo de servidores dos órgãos e expediente, inclusive a possibilidade de redução da carga horária e realização de revezamento ou rodízio, para subsidiar a conclusão quanto a pertinência da redução ou suspensão dos serviços prestados pelas empresas terceirizadas, até que a situação se regularize.
Assim, considerando a situação de desequilíbrio das prestações contratuais e onerosidade superveniente e excessiva, derivada da imposição de obrigações não auguradas na planilha de custos que integra a avença, se apresenta juridicamente amparada a readequação do contrato, com base no art. 65 da Lei Federal nº 8.666/93, que repousa a previsão da revisão do contrato, diante do surgimento de situação imprevisível ou previsível, de resultado incalculável, ou caso fortuito e força maior decorrente da alea econômica extraordinária e extracontratual.
Notas e Referências
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, págs. 113.
DI PIETRO, Maria S. Z. Direito administrativo. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2008, pág. 202.
MELLO, Celso A. B. de. Curso de direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. Páginas 385.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 5ª ed. Niterói: Impetus, 2011, pág. 201.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35. ed. (atual. Eurico Azevedo et al.) São Paulo: Malheiros, 2009.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo. Saraiva, 2005.
SCHREIBER, Anderson. Dever de renegociar. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2018/01/16/dever-de-renegociar/
TARTUCE, Flávio. O coronavírus e os contratos. Extinção, revisão e conservação. Boa-fé, bom senso e solidariedade. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2020/04/01/contratos-extincao-revisao-ou-conservacao/
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