Por Pamela Medeiros Gomes e Solange Lúcia Heck Kool - 15/09/2015
Um dos grandes temas polêmicos no mundo esportivo é a formação de atletas de futebol, o qual recentemente foi levantando a possibilidade da redução da idade para 12 anos através da MP 671 e o que, por conseguinte foi vetado pela presidente.
O desporto tanto profissional quanto não profissional é visto como um meio para o desenvolvimento integral do homem, conforme frisa o princípio da educação previsto no artigo 2º da Lei 9.615/98[1].
Levando em conta o cenário de preocupação no trabalho do menor, o legislador criou instrumentos de combate à exploração do trabalho do menor no desporto, com foco na proteção aos clubes formadores, onde na Lei 9.615/98, fixam os requisitos dos clubes formadores.
É exigido do clube formador a disponibilização de assistência educacional com exigência de comprovação de frequência e adequação das atividades esportivas às relacionadas ao currículo escolar, assistência psicológica, médica e odontológica, assim como alimentação, transporte e convivência familiar para os atletas em formação, ainda é exigido a utilização de alojamento e instalações desportivas adequados, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade.
Apesar de o artigo 29 da Lei 9.615/98 discorrer sobre toda uma obrigatoriedade dos clubes formadores, pode-se também notar que os atletas em formação possuem toda uma rotina especifica a ser seguida.
Destaca-se ainda que para a formação destes atletas, eles terão que passar a morar no clube formador, terão horários específicos de treinos não superiores a 4 (quatro) horas diárias, devem possuir frequência escolar e aproveitamento satisfatório, e possuem a obrigatoriedade de participar de competições oficiais, e ainda, comprovar que participam anualmente de competições organizadas por entidade de administração do desporto em, pelo menos, 2 (duas) categorias da respectiva modalidade desportiva.
Analisando apenas pelo lado da entidade formadora estas são obrigatoriedades que deve possuir para ter o direito de formar os atletas, e proporcionar a estes, qualidade de vida adequada, mas em analise do ponto de vista dos atletas em formação, estes possuem obrigatoriedades que podem ser similares ao atleta profissional, haja vista que devem cumprir sua carga horária determinada pelo clube formador, comparecer as competições oficiais, possuir bom desempenho escolar, e participar de pelo menos 2 (duas) categorias da sua modalidade nas competições realizadas pela administração desportiva.
No que pese sobre a prática do desporto de modo não profissional, encontra-se o primeiro fundamento no artigo 3º da Lei 9.615/98, onde o legislador preocupou-se em caracterizar os atletas não profissionais e definir que entre estes atletas e o clube não haverá contrato de trabalho, todavia serão permitidos os incentivos materiais e de patrocínio.
O fato de a lei determinar que inexiste contrato de trabalho entre as partes, não significa que não haverá nenhum tipo de contrato regulamentando a situação vivida entre clube formador e atleta não profissional, a Lei 9.615/98, prevê o contrato que regulamentará tal situação, reconhecido como bolsa aprendizagem
No que diz respeito ao tempo de duração do contrato de formação, este está implícito no caput do artigo 29 da Lei 9.615/98, o qual determina um prazo máximo de cinco anos, deixando de prever o mínimo como no caso do contrato profissional.
Por conseguinte o § 6º do mesmo artigo determina as cláusulas necessárias para a elaboração do contrato, sendo estas: cláusula de identificação das partes e dos seus representantes legais; cláusula de duração do contrato; direitos e deveres das partes contratantes, inclusive garantia de seguro de vida e de acidentes pessoais para cobrir as atividades do atleta contratado; e a cláusula de especificação dos itens de gasto para fins de cálculo da indenização com a formação desportiva.
Nota-se que o contrato de formação, é mais sucinto que o contrato de trabalho do atleta profissional, diferentemente do contrato do atleta profissional o contrato do atleta em formação não prevê a obrigatoriedade de cláusula indenizatória e compensatória, sendo estas as que tratam respectivamente dos valores de titularidade do clube e do atleta nas hipóteses de rescisão antecipada do contrato de trabalho, a única obrigatoriedade de indenização é a constate no inciso IV, a qual é devida ao clube formador.
No que se refere à renovação do contrato de formação, a Lei 9.615/98, trata sobre a preferência do clube formador em renovar o contrato do atleta em formação, transformando este em contrato de trabalho de atleta profissional, todavia é vago sobre o fato de o próprio contrato de formação ser renovado.
A renovação do contrato terá um prazo não superior a três anos, tendo como exceção apenas os casos em que o clube detentor do contrato desejar equiparar-se a proposta feita por outro clube.
O contrato de formação será registrado na entidade regional de administração do desporto, nos casos em que o clube formador desejar transformar o contrato de desporto em contrato de trabalho, tal prática deve ser tomada para que o clube formador garanta o seu direito de preferência.
Após analisar sobre as questões formais do contrato de formação, não se pode deixar de comentar sobre a possibilidade do contrato de formação possuir as mesmas características do contrato de trabalho e ainda ser caracterizado como uma relação de trabalho ou emprego, sobre este assunto é visto o posicionamento do doutrinador Fabiano de Oliveira Costa:
"Não se pode deixar de mencionar as possibilidades de desvirtuamento da relação jurídica desportiva para uma relação de trabalho ou de emprego. Na medida em que houver exigências obrigacionais ou restritivas pelos clubes de futebol em face aos atletas em formação, que transcendam à mera prática desportiva lúdica e não profissional, poderá ocorrer a configuração de uma nítida relação de emprego, em razão, não somente do Princípio da Proteção Integral ao Menor, mas também em razão da própria configuração do Princípio Protetivo Trabalhista, posto que a realidade dos fatos deve prevalecer sobre a forma da relação, como orienta o Princípio da Primazia da Realidade, desde que, efetivamente e indubitavelmente, demonstrada a fraude com desvirtuamento do vínculo desportivo[2]."
O doutrinador ainda comenta:
"Não há dúvidas de que essa discussão é multidisciplinar, não devendo o Direito assumir, sozinho, o encargo de sanar todas as dúvidas, regular as situações, sem a devida e necessária discussão com outras ciências. A própria sociedade deve participar para a elaboração de uma proposta que seja aceita por todos, posto que formulada por todos. As normas genéricas da CLT e do ECA nesse sentido já não são suficientes para alcançar toda a complexidade que rege as relações do “trabalho” infantil, sejam elas de natureza artística ou não[3]."
Observando ainda o previsto no artigo 3º da CLT que considera como empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário, comprovado o desvirtuamento é nítido que o atleta em formação preenche os requisitos de empregado, haja vista a prestação de serviço não eventual e recebendo como salário o denominado como bolsa aprendizagem.
Diante das analises feitas, pode-se concluir que há necessidade de ser revisto a legislação no que diz respeito à formação do atleta, visto que o seu desempenho em modo de aprendizagem pode facilmente ser desvirtuado e configurado como uma relação de trabalho, razão pela qual nada mais justo ter os mesmos direitos previstos para o atleta profissional, haja vista que os atletas menores em formação vivem na base dos clubes formadores e respeitam uma rotina diária para sua formação profissional.
Notas e Referências:
[1] BRASIL, Lei 9.615 de 24 de março de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm> Acesso em: 03 set. 2015.
[2] OLIVEIRA, Leonardo Androtti Paulo de (coordenador). Direito do trabalho e desporto. São Paulo: QuartierLatin, 2014, p. 73
[3] OLIVEIRA, Leonardo Androtti Paulo de (coordenador). Direito do trabalho e desporto, p. 74

Pamela Medeiros Gomes é Advogada. Graduada em Direito – Univali. Pós-graduanda em Direito Desportivo pelo Centro Internacional Universitário. E-mail: pameladto@gmail.com

Solange Lúcia Heck Kool é Advogada. Graduação em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí- UNIVALI. Mestrado em Gestão de Políticas Públicas, pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI; Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Universidad del Museo Social Argentino, UMSA - de Buenos Aires/Ar. Professora titular da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI; no curso de Direito, leciona as disciplinas Direito Processual do Trabalho, Direito do trabalho, orientações de monografias e artigos científicos e orientação no Núcleo de Prática Jurídica. Também possui escritório profissional de Advocacia em Itajaí/SC.
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