CONTRATO DE FATURIZAÇÃO/FACTORING/FOMENTO MERCANTIL: ASPECTOS FUNDAMENTAIS          

18/02/2021

A advocacia empresarial convive com o tema “fomento mercantil”, em pelo menos três perspectivas: criar estruturas jurídicas para atividades de fomento; dar apoio ao empresário em crise ou que necessite de capital para impulsionar os seus negócios; e criar os instrumentos jurídicos, contendo cláusulas que assegurem a exequibilidade do pacto de parte a parte, sem descuidar da correta regulação sobre ônus, deveres, contraprestações, além da avaliação dos custos de transação e das consequências do inadimplemento. 

Os serviços de faturização, na sua relação originária, encaixam-se dentro da concepção dada aos “contratos interempresariais”, considerando-se os sujeitos (Empresários). O contrato também é designado de factoring ou de fomento mercantil, e não está atrelado a uma instituição financeira, portanto, não se trata de um contrato bancário. Assim, factoring, faturização e fomento mercantil, possuem o mesmo significado.

A atividade de fomento decorrente da faturização não é regulada pelo Banco Central, pois é livre e pode ser exercida por empresa que tenha em seu objeto o acompanhamento de processo produtivo ou mercadológico, o acompanhamento de contas a receber e pagar e a seleção e avaliação de clientes, devedores ou fornecedores. Esse é o contexto do contrato de fomento, apresentado no Projeto de Lei n. 13/2007, que inspirou, após o exame de vários conceitos, a seguinte concepção dada por Ricardo Negrão: contrato não privativo de instituição financeira pelo qual aquele que exerce atividade econômica de forma organizada cede, em todo ou em parte, a título oneroso, os direitos creditícios decorrentes de sua atividade a empresa regularmente registrada no Conselho Regional de Administração, apta a lhe prestar, de forma cumulativa e contínua, serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos e administração de contas a pagar  e a receber.[i]

Percebe-se o cuidado do autor ao mencionar a necessidade de inscrição, pela empresa de fomento, no CRA (Conselho Regional de Administração), pois considera que a gestão de carteiras e de atividades vinculadas a faturização, dependem de profissional habilitado para tais tarefas.

O STJ consolidou o entendimento acima. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO (...).

EMPRESA DE FACTORING. REGISTRO NO CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO (...) 4. As empresas que se dedicam à atividade de factoring estão sujeitas a registro no Conselho Regional de Administração. Precedentes da Segunda Turma: REsp 497.882/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 24.05.07; AgRg no Ag 1252692/SC, de minha relatoria, DJe 26/03/2010; REsp 1013310/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 24/03/2009; REsp 874.186/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 21/10/2008; e REsp 638.396/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 24/09/2008.

  1. Agravo regimental não provido. (AgRg nos EDcl no REsp 1236002/ES, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/04/2012, DJe 04/05/2012).

Neste contexto, o presente texto abrange o entendimento sobre o objeto, os sujeitos, à prática comercial e a importância para a economia brasileira.

O objeto do contrato de faturização envolve “a venda do faturamento de uma empresa para a outra, que incumbe de cobrá-la, recebendo uma comissão ou juros (...). Assim, factoring é a compra de direitos creditórios (faturamento) resultante de vendas mercantis (e de consumo) ou de prestação de serviços a prazo”[ii].

Como visto, a faturização envolve a transferência de créditos, e essa transferência ocorre por endosso ou cessão de crédito. Endosso para os títulos endossáveis, a exemplo do cheque, da nota promissória e da duplicata, ou pelo contrato de cessão de créditos, quando os títulos não guardarem autonomia ou forem objeto de contratos específicos[iii].

A doutrina e a prática apontam para algumas cláusulas especiais derivadas desta modalidade contratual, destacando-se: “a) a exclusividade ou a totalidade das contas do faturizado; b) duração do contrato; c) faculdade de o faturizador escolher as contas que deseja garantir; d) liquidação do crédito; e) cessão dos créditos; f) assunção dos riscos pelo faturizador; g) remuneração do contrato”[iv]. Observe-se, assim, que a empresa de faturização (faturizador) gerencia a carteira de créditos, antecipa ou paga no vencimento os títulos objeto do pacto e assume os riscos de inadimplência do devedor/sacado. Por sua vez, o faturizado além de prestar as informações sobre os créditos e sobre os documentos de lastro, paga pela contraprestação devida (juros/comissão).

Disso derivam, duas espécies de faturização, a saber: a) Maturity factoring espécie contratual pela qual a empresa faturizadora faz a gestão dos créditos do faturizado, cobra o devedor/sacado, mas não antecipa os pagamentos, apenas os realiza na data de vencimento, uma espécie de terceirização da cobrança (contas a receber); b) Conventional factoring espécie contratual onde há, de igual forma, negociação dos créditos e a cobrança deles pelo faturizador contra o sacado/devedor, todavia, nesta modalidade o faturizador adianta o valor desses créditos à faturizada[v].

É importante observar, que o contrato de faturização não se confunde com o contrato de antecipação de recebíveis disponibilizado pelos bancos, pois nesta hipótese os bancos antecipam com deságio/juros, mas não assumem o risco que as faturizadoras assumem com o contrato de faturização, especial característica do contrato aqui estudado, que justificaria, em tese, maior remuneração (o que não significa abusiva) e desde que, de fato, a faturizadora assuma integralmente o risco do negócio.    

Os sujeitos dessa relação jurídica envolvem três pontas, a saber: o centro gira em torno do empresário (faturizado), ou seja, aquele que detém originariamente os créditos e os transfere para outro empresário (faturizador), cujos créditos derivam do devedor/sacado (aquele que tem a relação originária com o faturizador). Em suma, tem-se o faturizado (o que transfere), o faturizador (o que recepciona os títulos) e o devedor/sacado (cliente do faturizado).

A prática empresarial/comercial tem repercussão jurídica. A contraprestação recebida pelo faturizador diz respeito ao juros, estes limitados a 1% ao mês, pois a empresa de faturização não é instituição financeira e, portanto, sofre com a limitação constitucional de juros. Também a título de contraprestação, além dos juros e da atualização monetária pelos índices oficiais, a empresa de faturização recebe certa quantia a título de comissão, em um mercado livre, e eventual abusividade pode comportar revisão pelo judiciário ou pela jurisdição arbitral, a depender do foro eleito.

Em determinadas situações, além da revisão, outras construções contratuais podem estar em desacordo com a natureza jurídica do contrato de faturização, pois eventual supressão dos riscos do faturizador retira força do pacto, pois cabe a ele, que recebe comissão e juros, suportar o risco de inadimplência do sacado/devedor.

Como visto, a caracterização do contrato de faturização tem importância prática. Isto porque, os contratos desta natureza não podem ter cláusula de garantia contra o cedente dos respectivos créditos (faturizado), pois nos contratos de fomento o risco de inadimplência pelos títulos contratados fica a encargo da empresa faturizadora, salvo no caso de existência de algum vício de nulidade nos respectivos títulos, a exemplo da simulação ou fraude, determinantes da perda da higidez.

Nesse sentido decidiu recentemente o STJ. Confira-se a ementa:  

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. AVAL. CONTRATO DE FACTORING. CLÁUSULA DE REGRESSO.

NULIDADE.

  1. São nulas as disposições contratuais no sentido de estabelecer garantia em favor da empresa de factoring acerca do adimplemento dos títulos cedidos pela faturizada. Precedentes. Súmula 83/STJ.
  2. "A emissão de notas promissórias como instrumento de garantia pro solvendo em contrato de factoring torna esses títulos inexigíveis em face do devedor principal e do avalista, pois objetiva desvituar a natureza do contrato de faturização, no qual o faturizador deve assumir os riscos pela inadimplência dos títulos contratados" (AgInt no AREsp 862.232/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2019, DJe 06/09/2019).
  3. Agravo interno não provido[vi].

No corpo do v. acórdão, o Insigne Relator faz menção ao seguinte trecho advindo do Tribunal de origem, a saber: “(...) E sei o que preconiza o art. 296 do Código Civil (‘Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor’). Todavia, na esteira dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça, de se considerar que a existência de cláusula "pro solvendo" em contratos de "factoring" são nulas, na medida em que acarretam onerosidade excessiva ao cessionário que se vê obrigado a garantir o pagamento dos títulos descontados, apesar de alta remuneração ou comissão já exigida pelo tomador[vii].

Percebe-se, por um lado, a nulidade da cláusula de garantia, conforme o julgado. Por outro lado, cabe ressalvar que a responsabilidade do cedente/faturizado permanece em relação a higidez dos títulos transferidos, ou seja, quanto a sua validade. A título de exemplo, o faturizado responde pelo título emitido sem causa, pois, infelizmente, ainda se vê a emissão, indevida e inadvertidamente, de duplicatas frias (sem origem), na tentativa (sempre frustrada) de preservar o caixa ou o capital de giro, hipótese em que, responde pelos problemas decorrentes, podendo a empresa faturizadora regressar contra o faturizado.

Como visto, o contrato de faturização encontra espaço no mercado brasileiro, e representa importância para o desenvolvimento do País, na medida em que torna os ativos empresariais, aqui relacionados aos créditos, suscetíveis de recebimento garantido pelo faturizado, mediante remuneração (comissão) e juros, com o consequente impulsionamento das atividades econômicas a partir da empresa.

           

Notas e Referências

[i] NEGRÃO, Ricardo. Curso de direito comercial. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 386.

[ii] TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 344.

[iii] TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 344.

[iv] NEGRÃO, Ricardo. Curso de direito comercial. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 388.

[v] TEIXEIRA, Tarcisio. Direito empresarial sistematizado. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 346.

[vi] AgInt nos EDcl no REsp 1761098/CE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 10/03/2020.

[vii] AgInt nos EDcl no REsp 1761098/CE, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 10/03/2020.

 

 

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