Contar a história que a história não conta é uma forma de garantir direitos humanos.

27/03/2019

O inclassificável pensador alemão Walter Benjamin defendeu em sua inacabada obra Passagens que o contar da história se daria por meio de constelações formadas por imagens do ontem projetadas no hoje. Já nas teses sobre o conceito de história, Benjamin se dedicou a reforçar a necessidade da história ser contada através dos detritos, do que ficou pelo caminho: ser contada sob a perspectiva dos vencidos, dos que não foram ouvidos, como fez a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira neste carnaval. Theodor Adorno, um dos próceres da Escola de Frankfurt, após assistir à ópera Ascenção e queda da cidade de Mahoganny de Berthold Brecht, que liricamente narrava as consequências do crash da bolsa de NY em 1929, sustentou que a arte não devia ficar escondida, senão servir ao enfrentamento das nefastas consequências do capitalismo. Leonardo Vieira, carnavalesco da campeã do carnaval com a Estação Primeira de Mangueira, nos proporcionou, por meio da sua arte, sensação semelhante ao nos convidar a conhecer o “país que não está no retrato”, já que abriu nossos olhos para o presente, plantando a dúvida se a história dita oficial é a real. O enredo passeia por diversos personagens do passado, todos minimizados, reduzidos pela impiedosa marcha do progresso – que chegou para poucos, ao custo da vida, do sangue e do suor de tantos -, até desaguar em Marielle Franco, há um ano transformada em potente estrela a habitar nossas mentes e almas. Se na letra do samba enredo já se sente a força da exaltação dos ainda humilhados, a bateria, como dito por Luis Antonio Simas, faz uma bossa de marcha militar, substituída por uma muzenza tocada por atabaques -instrumento típico dos terreiros- onde pulsa a cultura popular brasileira, onde residem personagens reais e fantásticos da nossa história. As alegorias, os adereços e o enredo, somados à contagiante harmonia, proporcionam inesquecível sensação de reconhecimento aos que não costumam ver suas histórias contadas com tamanha sensibilidade, pois conta “a história que a história não conta, o avesso do mesmo lugar”.  O desfile avançou garboso pela avenida, com belo uso das cores, contrastes e dores, deste heterogêneo país, que insiste em assassinar ativistas dos direitos humanos, como Marielle: mulher, mãe, negra, homossexual, da favela. Eleita vereadora, para lutar por seu povo, pois é “na luta que a gente se encontra”. Nesta semana completa-se 1 ano da sua execução ainda não elucidada. Porem, se os autores deste bárbaro crime acharam que a calariam, acharam errado, hoje Marielle é semente!

 

Imagem Ilustrativa do Post: Marielle, PRESENTE! // Foto de: upslon // Sem alterações

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