Constitucionalismo Contemporâneo: entre Garantistas e Principialistas

17/06/2016

Por Jéssica Gonçalves e Bruna Borges - 17/06/2016

O fenômeno do Constitucionalismo Contemporâneo é uma coletânea de ideias a respeito da Constituição e o seu atual papel no campo jurídico, pautando-se em duas características: os Direitos Fundamentais e a validade das normas.

Dessa forma, as Constituições, ditas Democráticas, estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial, da mesma maneira como já faziam as Leis Ordinárias, passaram a incorporar valores consistentes nos chamados Direitos Fundamentais, os quais requerem, para sua aplicação e interpretação, um novo paradigma. Isso porque o modelo jusnaturalista (outrora fundamentado no valor axiológico) e o (paleo) positivismo (baseado na separação entre direito e a moral), supostamente, não mais daria conta de explicar o mencionado fenômeno Constitucional.

O Constitucionalismo Contemporâneo, como Teoria do Direito, passou a considerar uma nova concepção de validade das normas, para além do seu procedimento (forma de elaboração), pautando-se também no seu conteúdo. Desse modo, o Constitucionalismo Contemporâneo é fenômeno que pode ser entendido de duas maneiras opostas:

a) De um lado, pela superação do positivismo jurídico, num sentido tendencialmente jusnaturalista, denominado Constitucionalismo Principialista ou Argumentativo (não positivista), no qual os Direitos Fundamentais são princípios (normatividade fraca) idôneos a conectar Direito à moral objetiva, por meio da argumentação, isto é, são princípios morais estruturalmente diferentes das regras (normatividade forte) e, portanto, submetidos ao método da ponderação;

b) De outro norte, temos a concepção do Constitucionalismo Garantista ou Normativista (juspositivismo reforçado) que é um reforço ao positivismo jurídico, ou seja, permanece separando Direito da moral e identifica que os Direitos Fundamentais apresentam natureza dúplice de regras deônticas (proibições de lesões ou de obrigações de prestação que são suas garantias) e, princípios regulativos (expectativas positivas ou negativas), que não dialogam com a moral, já que esta, com base em Hart, é o ponto de vista externo ao direito.

Com base nessas elucidações, Ferrajoli explica as três características do Constitucionalismo Principialista, refutando posteriormente cada uma delas, conforme segue:

1. Constitucionalismo Principialista: conecta o direito e a moral como uma crítica ao positivismo jurídico, já que este separava os dois conceitos;

2. Constitucionalismo Principialista: diferencia a estrutura dos princípios das regras;

3. Constitucionalismo Principialista: conferem um especial papel ao método da ponderação.

Para compreender cada apontamento e passar à crítica Garantista, é importante lembrar que o Constitucionalismo Principialista, defendido por Dworkin, Alexy e Atienza, pressupõe a superação ou, até mesmo, a negação do (paleo) positivismo jurídico. Para eles, o positivismo não sustenta o novo fenômeno que existe nas normas constitucionais das atuais Democracias. Isso porque, as Constituições incorporaram valores éticos políticos, princípios de justiça como, por exemplo, a Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos Fundamentais, os quais unem o Direito e moral. Dessa forma, o principal traço do positivismo jurídico - que era justamente a sua separação – desaparece, ou seja, o positivismo jurídico restaria ultrapassado já que pregava a separação entre o Direito e a moral (entre validade e a justiça).

Os Principialistas afirmam que a moral, no paradigma positivista, correspondia ao ponto de vista externo ao Direito (algo consensual daquela comunidade), e agora, passa a incorporar o ponto de vista interno do Direito. Com isso, a primeira questão dos principialistas é a ligação entre o Direito e a moral, tanto antes separada pelos positivistas e que será refutada pelo Garantismo.

A segunda questão dos principialistas é a configuração das normas constitucionais, como, por exemplo, os Direitos Fundamentais, em valores éticos e políticos, logo, não são vistos como regras que se aplicam ou não, mas como princípios que se respeitam em maior ou menor grau e, por isso, poderão conflitar-se, de modo a permitir a ponderação. E, por esse motivo, é que a terceira característica, do referido modelo, está no papel da argumentação, naquilo que Dworkin chama de prática interpretativa e Alexy de pretensão de correção, pois para ponderar, torna-se essencial as Teorias sobre a argumentação, bem como as práticas argumentativas, caracterizando a justificação. Além disso, nesse modelo Principalista, a prática argumentativa será confiada aos Juízes. Portanto, o Direito mostra-se como fato e não como norma, descrevendo e prescrevendo. Descreve como é, e prescreve como deveria ser; como é justo. E assim, validade, vigência e eficácia confundem-se.

Isso posto, Ferrajoli, antes de criticar cada uma dessas três características, declara que o Constitucionalismo Garantista ou Juspositivismo reforçado, não é a superação, como muitos entendiam que era do positivismo jurídico. Ao contrário, serve para reforçá-lo, pois a produção das normas não está apenas ligada ao seu aspecto formal, mas também material/substancial.

O Garantismo, portanto, sofistica o positivismo. Dessa forma, tem-se a “sacada” da Teoria, demonstrando que o positivismo jurídico, analisado pelos Principialistas, é o (paleo) positivismo que definia o Direito somente por sua formalidade. Porém, o Garantismo amplia a ideia de Direito, não apenas submetido à formalidade (que também deve ter), mas ao seu conteúdo/substancial (não apenas o ser, mas também o dever ser) e, por isso, a submissão da atividade legislativa ao controle de constitucionalidade.

A legalidade não é, diria o Ferrajoli, como antes no (paleo) positivismo - apenas condicionante da norma, mas é também condicionada à sua própria validade (regula-se não apenas com a forma, mas também o seu conteúdo). Assim, se com o positivismo jurídico paleo tínhamos “o quem” e “como” da produção da norma, com o juspositivismo temos uma melhoria; um acréscimo que o mantém positivista, mas de forma melhorada.

Ademais, os Garantistas entendem que os Direitos Fundamentais são expectativas positivas ou negativas, que incidem como regras e que se diferem das garantias porque essas ou são primárias, e dizem respeito aos deveres que nascem das expectativas, ou são secundárias como processos para valer em juízo. A diferença entre Direitos e Garantias, especialmente está na diferença entre a norma nomoestática - depende da garantia para existir, e nomodinâmica - pode existir direito sem garantia, sendo que a falta da garantia é apenas uma lacuna que cabe ao Poder Público, por meio do legislativo, suprir. Por isso, explica Ferrajoli, ter ou não a garantia não afeta o Direto Fundamental, porque pode existir Direito sem garantia e, mesmo assim, continuará sendo direito. A ausência de garantias, portanto, não fulmina o direito, isto é uma lacuna que deve ser suprida pelo Legislado e não Poder Judiciário.

Estabelecido, portanto, as nuances das Teorias, descreve-se às críticas do Constitucionalismo Garantista ao Constitucionalismo Principialista:

1) Ao antipositivismo Principialista e a tese da conexão entre Direito e Moral – crítica os Principialistas porque são antipositivistas ao conectarem Direito e Moral:

Ferrajoli rebate: não é porque o Garantismo separa direito e moral (contra a versão do legalismo ético) que as normas jurídicas não tenham conteúdo moral ou alguma pretensão de justiça, tampouco não há como negar que no exercício da discricionariedade interpretativa, gerada pela indeterminação da linguagem, o intérprete não seja orientado por questões morais. Daí porque mesmo as normas consideradas imorais ou injustas são justas porque expressam os conteúdos “morais”; subjetivos de quem as produzem (Legisladores). Assim, tanto as Leis como as Constituições têm valores (Ferrajoli denomina normas substanciais sobre a produção) expressos como os Direitos Fundamentais. A diferença é que, na Constituição, os Direitos Fundamentais, frente às Leis Ordinárias, são normas preordenadas e vinculantes. Desse modo, da ideia de que a constituição tem valores como Direitos Fundamentais não se pode sustentar a conexão entre Direito com a moral.

A pretensão de que normas válidas não podem ter conteúdo de injustiça, sob pena de invalidade, não é verdadeira.  Primeiro, porque é confundir o plano de vista interno do Direito com o seu plano externo. Segundo, porque resultaria numa falácia naturalista. Oposto, dirá Ferrajoli, é o Garantismo ao separar o direito da moral, cuja existência ou validade da norma independente de sua justiça ou injustiça, porque uma não implica na outra; a justiça não implica na validade (vice e versa), e, assim, não se entra numa falácia naturalista. O Garantismo não confunde Direito com moral (nega o constitucionalismo ético, inclusive), mas tem consciência de que há o ponto de vista autônomo, anterior ao Direito e, sobre o Direito, que é moral e político, mas isso não permite uní-los. Não se pode confundir validade com justiça: não é porque uma norma é injusta que ela é inválida; o justo ou injusto não afetam o plano normativo. Invalida-se algo não porque é justo ou injusto, mas porque está ou não na Constituição e, por isso, o Juiz, dito “Garantista” faz valer a Constituição independente de ser justo ou injusto. Daí porque o dever ser (validade - dos Juízes) não pode ser confundido com o ser (justiça - dos Legisladores), reparando-se uma suposta falha legislativa com argumentos morais e/ou ponderacionistas.

Para o Garantismo, portanto, a reparação das lacunas e das possíveis antinomias do Direito não será resolvida pelo ativismo judicial, porque não é problema de interpretação, mas sim da política legislativa. 

2) Contraposição entre princípios e regras. O enfraquecimento da normatividade da Constituição:

Os Principialistas diferenciam princípios de regras porque essa estrutura é necessária para entender como funcionam os Direitos Fundamentais, pois, segundo eles, os princípios se apresentam como objetivos políticos/morais que, por serem indeterminados/gerais/dotados de razões prima facie, ponderam-se em caso de conflito e não como as regras que serão subsumidas.

Para o Garantismo a diferença não é entre princípios e regras, porque isso é uma questão de estilo, mas sim entre princípios diretivos e reguladores. Os princípios diretivos são normas de expectativas genéricas e indeterminadas de resultado, ou seja, são os princípios gerais do Direito. Já os princípios reguladores ou imperativos são inderrogáveis, sendo expectativas determinadas (limites ou vínculos), garantias de proibição de lesão ou obrigações de prestação. Os Direitos Fundamentais, portanto, se comportam como regras deônticas, na medida em que são expectativas positivas ou negativas de prestação ou abstenção, funcionando como princípios reguladores. Além disso, das regras derivam-se princípios. Exemplo da regra: “não matar” retira-se o princípio do Direito à Vida, isto é, por trás de cada regra há um princípio. Da mesma forma, princípios regulativos, quando violados, são regras de incidência obrigatória. Exemplo: Princípio da Igualdade, quando violado, surge à regra que proíbe a discriminação, não havendo o que ponderar, mas sim, subsumir. Além disso, a violação de um princípio para incidir no caso concreto, será feito como regra. Portanto, são faces da mesma moeda.

Ademais, os Direitos Fundamentais como princípios, além de retórica, expressam uma relevância política duvidosa, porque visam dizer supostos valores éticos políticos, trazendo implicações práticas, como, por exemplos: a) perda do valor vinculante dos princípios, porque são falíveis/adaptáveis/maleáveis, ou seja, dependem do caso concreto; b) pode causar o abuso pelos intérpretes, notadamente quando se vê a Constituição como um conjunto de princípios morais, que, estando em conflitos, autoriza a discricionariedade argumentativa do intérprete; c) Argumentos morais incentivam a jurisprudência e causam” pan-principiologismo” (princípios criados pelos juízes, sem qualquer base explícita ou implícita como forma de solução - invenção normativa). 

3) Conflitos entre princípios e ponderações: 

Segundo os Principialistas os princípios são ponderáveis e não subsumíveis. Para o Ferrajoli, isto gera perigo da independência da jurisdição e da legitimação política. Os juízes, ao ponderarem os princípios, estão criando o Direito, violando a separação dos poderes. A crítica do Autor, portanto, é sobre a “era da ponderação” como forma de solução dos conflitos, facilitando o ativismo judicial e a discricionariedade dos juízes, quando o adequado é a subsunção, justamente porque a norma é uma regra e não princípio.

Segundo Ferrajoli não se deve negar o papel da ponderação, notadamente a Legislativa pertencente às decisões políticas, bem como a Judicial quanto à interpretação jurídica do fundamento, pois não há como negar os espaços de discricionariedade. A questão levantada é a excessiva ponderação, até porque os princípios reguladores, como vistos, são regras que não serão ponderáveis e sim aplicados como subsunção.  Na ponderação legislativa os princípios diretivos precisam ser ponderados, mas os reguladores não.

Portanto, a partir disso, o novo paradigma do Constitucionalismo Garantista é diferente do Principialista porque rejeita os três elementos Principialistas, ou seja, afasta a conexão entre o direito e a moral; a contraposição entre princípios e regras e a ponderação como método em oposição à subsunção.


Notas e Referências: 

FERRAJOLI Luigi. Constitucionalismo Principialista e Constitucionalismo Garantista. Tradução: André Karam.


Jéssica Gonçalves é Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Formada pela Escola da Magistratura do Estado de Santa Catarina. Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Regional de Blumenau – FURB. Pós-Graduada em Direito Aplicado pela Universidade Regional de Blumenau – FURB. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

Bruna Borges. Bruna Borges é Graduada em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - Unisul. Advogada. Formada pela Escola da Magistratura do Trabalho de Santa Catarina - AMATRA. Pós-Graduada em Direito Constitucional pelo Complexo de Ensino Damásio de Jesus. Pós-Graduanda em Direito do Trabalho. Resenhista do Projeto "Pipoca com Caramelo - acessibilidade em libras".


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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