CONSTITUCIONALIDADE DA COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO ADVOGADO-GERAL DO ESTADO PARA RECEBER CITAÇÃO

28/03/2021

Coluna Advocacia Pública e outros temas jurídicos em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta

O Supremo Tribunal Federal, em 06.03.2021 concluiu o julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº. 5773  em que se discutia a competência exclusiva do Advogado-Geral do Estado de Minas Gerais para recebimento de citações iniciais ou comunicação referente a ação ou processo ajuizado contra o Estado.

O julgamento da ação iniciou em 06.02.2019 com voto do Relator, Ministro Alexandre de Moraes, declarando a inconstitucionalidade formal do art. 7º, inc. III, da Lei Complementar 30/1993 do Estado de Minas Gerais sob o entendimento, em síntese, de que “apesar de não possuir competência para legislar sobre Direito Processual, ao editar a norma, o legislador estadual propiciou o surgimento de severo vício com reflexos na própria validade do ato citatório, dando azo à arguição de nulidade sempre que a comunicação for  entregue no órgão de Advocacia Pública (art 242, §3º, do CPC), não for recebida pelo Procurador-Geral do Estado. Ao agir assim, atuou  para além do que lhe cabia, incorrendo em nítida usurpação de competência federal que encerra violação ao texto constitucional.”

Em seguida, pediu vista dos autos a Ministra Cármen Lúcia que, em cuidadoso exame da questão, proferiu voto divergindo do relator para julgar improcedente a ação, no que foi acompanhada pela maioria do ministros.

O acórdão ainda não foi publicado mas algumas reflexões importantes merecem ser consideradas sobre a citação dos Estados.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi ajuizada pelo Procurador-Geral da República impugnando o art. 7º, inc III, da Lei Complementar mineira nº 30, de 1993, que prevê a competência do Procurador-Geral do Estado, para receber citação inicial, ou comunicação, referente a qualquer ação ou processo ajuizado contra o Estado ou sujeito à intervenção da Procuradoria-Geral do Estado.

A Lei Complementar nº 30, de 1993, organiza a Procuradoria-Geral do Estado, órgão autônomo diretamente subordinado ao Governador do Estado, define sua competência e dispõe sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado. A carreira e a estrutura orgânica já sofreram várias alterações. A denominação atual do cargo é Advogado-Geral do Estado, que é o Chefe da Advocacia-Geral do Estado de Minas Gerais, atual denominação da Procuradoria-Geral do Estado. O dispositivo impugnado que prevê a competência para receber citação permanece em vigor.

A petição inicial sustentava ofensa aos arts 5º, LXXVIII, 22, inciso I, e 37, caput, da Constituição da República, resultando em inconstitucionalidade formal e material, tendo em vista a competência privativa da União para legislar sobre direito processual.

Alegou a Procuradoria-Geral da República que esta competência foi exercida pela União com a edição do Código de Processo Civil, Lei 13.105, de 2015, que estabelece no §3º do art. 242 que a citação da União, dos Estados, do DF e dos Municípios será perante o órgão da advocacia pública responsável por sua representação judicial.

A referida norma processual, contudo, não dá suporte a alegação da douta Procuradoria-Geral da República de que o Estado poderia, então, ser citado na figura de qualquer procurador do Estado, sobretudo quando apreciado o art. 242 do CPC em conjunto com as demais normas do diploma processual.

Verifica-se que a competência outorgada ao Advogado-Geral do Estado pelo art. 7º da Lei Complementar mineira nº30/90 para receber citação constitui norma de organização interna de órgão da administração direta do Estado de MG.

Encontra-se, assim, em harmonia com o texto constitucional, em especial com o princípio insculpido no “caput” do art. 25 da CF, pelo qual “os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e Leis que adotarem”, resguardadas as competências que lhes sejam vedadas.

Incontroverso que a autonomia dos estados federados constitui um dos elementos essenciais à própria conceptualização do Estado DEMOCRÁTICO DE DREITO, como se posicionam a doutrina e o próprio Supremo Tribunal Federal. E a repartição de competência é também um elemento definidor da federação.

Sendo assim, imutáveis a soberania da União e a autonomia dos Estados, Distrito Federal e Municípios, destaca-se o art. 25 da Constituição Federal, do qual decorre o poder do Estado para exercer a competência que lhe fora reservada e que não é vedada pelo texto constitucional.

A par disso, o art. 24, caput, da Constituição Federal conferiu aos Estados poderes para legislar, concorrentemente, sobre as matérias elencadas nos incisos I a XVI e parágrafos 1º a 4º, dentre as quais insere-se o inc. XI que confere prerrogativa ao Estado para legislar sobre “procedimentos em matéria processual”.

Com efeito, analisando o disposto no art. 242, § 3º, do CPC, fundamento da  Ação Direta de Inconstitucionalidade, verifica-se que o legislador federal apenas determina que a “citação” dos entes públicos será perante o ÓRGÃO de Advocacia Pública “responsável por sua representação judicial.” Não há qualquer menção ou especificação ou detalhamento de como será realizado este procedimento processual.

O Código de Processo Civil ao prever a citação do Estado em nome do seu representante não prevê que citação seja realizada em qualquer representante. No caso do Estado de Minas Gerais, são cerca de 460 procuradores em exercício.

Observa-se que o art. 105 do Código de Processo Civil prescreve que a procuração geral para o foro não habilita o advogado para o recebimento de citação. O mesmo dispositivo prevê que o poder para receber citação deve ser expressamente conferido pela parte a seu advogado.

Observa-se, também, que a Constituição da República de 1988, em seu artigo 132, determina que os procuradores do Estado, organizados em carreira, representam o Estado-membro, judicial e extrajudicialmente; ou seja confere ao procurador do estado capacidade postulatória. E como deflui do art. 105 do CPC, tal capacidade não inclui o poder especial para receber citação que deve ser expresso no instrumento de mandato.

Na legislação mineira questionada na ação, o poder para receber citação foi explicitamente conferido ao Procurador-Geral do Estado, por força do artigo 7º, I, da LC 30/93.

Importa inda esclarecer que a atribuição por lei, ao Procurador Geral do Estado, para receber citação visa propiciar o pleno exercício de defesa pelo ente federado. É que sendo a carreira composta por inúmeros procuradores do Estado, distribuídos em vasto território geográfico, a centralização da citação na pessoa do Advogado-Geral do Estado permite o devido controle das ações, a sua catalogação por assuntos envolvidos, de modo a possibilitar a especialização das defesas a serem empreendidas.

Trata-se, portanto, do exercício da competência de auto-organização em prol da eficiência da defesa em juízo do ente federado, em nada prejudicando a celeridade processual.

É de se destacar, ainda, que vários entes federados utilizam-se da competência prevista do art. 25, caput, da CR/88 para fixar quais os detentores de cargos da carreira ou nomes de seus representantes legais são competentes para receber a citação.

Tanto é que 23 (vinte três)  Estados da federação e o Distrito Federal, em petição conjunta, defenderam a constitucionalidade da norma mineira e tiveram admitido o ingresso nos autos na qualidade de amici curiae.

Enfatize-se, ainda, que o dispositivo impugnado é norma de caráter organizacional e procedimental, e encontrava-se plenamente em vigor desde 1993, ou seja, há 25 anos, sem qualquer questionamento e é manifestamente constitucional, tanto no aspecto formal quanto material.

Outro, portanto, não poderia ser o voto proferido pela eminente Ministra Cármen Lúcia ao não vislumbrar inconstitucionalidade pois “a norma que indica o destinatário da citação no órgão da Advocacia Pública estadual enquadra-se como modelo procedimental complementar à sistemática processual civil, decorrente da autonomia dos entes federados em estruturar-se administrativamente .”

Quanto a alegação de que a norma contrariaria os princípios constitucionais da razoável duração do processo e da eficiência importante destacar o entendimento da Ministra Cármen Lúcia no sentido de que “a estruturação interna e a divisão de tarefas da Advocacia-Geral do Estado busca racionalizar de forma sistêmica o exercício do direito de defesa do Estado e aperfeiçoar o desenvolvimento das atividades . E pontua:

“Ademais, os processos eletrônicos adotados pelo Poder Judiciário brasileiro, alinha-se ao desenvolvimento tecnológico à efetiva e célere prestação jurisdicional e esvaziam a argumentação assim exposta.

O debate posto na presente ação se exaure ou, ao menos, está em vias de exaurir-se pela ampla utilização dos processos eletrônicos, com medida e procedimentos, preferencialmente, adotados na forma do art. 270 do Código de Processo Civil, pelo qual se prevê que “as intimações realizam-se, sempre que possível, por meio eletrônico, na forma da lei”

Assim, conclui-se que a regra de citação dos Estados  na pessoa de seu Advogado-Geral ou Procurador-Geral, nomeado dentre os integrantes da carreira, não constitui hipótese de ingerência do Estado em matéria privativa da União, tampouco afeta a celeridade processual, mas é resultado da autonomia dos Estados-membros que possuem a prerrogativa de auto-organização, autogoverno e auto-administração, nos termos dos artigos 2º e  25 da  CR /88.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Justice // Foto de:Becky Mayhew // Sem alterações

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