Constelações Sistêmicas aplicadas na resolução de conflitos familiares

20/09/2017

Por Camila Schroeder Lucachinski e Márcia Sarubbi Lippmann - 20/09/2017

Constelação Sistêmica, ou também chamada de Constelação Familiar quando aplicada especificamente aos sistemas familiares, é método psicoterapêutico realizado por meio de representações e aplicado segundo a metodologia da abordagem Sistêmico-fenomenológica[1].

Para Hélio Apoliano Cardoso[2], Constelação Familiar é dinâmica terapêutica que tem por escopo vislumbrar todo o corpo social de uma família quando o que se pretende é a solução de conflitos, sejam eles do âmbito familiar ou não.

Referida técnica é capaz de acessar o Campo Morfogenético[3] da família, que é onde estão todas as suas informações emocionais e psicológicas, e por isso é capaz de identificar desordens, conflitos e pontos de tensão emocional e psicológica no sistema familiar que condicionam o comportamento dos sujeitos que o compõe sem que, na maioria das vezes, se deem conta[4].

Bert Hellinger[5], desenvolvedor da técnica psicoterapêutica, explica que a Constelação Familiar toma como pressuposto metodológico que, nos sistemas familiares, questões vivenciadas por gerações anteriores, como, por exemplo, mortes precoces, suicídios, tragédias, depressões e conflitos entre ascendentes e descendentes, podem inconscientemente afetar a vida de seus familiares com novos suicídios, relações de conflito, transtornos físicos e psíquicos, dificuldade de estabelecer relações duradouras com parceiros e conflitos intermináveis entre familiares.

O Autor chama isso de herança afetiva, que é a transmissão transgeracional de conflitos emocionais ou psíquicos e que acaba criando um verdadeiro emaranhado. Um ancestral deixa situações por resolver dentro do sistema e seus descendentes, conscientemente ou não, carregarão consigo os sentimentos e pensamentos oriundos desse conflito, que, devido à herança afetiva, muitas vezes acabam reproduzindo-o em suas vidas e perpetuando a transmissão às gerações futuras[6].

Sendo assim, verifica-se que, através da técnica de Constelação Familiar, é possível analisar se no sistema familiar de determinado indivíduo existem emaranhados nos quais ele possa estar envencilhado, para, então, orientá-lo na análise e entendimento desses emaranhados e, assim, entender a causa e as possíveis soluções para problemas específicos. Tais problemas, ou conflitos, podem ser os mais variados possíveis, desde transtornos emocionais e psíquicos até questões profissionais.

Na prática, as vivências de Constelação Familiar podem ser feitas de forma individual ou em grupo. Em ambas, para que tanto o constelador como a pessoa que busca a técnica possam visualizar o emaranhado, são feitas representações. Na modalidade grupal, tais representações são realizadas com o auxílio dos participantes do grupo, enquanto na Constelação individual são feitas através de figuras, bonecos ou desenhos[7].

As representações consistem numa espécie de simulação do sistema. Nelas, constelador e constelado posicionam as pessoas, ou as figuras e bonecos, para representar os componentes do sistema familiar.

Aplica-se a técnica de Constelação nos mais variados conflitos entre pais e filhos, como aqueles que ficam emocional e financeiramente dependente dos pais na vida adulta, em doenças de cunho psicossomático, no uso de drogas, nos conflitos entre irmãos, na superação de determinados hábitos e na busca pela melhora do desempenho profissional[8].

Paulo Pimont[9], em entrevista concedida para o desenvolvimento deste estudo, afirma que as Constelações podem ser aplicadas nas mais variadas situações que envolvam conflitos tanto interpessoais quanto intrapessoais. Afirma ainda que não vê maior ou menor efetividade na aplicação da técnica entre um ou outro tipo de conflito.Referido constelador entende que o momento e o tema a ser constelado depende da abertura da pessoa que procura a técnica.

Sami Storch, juiz titular da 2ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões da comarca de Itabuna (BA), foi pioneiro na aplicação das Constelações Familiares no Judiciário brasileiro[10].

A prática do magistrado considera a existência das leis sistêmicas, tanto na conciliação, no julgamento e no atendimento às partes quanto na sua própria postura diante de qualquer lide. Realizando uma abordagem sistêmica, o magistrado passa a agir da forma mais adequada quando o objetivo principal é conduzir as partes à um acordo efetivo, à verdadeira paz[11].

Destarte, infere-se que, ao assumir uma postura sistêmica, aquele que conduz uma solução pacífica trata o conflito levado até si como algo sintomático e conduz as partes a enxergarem as reais motivações que as levaram àquela situação conflituosa.

A utilização da técnica no Judiciário encontra respaldo legal na resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, porquanto estimula práticas capazes de proporcionar tratamento adequado aos conflitos judicializados[12].

Referida resolução institui a Política Nacional de Tratamento dos Conflitos de Interesses, que visa assegurar o direito à solução de conflitos através de meios adequados, de acordo com a natureza e peculiaridades de cada conflito.

Ademais, o Código de Processo Civil de 2015 dá especial atenção aos métodos alternativos de solução de conflitos. Da leitura do referido caderno normativo, infere-se que a aplicação de técnicas como a de Constelação Familiar está em perfeita consonância com o ordenamento processual civil brasileiro[13].

Na prática, quanto á aplicação da técnica, o Conselho Nacional de Justiça afirma que, naqueles Estados em que a técnica já é aplicada, ela é utilizada “como reforço antes das tentativas de conciliação”[14].

Sami Storch explica que realiza uma vivência coletiva, convidando as partes envolvidas em processos que tenham temáticas afins, como guarda, alimentos ou divórcio, e realiza uma palestra-vivência, na qual explica como atuam as leis sistêmicas, exemplifica como o seu desrespeito gera emaranhados nas famílias e realiza algumas Constelações[15].

Destarte, o próprio magistrado realiza a Constelação e tem como objetivo final uma solução que vá além do simples acordo reduzido em ata e homologado pelo juiz em audiência, mas sim que produza uma solução concreta, profunda e duradoura[16]. Segundo Sami Storch, com a aplicação da técnica, o índice de satisfação dos acordos na vara de sua titularidade chegou a 91%[17].

No contexto catarinense, a magistrada Vânia Petermann, titular do Juizado Especial Cível e Criminal da Trindade, da comarca da Florianópolis, explica que desde que ingressou na magistratura, há mais de vinte anos, trata dos conflitos sob um prisma sistêmico.

A magistrada conta que percebia grande resistência nas partes em olhar e falar diretamente uma com a outra. Com isso, percebeu que alguns movimentos seus durante a audiência melhoravam o resultado da conversa, tanto entre as partes, como entre elas e a juíza.

Assumindo uma postura sistêmica nas audiências de conciliação e mediação, e também aplicando o psicodrama, Vânia Petermann percebeu que entre as partes passou a imperar uma compreensão recíproca das posturas e interesses de cada um, “um compreendia mais as necessidades e sentimentos do outro e eles chegavam a um acordo”[18].

Buscando cada vez mais realizar uma abordagem sistêmica dos conflitos trazidos à vara de sua titularidade, a magistrada conheceu as Constelações Familiares e o trabalho de Sami Storch, momento em que, em conjunto com o constelador voluntário Paulo Pimont, em outubro de 2016, deu início às vivências de Constelações dentro da Oficina Conversas de Família, que, por sua vez, já acontecia desde 2015 e tem por objetivo a abordagem multidisciplinar de conflitos familiares[19].

Quanto ao momento e forma de realização da Constelação, diferentemente do que é feito por Sami Storch, Vânia Petermann entende que o juiz não deve participar da vivência, porque, caso não haja composição depois da Constelação, o juiz viu além do aparente[20].

Destarte, quando do recebimento da petição inicial, as partes são convidadas a comparecer na oficina, que reúne partes de ações com objetos comuns e é guiada por Paulo Pimont, psicoterapeuta e constelador que realiza trabalho voluntário dentro da oficina Conversas de Família, e pela servidora Marília Luci Vieira, de modo que a magistrada faz apenas uma fala inicial, explicando os objetivos da oficina e da importância e benefícios da resolução alternativa de conflitos[21].

Atualmente, referida oficina já funciona de uma forma coordenada. As partes ingressam com o processo e, assim que a petição inicial é recebida, são convidadas a comparecer à oficina, sem qualquer obrigação de comparecimento ou incitação à composição. A participação é programada para ocorrer pelo menos três meses antes da audiência de mediação e conciliação para que, quando da audiência, a vivência da oficina já tenha causado efeitos e reflexões naqueles que participaram[22].

No que se refere aos resultados obtidos, muito embora a análise estatística ainda estar em fase inicial, a magistrada afirma que o número de processos instruídos na vara diminuiu consideravelmente, de modo que há uma composição efetiva e não recidiva das partes que participam da oficina até a realização da audiência de conciliação e mediação[23].

Ainda quanto aos resultados obtidos com a aplicação das Constelações, na Vara Cível, de Família, Órfãos e Sucessões do Núcleo Bandeirante, do Distrito Federal, em menos de um ano de realização das vivências de Constelação, o índice de acordos alcançados foi de 86%, considerando aqueles processos em que ambas as partes participaram[24].

No âmbito nacional, o Conselho Nacional de Justiça, em outubro de 2016, estimou que pelo menos 11 estados (Goiás, São Paulo, Rondônia, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Alagoas e Amapá) e o Distrito Federal já utilizam “a dinâmica da "Constelação Familiar" para ajudar a solucionar conflitos na Justiça brasileira”[25]. Das pesquisas aqui expostas, verifica-se que, além os Estados mapeados pelo CNJ até o presente momento, há de se incluir também o Estado de Santa Catarina.

Sendo assim, com o trabalho de profissionais que buscam realizar uma abordagem sistêmica do Direito e, com isso, fazem uso de técnicas alternativas para a resolução de conflitos levados ao Judiciário, como por exemplo o dos magistrados e consteladores citados nesta pesquisa, infere-se que a aplicação das Constelações Familiares na resolução de conflitos familiares é técnica capaz de gerar resultados efetivos que levem à solução pacífica, efetiva e duradoura aos sistemas familiares.

Assim, objetivando verificar, por meio das representações feitas por pessoas, bonecos ou figuras, se as Ordens do Amor foram e estão sendo respeitadas dentro de um sistema, a Constelação Familiar é técnica capaz, ou potencialmente capaz, de reestabelecer o diálogo, harmonia e paz nas relações interpessoais.

Pode-se observar, por fim, que a aplicação das Constelações no âmbito jurídico está crescendo e conta com o incentivo do Conselho Nacional de Justiça e de vários Tribunais e profissionais do país. Assim, vislumbra-se o potencial crescimento na adesão da técnica e da abordagem sistêmica de conflitos por juízes, advogados e demais operadores do Direito.[26]


Notas e Referências:

[1] ROSA, Amilton Plácido da. Direito Sistêmico: A Justiça Curativa, de Soluções Profundas e Duradouras.

[2] CARDOSO, Hélio Apoliano. Direito de Família à Luz da Constelação Familiar e do Direito Sistêmico.

[3] Estruturas de probabilidade, nas quais as influências dos tipos passados mais comuns se combinam para aumentar a probabilidade de repetição destes tipos. SHELDRAKE, Rubert. A Ressonância Mórfica e a Presença do Passado. Lisboa (Portugal): Instituto Piaget, 1995.

[4] BRAGA, Ana Lucia de Abreu. Psicopedagogia e Constelação Familiar Sistêmica: Um Estudo de Caso. Revista Psicopedagogia. São Paulo, v. 26, nº 80, p. 274-285, 2009.   Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84862009000200012&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 16/04/2017.

[5] HELLINGER, Bert. Ordens do Amor: Um Guia Para o Trabalho com Constelações Familiares.

[6] HELLINGER, Bert. Ordens do Amor: Um Guia Para o Trabalho com Constelações Familiares.

[7] BRAGA, Ana Lucia de Abreu. Psicopedagogia e Constelação Familiar Sistêmica: Um Estudo de Caso.

[8] OLIVEIRA JUNIOR, Décio Fábio de; OLIVEIRA, Wilma Costa Gonçalves. Esclarecendo as Constelações Familiares.

[9] Psicoterapeuta, constelador e formador de consteladores no Instituto Ipê Roxo, em Florianópolis. Também atua como psicoterapeuta e constelador voluntário junto ao Juizado Especial Cível e Criminal da Trindade, na comarca de Florianópolis (SC).

[10] ROSA, Amilton Plácido da. Direito Sistêmico: A Justiça Curativa, de Soluções Profundas e Duradouras.

[11] STORCH, Sami. Direito sistêmico na TV – As Contribuições das Constelações de Hellinger no Judiciário. Disponível em https://iperoxo.com/2016/09/09/direito-sistemico-na-tv-as-contribuicoes-das-constelacoes-de-hellinger-no-judiciario/. Acesso em 10/07/2017.

[12] Agência CNJ de Notícias. “Constelação Familiar” ajuda a humanizar práticas de conciliação no Judiciário. Disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83766-constelacao-familiar-ajuda-humanizar-praticas-de-conciliacao-no-judiciario-2. Acesso em 05/08/2017.

[13] TARTUCE, Fernanda. Mediação no Novo CPC: questionamentos reflexivos. Disponível em http://www.fernandatartuce.com.br/wp-content/uploads/2016/02/Media%C3%A7%C3%A3o-no-novo-CPC-Tartuce.pdf. Acesso em 20/07/2017.

[14] Agência CNJ de Notícias. “Constelação Familiar” ajuda a humanizar práticas de conciliação no Judiciário.

[15] STORCH, Sami. Direito sistêmico na TV – As Contribuições das Constelações de Hellinger no Judiciário.

[16] STORCH, Sami. Direito sistêmico na TV – As Contribuições das Constelações de Hellinger no Judiciário.

[17] Agência CNJ de Notícias. Justiça restaurativa e constelações familiares avançam no Paraná. Disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/84704-justica-restaurativa-e-constelacoes-familiares-avancam-no-parana. Acesso em 20/08/2017.

[18] PETERMANN, Vânia. Juíza titular do Juizado Especial Cível e Criminal da Trindade, comarca de Florianópolis (SC). Conteúdo extraído de entrevista concedida para a elaboração desta pesquisa em 18/05/2017.

[19] Assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Multidisciplinaridade faz projeto “Conversas de Família” ter baixa recidiva em ações. Disponível em https://portal.tjsc.jus.br/web/sala-de-imprensa/-/multidisciplinaridade-faz-projeto-%60conversa-de-familia%C2%BF-ter-baixa-recidiva-em-acoes?redirect=https%3A%2F%2Fportal.tjsc.jus.br%2Fweb%2Fsala-de-imprensa%2Fnoticias%2Fvisualizar%3Bjsessionid%3D18F45A6A0EA81442D4F344512B5D0034%3Fp_p_id%3D101_INSTANCE_Mooje1VU08hX%26p_p_lifecycle%3D0%26p_p_state%3Dnormal%26p_p_mode%3Dview%26p_p_col_id%3D_118_INSTANCE_6JBfezjkOU7u__column-2%26p_p_col_count%3D1. Acesso em 12/07/2017.

[20] PETERMANN, Vânia. Juíza titular do Juizado Especial Cível e Criminal da Trindade, comarca de Florianópolis (SC). Conteúdo extraído de entrevista concedida para a elaboração desta pesquisa em 18/05/2017.

[21] Assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Multidisciplinaridade faz projeto “Conversas de Família” ter baixa recidiva em ações.

[22] PETERMANN, Vânia. Juíza titular do Juizado Especial Cível e Criminal da Trindade, comarca de Florianópolis (SC). Conteúdo extraído de entrevista concedida para a elaboração desta pesquisa em 18/05/2017.

[23] Assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Multidisciplinaridade faz projeto “Conversas de Família” ter baixa recidiva em ações.

[24] Revista Consultor Jurídico. Doze Tribunais adotam técnica alemã de conciliação em conflitos. Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-nov-01/doze-tribunais-adotam-tecnica-alema-conciliacao-conflitos. Acesso em 20/07/2017.

[25] Agência CNJ de Notícias. “Constelação Familiar” ajuda a humanizar práticas de conciliação no Judiciário.


Camila Schroeder Lucachinski. Camila Schroeder Lucachinski é acadêmica do décimo período de Direito na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). É auxiliar jurídico no escritório Brasil Fernandes Advogados Associados, no qual auxilia principalmente na área do Direito de Família e Métodos Alternativos de Solução de Conflitos, áreas em que possui especial interesse de pesquisa.


Márcia Sarubbi Lippmann. Márcia Sarubbi Lippmann é mestre em Direito, mediadora, consteladora sistêmica e professora de Métodos Alternativos de Solução de Conflitos. É autora do livro "Direito Sistêmico: aplicação das leis sistêmicas de Bert Hellinger ao direito de família e ao direito penal". .


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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