CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO (parte 1)

15/08/2019

A Lei nº 9.613/98 dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, além da prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos nela previstos. A Lei é dividida em 10 capítulos: I – Dos Crimes de “Lavagem” ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores; II – Disposições Processuais Especiais; III – Dos Efeitos da Condenação; IV – Dos Bens, Direitos ou Valores oriundos de Crimes praticados no Estrangeiro; V – Das Pessoas sujeitas ao Mecanismo de Controle; VI – Da Identificação dos Clientes e Manutenção de Registros; VII – Da Comunicação de Operações Financeiras; VIII – Da Responsabilidade Administrativa; IX – Do Conselho de Controle de Atividades Financeiras; e X – Disposições Gerais.

O objetivo principal desse diploma é dar contribuição ao combate ao crime organizado em nível transnacional.

A “lavagem de dinheiro” (tradução literal de “money laundering” – expressão utilizada no começo do século passado pela polícia norte-americana, em razão de a máfia possuir lavanderias como empresas de fachada para justificar seus ganhos ilícitos) é um dos mecanismos mais eficientes, por suas múltiplas formas, de financiar a criminalidade organizada, possibilitando às organizações criminosas e aos criminosos em geral apresentarem justificativas aparentemente lícitas para seus ganhos ilícitos.

A tipificação da “lavagem de dinheiro” constitui um instrumento visando ao combate da “macrocriminalidade”, na medida em que se pretende punir com a lei penal a cogitação (p. ex., o crime de associação criminosa – art. 288), o próprio crime (p. ex., tráfico de drogas) e finalmente o lucro com o crime (lavagem de dinheiro propriamente dita).

De acordo com a brilhante lição de Marco Antonio de Barros (Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 25), “a ‘lavagem’ de capitais é produto da inteligência humana. Ela não surgiu do acaso, mas foi e tem sido habitualmente arquitetada em toda parte do mundo. A bem da verdade, é milenar o costume utilizado por criminosos no emprego dos mais variados mecanismos para dar aparência lícita ao patrimônio constituído de bens e capitais obtidos mediante ação delituosa. Trata-se de uma consequência criminológica caracterizadora do avanço da criminalidade em múltiplas áreas”.

Assim, constitui a lavagem de dinheiro o método pelo qual um indivíduo ou uma organização criminosa processa os ganhos obtidos em atividades ilegais, buscando trazer para tais ganhos a aparência de licitude.

Ou, ainda, na lição de Carla Veríssimo de Carli (Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso, Porto Alegre: Verbo Jurídico. p. 116), “o processo de legitimação de capital espúrio, realizado com o objetivo de torná-lo apto para uso, e que implica, normalmente, em perdas necessárias”.

Nesse último caso, salienta a referida autora, “como as operações de lavagem de dinheiro não se orientam por uma ótica econômica, é possível encontrar negócios que dão prejuízo e que, mesmo assim, sigam sendo explorados; ou empresários que preferem declarar mais renda do que efetivamente percebem em um empreendimento, tendo, por isso, que pagar mais impostos. São as chamadas operações ‘non sense’, que não fazem sentido. Não fazem sentido desde uma ótica comercial (por exemplo, não faz sentido ter prejuízo e manter o negócio). No entanto, fazem sentido como lavagem de dinheiro, como operações destinadas a trazer uma aparência de licitude. As perdas são o custo do negócio de legitimar o dinheiro” (ob. cit., p. 116).

A lavagem de dinheiro é composta, em regra, de três fases:

a) Conversão, também chamada de ocultação ou colocação (“placement”), em que o dinheiro é aplicado no sistema financeiro ou transferido para outro local – normalmente, movimenta-se o dinheiro em pequenas quantias – para diluir ou fracionar as grandes somas. Nessa fase, ocorre a separação do dinheiro de sua fonte ilegal.

b) Dissimulação, também chamada de controle ou estratificação (“empilage”), que objetiva dissociar o dinheiro da sua origem, dificultando a obtenção de sua ilegalidade (rastreamento) – geralmente o dinheiro é movimentado de forma eletrônica, ou depositado em empresas-fantasma, ou misturado com dinheiro lícito. O objetivo, aqui, é afastar o máximo possível o dinheiro de sua origem ilegal, através de múltiplas transações.

c) Integração (“integration”), fase final e exaurimento da lavagem de dinheiro, em que o agente cria explicações legítimas para os recursos, aplicados, agora de modo aberto, como investimentos financeiros ou compra de ativos (ouro, ações, veículos, imóveis etc.) – podem surgir as organizações de fachada.

Existem inúmeras técnicas de lavagem de dinheiro, que se modernizam com o passar do tempo e com o incremento de novas tecnologias, buscando impedir ou dificultar a sua constatação.

Entretanto, ainda subsistem os métodos mais comuns e antigos, tais como: 1) mescla (“commingling”) – o agente da lavagem mistura seus recursos com os recursos legítimos; 2) empresa de fachada – entidade legalmente constituída que participa ou aparenta participar de negócios lícitos, mas possui como escopo a lavagem de dinheiro; 3) contrabando de dinheiro, ou seja, transporte físico do dinheiro.

Existem, ainda, outras técnicas de lavagem, mencionadas por Marco Antonio de Barros (Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 25), tais como cheques administrativos, cheques pessoais, ciberpagamentos, cibermoeda e cibercheques, ordens de pagamento, transferência eletrônica de fundos, compra e venda em bolsas de mercadorias, movimentação de capital com cartão de crédito, faturas falsas de importação e exportação, transação imobiliária com falsa declaração, negociação com jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidades, sorteios e premiações, loterias e bingos.

A objetividade jurídica da Lei nº 9.613/98 é a tutela da Administração da Justiça, não limitada apenas ao exercício da jurisdição, mas, inspirada na legislação italiana, ao normal funcionamento da atividade judicial. Aliás, a nossa lei possui muitos aspectos que foram inspirados na legislação italiana.

Há outras correntes doutrinárias que sustentam ser a objetividade jurídica do crime de lavagem de dinheiro a tutela do patrimônio, da ordem econômica, do sistema financeiro etc.

Com relação à tipificação da conduta, o crime, que será analisado em um próximo artigo, vem previsto no art. 1º da lei, com a redação dada pela Lei nº 12.683/12, consistindo em “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.”

 

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