CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE ABORTO NO BRASIL  

09/08/2018

O tema do aborto volta às manchetes dos noticiários de todo o País por conta da recente audiência pública sobre a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação, que teve lugar no Supremo Tribunal Federal.

A audiência foi convocada como parte da preparação para o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 442, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade para questionar os artigos 124 e 126 do Código Penal. Nos dois dias de audiência, foram ouvidos 60 especialistas do Brasil e do exterior, entre eles pesquisadores de diversas áreas, profissionais da área de saúde, juristas, advogados e representantes de organizações da sociedade civil de defesa dos direitos humanos e entidades de natureza religiosa.

Aborto pode ser conceituado como a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção.

Existem várias espécies de aborto:

  1. a) aborto natural, também chamado de aborto espontâneo, onde há a interrupção espontânea da gravidez, como no caso, por exemplo, de problemas de saúde da gestante;
  2. b) aborto acidental, que ocorre geralmente em consequência de traumatismo, como nos casos de queda e atropelamento da gestante;
  3. c) aborto criminoso, também chamado de aborto provocado, punido pela lei penal, que se divide em:

— autoaborto, que é aquele provocado pela própria gestante em si mesma;

— aborto consentido, em que a gestante consente que outrem lhe provoque o aborto;

— aborto provocado por terceiro com o consentimento da gestante;

— aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante;

— aborto qualificado, quando ocorre lesão corporal de natureza grave ou morte da gestante em razão das manobras abortivas.

  1. d) aborto legal, que é aquele tolerado pela lei penal, que se divide em: aborto terapêutico, também chamado de aborto necessário, empregado para salvar a vida da gestante ou para afastá-la de mal sério e iminente, em decorrência de gravidez anormal, e aborto sentimental, também chamado de aborto ético ou aborto humanitário, que ocorre no caso de gravidez resultante de estupro;
  2. e) aborto eugenésico, também chamado de aborto eugênico, que visa impedir a continuação da gravidez quando há possibilidade de que a criança nasça com anomalias graves.
  3. f) aborto social, também chamado de aborto econômico, realizado para impedir que se agrave a situação de penúria ou miséria da gestante e de sua família;
  4. g) aborto “honoris causa”, praticado em decorrência de gravidez “extra matrimonium”.

O aborto eugenésico, o aborto social e o aborto “honoris causa” não são admitidos pela nossa lei penal e, na sua ocorrência, são tratados como aborto criminoso.

A objetividade jurídica do crime de aborto é a proteção do direito à vida humana em formação, a chamada vida intrauterina. Foi comprovado cientificamente que, desde a concepção (fecundação do óvulo), existe um ser em criação, que cresce, se aperfeiçoa, assimila substâncias, tem metabolismo orgânico exclusivo e, nos últimos meses de gravidez, se movimenta e revela atividade cardíaca, executando funções típicas de vida.

Protege a lei penal, também, a vida e a integridade física da gestante, no caso de aborto provocado sem o seu consentimento.

Sujeito ativo do crime é a gestante, nos casos de autoaborto e aborto consentido. Pode ser qualquer pessoa nos demais casos previstos em lei. Sujeito passivo, segundo a maioria da doutrina, é o feto, entendido como o ser em qualquer fase de formação. A gestante também é vítima quando o aborto é praticado sem o seu consentimento.

A conduta do aborto consiste na destruição do produto da concepção, expressa pelo verbo provocar, que significa dar causa, produzir, originar, promover. Qualquer meio comissivo ou omissivo, material ou psíquico, integra a conduta típica. Sendo o meio empregado inteiramente ineficaz, como ocorre,por exemplo, na aplicação de injeção sem efeito abortivo, haverá crime impossível. O mesmo ocorre no caso de manobras abortivas praticadas em mulher que não se encontra grávida ou dirigidas a feto já morto.

É imprescindível, para a caracterização do crime de aborto, a prova do estado fisiológico da gravidez. Exige-se, também, a prova de vida do feto, assim como exame de corpo de delito na mãe para comprovar a ocorrência do abortamento.

Se não for possível o exame pericial direto, por terem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal ou documental poderá suprir-lhe a falta.

O aborto é um crime doloso. Não é admitida a modalidade culposa. Já o terceiro que causa aborto culposamente responde pelo crime de lesão corporal culposa (de natureza gravíssima, segundo o disposto no art. 129, § 6.º, c/c o § 2.º, V, do CP).

Consuma-se o aborto com a interrupção da gravidez e a consequente morte (destruição) do produto da concepção. Em sendo crime material, admite-se a tentativa de aborto quando, provocada a interrupção da gravidez, o produto da concepção não morre por circunstâncias alheias à vontade do agente. Admite-se a tentativa, também, quando as manobras abortivas não interrompem a gravidez ou quando provocam apenas aceleração do parto, com a sobrevivência do neonato.

Poderá, eventualmente, existir concurso material entre tentativa de aborto e infanticídio, quando o feto, embora interrompida a gravidez, nasce com vida e é morto em seguida pela mãe.

No art. 128 do Código Penal vêm estampadas as hipóteses do chamado aborto legal. Não se pode dizer, a rigor, que o Código Penal permite o aborto nessas hipóteses, que consistiriam em verdadeiras causas excludentes da antijuridicidade.

Cremos que a melhor solução seja mesmo a de considerar essas hipóteses previstas em lei como causas de exclusão da culpabilidade, em que persistiria o crime, ausente apenas a punibilidade.

Essas modalidades de aborto, urge ressaltar, para gozarem da tolerância legal, devem ser praticadas por médico.

No caso de enfermeira ou outro profissional que auxilie o médico nesses procedimentos legais, tem prevalecido o entendimento de que a causa de exclusão de culpabilidade a eles também se estende.

A primeira hipótese legal de aborto é o aborto necessário, também chamado de aborto terapêutico, que é praticado quando não há outro meio de salvar a vida da gestante.

Parte da doutrina entende que haveria, nesse caso, verdadeiro estado de necessidade, a ensejar a exclusão da ilicitude da conduta do médico, exclusão esta que também alcançaria aquela pessoa que não tivesse essa qualidade profissional, como no caso de parteiras etc. Entretanto, merece ser lembrado que o estado de necessidade somente tem lugar na presença de perigo atual, que não é exigido pelo art. 128, I, do Código Penal, levando ao entendimento de que basta a certeza da morte da gestante para que o aborto necessário leve o médico à isenção de pena. Se o agente não for médico, poderá apenas praticar o aborto se presente o perigo atual para a vida da gestante, evidenciando-se assim o estado de necessidade de terceiro como causa excludente da antijuridicidade.

A segunda hipótese legal é o aborto no caso de gravidez resultante de estupro, também chamado de aborto humanitário, aborto sentimental, aborto ético ou aborto piedoso. É preciso deixar claro que, nessa modalidade de aborto, não há necessidade de prévia autorização judicial. Deve o aborto, entretanto, ser praticado por médico, dependendo ainda de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Nesse sentido, vale consultar a Portaria nº 1.508/GM, de 1º de setembro de 2005, do Ministério da Saúde, que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez, nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde — SUS.

Também a Lei nº 12.846/13, que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual, estabelecendo, em seu art. 1º, que os hospitais devem oferecer às vítimas de violência sexual atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando ao controle e ao tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual, e encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social.

Merece ser ressaltado, por fim, que a interrupção da gravidez de feto anencéfalo não constitui aborto criminoso, não se tratando também de aborto eugenésico. Em razão da inviabilidade de vida fora do ventre materno, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 54, manifestou-se sobre a possibilidade de aborto nestes casos, não constituindo a interrupção dessa gravidez fato típico.

 

Imagem Ilustrativa do Post: MakingOff_005_080215.jpg // Foto de: Leandro Monteiro // Sem alterações

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