Conhecer a complexa atividade do tabelião de notas e sua função democrática

05/07/2016

Por Juliana Ferreira de Moraes Farris - 05/07/2016

Muito mais do que refletir num pensamento consensual difundido entre os diversos níveis sociais, a visão que se tem do delegatário de serviços extrajudiciais ou “cartorário”, conforme conhecido popularmente, é de que se trata de pessoa abastada, que trabalha pouco e se beneficia da prática de uma atividade/serviço público, o qual alcançou sem muitos méritos.

Infelizmente, seja por puro desconhecimento ou veemente má-fé, fato é que tal visão engessada não se coaduna com a grande carga de responsabilidade que recai sobre tal profissional, a qual pode ser medida desde os primeiros momentos de sua jornada, condicionada que está à aprovação no que pode ser considerado um dos mais difíceis certames do país, exigindo destes, além de farto e qualificado conhecimento técnico, constante atualização, diria até que em velocidade digital, no que se refere à legislação aplicável no seu dia a dia; que muito além de abranger a legislação geral e específica, exige conhecimento bastante das regras administrativas ditadas pelas Corregedorias Estaduais, Conselhos Nacionais, Fazenda Estadual, Federal e Municipal, e vários outros.

Além de ser o responsável pela prestação dos serviços, propriamente dito, também o é pela administração e gerenciamento da serventia extrajudicial, ou espaço físico onde se desenvolverá sua atividade, incluindo, nessa conta as despesas físicas e operacionais, sem falar da responsabilidade pessoal e, defendida por muitos, em caráter objetivo, no que diz respeito às condutas ilícitas praticadas por si ou seus prepostos no exercício da função.

Ainda, embora se trate de prática de atividade estatal, não deve ser confundido com servidor público, como juízes, promotores, agentes policiais, entre outros; devendo, ser visto como agente particular em colaboração com o poder público, pois conforme apontado acima se trata de particular atuando em nome do Estado, através da fé-pública aposta nos atos por ele praticados, ensejando, por via de conseqüência, na presunção de veracidade incidente sobre os mesmos.

Portanto, diante desse quadro, é possível vislumbrar o que se espera deste profissional, ou seja, uma atuação praticamente perfeita, visto que os erros, ao contrário dos demais profissionais do direito, resultando em implicações rápidas e muitas vezes fatais, como a perda da delegação, por exemplo.

Sem embargos, por conta de seu comprometimento legal, a cada dia são impostas novas regras a ditos profissionais, como a que tratará da obrigatoriedade de informação, por parte dos notários, da ocorrência de operações suspeitas aos órgãos fiscalizadores, visando com isso reforçar o combate ao crime de lavagem de dinheiro, tal qual parceria em vias de regulamentação com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, órgão ligado ao Ministério da Fazenda; cujo âmago advém dos dados obtidos junto à base nacional unificada com todos os atos notariais praticados no país, a Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (CENSEC).

Assim sendo, em curto espaço de tempo, além dos deveres legais impingidos à função, caberá também aos notários informar as autoridades competentes sobre as operações atípicas nas suas áreas de atuação, ensejando, por via de conseqüência, em nova modalidade de responsabilidade, materializada no não cumprimento dos compromissos assumidos ao deixarem de notificar a ocorrência de casos atípicos à autoridade competente. Contudo, não se pode deixar de destacar a subjetividade que engloba tal exigência até que se discipline nacionalmente o que configura uma operação atípica, a fim de disponibilizar a tais profissionais as ferramentas adequadas ao processo de identificação de clientes e transações suspeitas no âmbito de combate à lavagem de capitais e ao crime organizado, até porque se está diante de profissional que tem concentrado no direito privado sua área de atuação, razão pela qual, ao meu sentir, a ausência de tal regramento poderá dificultar a constatação da conduta penal típica então pretendida.

Aliás, dificuldade esta que pode ser justificada pelas mudanças introduzidas pela Lei nº 12.683, de 09 de julho de 2012, que visando tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro alterou o artigo 2º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, revogando o rol de infrações penais relacionadas até então em referido dispositivo legal, passando a considerar qualquer conduta criminosa como antecedente necessário a configuração de referida conduta típica.

Portanto, há muito que a função do notariado brasileiro está para além da figura de mero  “carimbador”, consolidando a atribuição disciplinada na Lei nº 8.935/94 ao regulamentar o artigo 236 da Constituição da República, tornando-o a cada dia ainda mais necessário e essencial, seja na atuação ou intermediação dos atos e negócios jurídicos que exigem forma pública, seja na diária cooperação na manutenção da organização estatal, quer seja pela fiscalização da carga tributária incidente, quer pela ocorrência de operações suspeitas de cunho criminal.


Juliana Ferreira de Moraes Farris. . Juliana Ferreira de Moraes Farris é Tabeliã de Notas e Protesto na comarca de Otacílio Costa/SC.. . .


Imagem Ilustrativa do Post: [52 Weeks • 12/52] Timbri. // Foto de: Matteo Paciotti // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/matte4president/6846222202

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura