Conflitos, Sistemas Familiares e Constelação Familiar

27/09/2019

Coluna Práxis / Coordenadoras Juliana Lopes Ferreira e Fabiana Aldaci Lanke

Como sinal visível das mudanças que estão em curso para dar suporte à Nova Estrutura (KUHN, 2017) que surge com a ampliação da consciência humana, aparece a Constelação Familiar: Abordagem terapêutica, percebida por Bert Hellinger ao observar o trabalho de Virginia Satir, Assistente Social e Terapeuta Familiar que criou as Esculturas Familiares ampliando o trabalho de Moreno e outros. Hellinger observou que os representantes traziam algo do representado, mesmo não o conhecendo.

Através de suas pesquisas com um grupo de pessoas que participavam nas representações, Bert percebeu que os sistemas familiares obedecem a três leis que ele chamou de Ordens do Amor e não transmitem sentimentos, apenas existem. Essas leis sistêmicas, Pertencimento, Hierarquia e Equilíbrio entre o Dar e Receber (HELLINGER, 2001), quando em desequilíbrio causam conflito no sistema familiar, fechado.

O Pertencimento atende a necessidade que vem do reino animal quando a exclusão significa a morte. Um animal que é excluído sente que seu destino está traçado. É o que acontece com os leões. Quando o macho envelhece, as últimas crias são mortas ao nascer e ele sente que é o momento de sua exclusão. Um outro leão macho assume a função e ele segue pelas pradarias, para a morte. Para muitos humanos a exclusão tem o mesmo significado: fora do grupo eu morro. Daí, quando um membro do grupo é excluído cria-se um vazio que precisa ser preenchido. E surge uma dinâmica oculta, como a força de um atrator estranho que fica à espreita.

A Hierarquia precisa ser atendida para que todo o grupo fique em segurança. No sistema familiar os pais dão e os filhos recebem. Os pais são os portadores do Fluxo da Vida e passam para seus filhos muito mais do que o direito à vida através de um ato físico quando espermatozoide encontra um óvulo pronto para ser fertilizado. Passam informações, em forma de genes que produzem componentes tais como cor dos olhos, dos cabelos, limite de altura, etc. Os filhos trazem em si, 50% da mãe e 50% do pai. Isto quer dizer que, rejeitar o pai ou a mãe o faz rejeitar a si mesmo. E a hierarquia corrige isto quando é observada.

O Equilíbrio entre o Dar e o Receber, no sistema fechado, precisa ser obedecido sob pena de afastamento e conflito das pessoas envolvidas. Por um motivo: quem dá está em vantagem, por ter algo de que o outro carece, portanto, em situação de superioridade. Já o que recebe é menor, necessita de algo que o outro tem. Seja uma emoção, seja o olhar para si, seja a dependência.

As Leis Sistêmicas, ou como também as chamamos, Forças da Vida, são forças dinâmicas e articuladas que atuam em nossas famílias ou relacionamentos íntimos. Percebemos a desordem dessas forças sob a forma de sofrimento e doença. Em contrapartida, percebemos seu fluxo harmonioso como uma sensação de estar bem no mundo.

As constelações trazem para a superfície as dinâmicas que estão ocultas e são vistas dentro do campo mórfico ou campo morfogenético, que constituiu campo de estudo e investigação do biólogo Rupert Sheldrake. Ele observou que existe, dentro dos sistemas dos animais, um monitoramento. É assim que as aves voam em determinadas épocas para determinados lugares e os pinguins vão para o Polo. Existe um sistema de informação que faz com que estes animais sigam, ordens que não têm a possibilidade de ser descumpridas (SHELDRAKE, 2013).

Vivem num sistema fechado.

Sistema é um conjunto de elementos dinamicamente relacionados e que desenvolvem uma atividade para atingir um objetivo ou propósito, operando sobre dados/energia/matéria, colhidos no ambiente que o circunda para fornecer informação/energia/matéria.

A Natureza é composta por sistemas. Nosso organismo é composto por vários sistemas. Dependendo da maneira como os elementos se relacionam entre si e ou com seu ambiente, os sistemas podem ser fechados ou abertos.

O sistema fechado tem poucas entradas e poucas saídas com relação ao ambiente externo. Essas entradas e saídas são bem conhecidas e guardam entre si uma relação de causa e efeito: a uma determinada entrada (causa) ocorre sempre uma determinada saída (efeito). Por esta razão, o sistema fechado é também chamado sistema mecânico ou determinístico. O sistema familiar, fechado, tradicional, é determinístico e foi motivo das observações de Bert Hellinger, criador das Constelações Familiares.

Num sistema familiar fechado, um filho ou uma filha que odeia o pai ou a mãe ou ambos pelo alcoolismo deles, tem elevado percentual de possibilidades de casar-se com um alcoólatra ou tornar-se uma pessoa inflexível em relação à bebida, julgando os que bebem como seres menores ou excluindo de sua convivência os que fazem uso de bebidas alcoólicas. O que aconteceu com este membro que parece ter esquecido o que sofreu com o pai ou mãe alcoólatra e fez o mesmo no caso de casar-se com outro alcoólatra? Ele não percebeu que quanto mais resistia à dor de ter um pai ou mãe que o fazia sofrer, mais ele criava as condições para seu próprio sofrimento por ter sua atenção concentrada no que não queria. O sofrimento o tornou resistente à compaixão. Não troca com o externo, vive sua dor dentro do sistema e não interage e não percebe sua potência. Define-se pelas circunstâncias, ou melhor, as circunstâncias o definem.

Percebemos, no campo sistêmico, que o efeito só acontece quando este membro permanece no sistema fechado, não se abre à compreensão ou à permissão ao pai ou à mãe de serem do jeito que lhes foi possível. Mesmo que tenha trazido sofrimento, a gratidão à Vida que recebeu dos pais deveria ser mais forte do que as condições externas.

No sistema aberto com sua interdependência o julgamento e a crítica destrutiva vão dando espaço para uma outra dimensão que o humano cria: a aceitação da vida e de tudo que dela surgiu da forma como surgiu. E com a aceitação criativa diante dos fatos passados vem a possibilidade de expansão da consciência frente aos atos que envolvem o planeta e as próximas gerações. É o que expressa Hans Jonas “Aja de modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra” (JONAS, 2006, p.47).

Sair do sistema fechado para o sistema aberto exige consciência de si, da Natureza, e o reconhecimento de que somos todos viajantes da mesma nave e com os mesmos direitos de transitar entre os saberes e sistemas.

 

Para saber mais sobre o assunto, confira o livro “Conversando sobre Constelação Familiar na Justiça.”, coordenada pelos autores André Tredinnick e Juliana Lopes Ferreira e publicada pela Empório do Direito, editora Tirant Lo Blanch, com lançamento no dia 03 de outubro de 2019.

 

Notas e Referências

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria Geral dos Sistemas: fundamentos, desenvolvimento e aplicações. Tradução: Francisco M. Guimarães, Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.

COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno Tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

FERREIRA, Juliana; TREDINNICK, André. Conversando sobre Constelação Familiar na Justiça. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2019.

HELLINGER, Bert. Ordens do Amor: um guia para o trabalho com constelações familiares. Tradução: Newton de Araújo Queiroz, São Paulo: Cultrix, 2001.

JONAS. Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro, Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.

KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. Tradução: Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 2ª edição. São Paulo: Perspectiva, 2013.

SHELDRAKE, Rupert. Uma nova ciência da vida: a hipótese da causação formativa e os problemas não resolvidos da biologia. São Paulo: Editora Cultrix, 2013.

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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