Por Carlos Augusto Ribeiro - 13/03/2016
Não é de hoje que os policiais costumam trazer em seus depoimentos a “confissão informal”, a qual consubstancia-se, figurativamente, na seguinte dinâmica: o cidadão é preso em estado de flagrância ou em face de algum mandado de prisão contra ele expedido e, no momento da prisão, quando perguntado informalmente sobre o fato delituoso que o envolve, confessa a autoria, sem que haja prévia advertência acerca do seu direito ao silêncio e sem qualquer formalidade. Em suma: leva-se a efeito um interrogatório informal e consegue-se uma confissão informal, a qual, muitas vezes, não é ratificada em nenhum momento do inquérito policial e nem na fase judicial, porém valorada pelo juiz.
Nesse contexto, é de fácil percepção que, de plano, a indução de uma confissão informal pelos agentes policiais no momento da prisão, sem cientificar o indiciado/acusado quanto ao seu direito de silêncio (art. 5º, LXIII, da CF), por si só, já torna a confissão manifestamente ilícita, porquanto o direito de calar acarreta, também, o dever do Estado de advertir o sujeito passivo de que não está obrigado a responder às perguntas que lhe forem feitas, de forma que ele tem de ser informado do alcance de suas garantias, sob pena de macula do ato por violação de uma garantia constitucional[1].
Por outro lado, é sabido que forma é garantia e limite de poder, precipuamente no processo penal, no qual é exercido o poder de punir em detrimento da liberdade individual, no qual os fins (pena) não justificam os meios e sim esses que se percorridos em estrita observância ao devido processo legal e às garantias constitucionais é que legitimam os fins. Assim, toda a confissão, para ser válida, deve ser formal, isto é, com a observância das diretrizes elencadas nos artigos 199 e 200 do CPP e compatibilizadas com as garantias constitucionais, de sorte que qualquer confissão que não seja feita com plena liberdade e autonomia do réu e ciência acerca de seus direitos constitucionais, deve ser reputada, induvidosamente, ilícita.
Ademais, é cediço que a confissão do réu constitui uma das modalidades de prova com maior efeito de convencimento judicial, em que pese, é claro, não possa ser recebida com valor absoluto. Ora, uma confissão informal prestada na fase pré-processual, sem a observância das diretrizes legais e em nítido ferimento do direito ao silencio, logicamente não deveria prestar ao processo penal, principalmente porque, na atual conjuntura democrática, com a exigência do contraditório e da ampla defesa, as provas produzidas na fase pré-processual destinam-se ao convencimento do Ministério Público, e não do juiz, de modo que a confissão quando prestada nessas circunstâncias, além de ser de bom alvitre a sua inexistência no mundo dos autos, não deveria ser valorada, principalmente quando não confirmada na fase judicial[2].
Agrava-se esse quadro quando, dentro de um processo sem provas, resta apenas o registro feito pelos policiais da suposta confissão informal, porém, em um processo penal democrático, antes mesmo de se fazer algum juízo de valor sobre as condutas dos policiais ou juízo de veracidade da suposta confissão, deve-se perscrutar a sua (in)validade. Assim, à evidência, nesses casos, viola-se de uma só vez o devido processo legal (art.5º, LIV, da CF) e o direito ao silêncio (art. 5º, LXIII, da CF), pois de um lado há a impossibilidade de se averiguar a veracidade do que se afirma, e de outro, ainda que se trate de afirmação verídica, a prova é ilícita por ofensa frontal ao devido processo legal e o direito ao silêncio constitucionalmente albergados.
Como solução, além da necessidade de extirpação da confissão informal na análise judicial da prova, faz-se mister a adoção de uma postura “norte-americana” quanto ao zelo do direito de silêncio, pois, nos Estados Unidos, qualquer que seja o cidadão sujeito à jurisdição penal, tem seu direito de silêncio rigorosamente observado, porquanto a sua violação pela polícia tem o condão de viciar as etapas posteriores do processo[3], a exemplo do que ocorre desde o caso Miranda vs, Arizona, em 1966, no qual se impôs ao júri que desconsiderasse as declarações feitas pelo acusado antes de explicitamente advertido de seu direito de silêncio[4].
De outro lado, é importante atentarmos para um quadro cotidianamente pintado nos foros criminais de terrae brasilis, no qual o juiz criminal quando se depara com uma confissão informal, desconsiderando a sua ilicitude, a valora, utilizando-a como fundamentação de uma sentença condenatória, equiparando a confissão informal com a confissão espontânea, sem, contudo, atenuar a pena do réu em face da atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal. É, no mínimo, ilógico tal raciocino.
Ora, em princípio, a confissão informal, dentro de um processo penal constitucional, é insustentável, não podendo sequer subsistir nos autos, mas, devido ao arraigado modus inquisitório de lidar com o processo, esta se consolida em muitas decisões como um forte elemento probatório, de modo que a autoridade judicial, em atenção a própria coerência argumentativa, quando valorar a confissão informal, deveria, ao menos, considerá-la apta para atenuar a pena, pois se a confissão informal reveste-se da mesma força probante que a confissão formal, é ilógico não revesti-la das mesmas consequências na aplicação da pena.
Com efeito, a nosso juízo, qualquer confissão informal não tem qualquer valor como prova, seja por ofender garantias constitucionais, seja por não obedecer os critérios de formalização e validade traçados no CPP, de modo que impende a observância do direito de silêncio e da forma da confissão desde o momento da prisão do cidadão, para abandonar-se uma temerária valoração de prova e esse ranço inquisitório que insiste em resistir à uma filtragem constitucional.
Notas e Referências:
[1] LOPES JR., Aury. Direito processual penal. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 232.
[2] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo penal. 18.ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas,2014. p.412
[3] CARRIÓ, Alejandro C. Garantías constitucionales em el processo penal. 5. ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2006. p. 91.
[4] ARAÚJO, Nádia; ALMEIDA, E. Ricardo. O Tribunal do Júri nos Estados Unidos - sua evolução histórica e algumas reflexões sobre seu estado atual, in: Revista brasileira de ciências criminais, ano 4, nº 15, - Julho-setembro, 1995, p. 211
. Carlos Augusto Ribeiro é advogado Criminalista. Pós-graduando em Ciências Criminais pela Faculdade CESUSC. Membro da Associação dos Advogados Criminalistas de Santa Catarina. E-mail: crb1.adv@gmail.com . .
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