Confira parecer de Rômulo de Andrade Moreira sobre Audiências de Custódia

15/07/2016

Por Redação - 15/07/2016

O Procurador Rômulo de Andrade Moreira apresentou parecer sobre ausência da realização da audiência de custódia em sede de Habeas Corpus, pugnando pela ilegalidade da prisão do paciente e a imediata expedição do alvará de soltura.

Confira o parecer.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA

PROCURADORIA DE JUSTIÇA CRIMINAL 

 

PROCESSO Nº. 0009245-64.2016.8.05.0000 – HABEAS CORPUS

ÓRGÃO JULGADOR: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL – PRIMEIRA TURMA

IMPETRANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA

IMPETRADO: JUIZ DE DIREITO DE PAULO AFONSO – 1ª. VARA CRIMINAL

 

PARECER Nº. 6205/2016

È stato giustamente detto che il grado de civiltà di un popolo si misura soprattuto dal modo con cui sono salvaguardati i diritti e le libertà dell’imputato nel processo penale.” [1]  

Tratam os presentes autos de um pedido de habeas corpus visando à soltura do paciente acima epigrafado, sob a alegação, em epítome, de ausência da realização da audiência de custódia. Negada a concessão da liminar requerida (fls. 41/43), o Magistrado prestou as informações de praxe (fls. 45). Os autos foram encaminhados ao Ministério Público para o parecer. Eis um sucinto relatório.

Compulsando os autos, constata-se, em razão da análise do disposto às  fls. 24, que não foi realizada a audiência de custódia, o que enseja a ilegalidade da prisão do paciente e a imediata expedição do alvará de soltura, conforme veremos.

Como foi amplamente noticiado, o Conselho Nacional de Justiça, no dia 06 de fevereiro do ano passado, teve a iniciativa de lançar um projeto para garantir que presos em flagrante fossem apresentados a um Juiz de Direito, em vinte e quatro horas, no máximo: era a implementação da chamada “Audiência de Custódia”, consistente na criação de uma estrutura multidisciplinar nos Tribunais de Justiça que receberia presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção dessa prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere.

Na verdade, o projeto teve seu termo de abertura iniciado no dia 15 de janeiro, após ser aprovado pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Ricardo Lewandowski e tinha como objetivo garantir que, em até vinte e quatro horas, o preso fosse apresentado e entrevistado pelo Magistrado, em uma audiência em que fossem ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso.

A implementação das audiências de custódia está prevista em pactos e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São Jose da Costa Rica) e já é utilizada em muitos países da América Latina, onde a estrutura responsável pelas audiências de custódia recebe o nome de “Juizados de Garantias”. Comentando este órgão jurisdicional então introduzido no Código de Processo Penal da Província de Buenos Aires (Lei nº. 11.922), Pedro Bertolino, vincula o Juiz de Garantias com o próprio Garantismo (e o mesmo vale para a audiência de custódia), afirmando que “con esta acepción queda suficientemente exhibida, sin duda, la dimensión pública del ethos del juez del garantías“. (El Juez de Garantías em El Código Procesal Penal de la Província de Buenos Aires, Buenos Aires: Depalma, 2000, p. 119).

A propósito da audiência de custódia, Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa escreveram o seguinte:

Não raras vezes a notícia de um crime nos assusta e joga com o nosso imaginário. Se somos humanos, ao lermos um auto de prisão em flagrante ou uma denúncia descrevendo, por exemplo, a conduta de Paulo K., consistente em ter entrado numa casa, pela madrugada, para o fim de subtrair bens e, no seu percurso, ter sido flagrado pela moradora, senhora idosa, a qual desferiu dois tiros, sem que tivesse morrido, fugindo, na sequência do local do crime e, depois, preso pela polícia, teríamos que preencher as lacunas. Não lembraríamos de um rosto doce, respeitador, educado, mas sim de um sujeito que congrega em si os atributos do mal. Essa conduta humana (preencher os espaços desprovidos de informação) cria o que se denomina de efeito priming, ou seja, o efeito que a rede de associações de significantes opera individualmente sem que nos demos conta, fundados naquilo que acabamos de perceber, mesmo na ausência de informações do caso. Daí que a simples leitura da peça acusatória ou do auto de prisão em flagrante gera, aos metidos em processo penal, a antecipação de sentido. Aí reside o primeiro passo fundamental para o acolhimento da audiência de custódia. Não se tratará mais do “criminoso” que imaginamos, mas sim do sujeito de carne e osso, com nome, sobrenome, idade e rosto. O impacto humano proporcionado pelo agente, em suas primeiras manifestações, poderá modificar a compreensão imaginária dos envolvidos no Processo Penal. As decisões, portanto, poderão ser tomadas com maiores informações sobre o agente, a conduta e a motivação. Lembre-se que a prisão cautelar é sempre processual, isto é, não servem para antecipar a pena, devendo-se fundamentar a excepcionalidade da contenção cautelar, crítica que já fizemos anteriormente. Daí ganhar importância o dispositivo estatal para análise das razões da prisão cautelar face-to-face. Respeito às regras do jogo processual. Essa invectiva é lançada por nós faz anos em textos, assim como de boa parte dos juristas preocupados em estabelecer um padrão mínimo de normas processuais aptas a garantia do devido processo legal substancial.”[2]

Além das audiências, o projeto prevê a estruturação de centrais de alternativas penais, centrais de monitoramento eletrônico, centrais de serviços e assistência social e câmaras de mediação penal, responsáveis por representar ao Juiz opções ao encarceramento provisório. À época do lançamento, o Ministro Ricardo Lewandowski destacou: “Essa é uma meta prioritária do Conselho Nacional de Justiça e São Paulo mais uma vez sai na frente como um importante parceiro. Uma experiência que, se for exitosa – e tenho certeza que será – será depois levada para outras capitais e comarcas do País”, afirmando que o Brasil tem hoje cerca de 600 mil presos, sendo que 40% deles são presos provisórios. “São aqueles que ainda não têm a culpa formada. São presos que não tiveram ainda a chance de se confrontar com o juiz e têm a sua liberdade de ir e vir limitada, contrariando a presunção de inocência”.

Evidentemente que este número indicado pelo Ministro não é o real, pois não leva em consideração, por exemplo, os inúmeros presos provisórios encarcerados nas várias Delegacias de Polícia do Brasil. Certamente, o número de presos ainda não definitivamente julgados é muito maior do que aquele que o Estado brasileiro indica oficialmente.

Portanto, extremamente louvável a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça. Esta audiência de apresentação do preso é uma imposição do art. 7º., 5, do Pacto de São Jose da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), segundo o qual “toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.” 

Trata-se, como já decidiu o Supremo Tribunal Federal (timidamente, é verdade – art. 5º., § 2º, da Constituição da República) de norma supralegal. Igualmente, o art. 9º., 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York estabelece que “qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença”.

A iniciativa do Conselho Nacional de Justiça foi imediatamente contestada por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5240, proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal. O relator, Ministro Luiz Fux, afirmou em seu voto que a realização das audiências de custódia – que em sua opinião devem passar a ser chamadas de “audiências de apresentação”, tem se revelado extremamente eficiente como forma de dar efetividade a um direito básico do preso, impedindo prisões ilegais e desnecessárias, com reflexo positivo direto no problema da superpopulação carcerária: “Não é por acaso que o Código de Processo Penal brasileiro consagra a regra de pouco uso na prática forense, mas ainda assim fundamental, no seu artigo 656, segundo o qual, recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar necessário e estiver preso o paciente, mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em data e hora que designar. Verifico aqui que não houve, por parte da portaria do Tribunal de Justiça, nenhuma extrapolação daquilo que já consta da Convenção Americana, que é ordem supralegal, e do próprio Código de Processo Penal, numa interpretação teleológica dos seus dispositivos.” Ao acompanhar o relator, o Ministro Ricardo Lewandowski, ressaltou que o Brasil é o quarto país que mais prende pessoas no mundo, ficando atrás dos Estados Unidos, China e Rússia. “É uma revolução”, afirmou o Ministro ao ressaltar que metade dos presos apresentados nestas audiências estava obtendo relaxamento de prisão, em razão do menor potencial ofensivo das condutas.

Após o julgamento desta Ação Direta de Inconstitucionalidade, no dia 09 de setembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal concedeu parcialmente cautelar solicitada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 347, em que se pedia providências para a crise prisional do país, a fim de determinar aos Juízes e Tribunais que passassem a realizar audiências de custódia, no prazo máximo de noventa dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até vinte e quatro horas contadas do momento da prisão. Por maioria dos votos, a Corte acolheu proposta do Ministro Luís Roberto Barroso para determinar à União e ao Estado de São Paulo que forneçam informações sobre a situação do sistema prisional. A Ministra Rosa Weber acompanhou o relator ao deferir os pedidos quanto à audiência de custódia, com observância dos prazos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça. O Ministro Gilmar Mendes votou pelo deferimento do pedido cautelar quanto à obrigação da realização das audiências de custódia.

Pois bem.

Óbvio que a implementação das audiências de custódia pelo Conselho Nacional de Justiça e pelos Tribunais não feria a Constituição da República, pois obedece a uma determinação dos Pactos Internacionais acima referidos. Decorre do “controle concentrado de convencionalidade”.

Assim, a realização das audiências de custódia, impõe-se, sobretudo, com fulcro nos dois artigos dos Pactos Internacionais acima transcritos e dos textos legais que dispomos, especialmente os arts. 185 e seguintes do Código de Processo Penal.

Nadas obstante, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução                   nº. 213, em 15 de dezembro de 2015 (que entrou em vigor em de 1º. de fevereiro de 2016), regulamentando a audiência de custódia. Pela Resolução, “toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.” Ao se referir à apreensão, a Resolução, evidentemente, apesar de não ser necessário, fez questão de reafirmar que o adolescente infrator deve também ser apresentado ao Juiz da Infância e da Juventude. Afinal de contas, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos vale para todos os humanos…

Estando a pessoa presa acometida de grave enfermidade, ou havendo circunstância comprovadamente excepcional que a impossibilite de ser apresentada ao Juiz, deverá ser assegurada a realização da audiência no local em que ela se encontre e, nos casos em que o deslocamento se mostre inviável, deverá ser providenciada a condução para a audiência de custódia imediatamente após restabelecida sua condição de saúde ou de apresentação.

Para evitar qualquer dúvida, a Resolução esclarece que se entende por autoridade judicial competente aquela assim disposta pelas leis de organização judiciária locais, ou, salvo omissão, definida por ato normativo do Tribunal de Justiça ou Tribunal Federal local que instituir as audiências de apresentação, incluído o Juiz plantonista. Portanto, afasta-se qualquer possibilidade de interpretação segundo a qual possa se atribuir a qualidade de autoridade judicial ao Delegado de Polícia como já decidiu (absurdamente) o Tribunal de Justiça de São Paulo.

Em caso de preso que detenha prerrogativa de foro, a apresentação deverá ser feita ao Juiz que o Presidente do Tribunal ou Relator designar para esse fim. Ainda segundo a norma, “o deslocamento da pessoa presa em flagrante delito ao local da audiência e desse, eventualmente, para alguma unidade prisional específica, no caso de aplicação da prisão preventiva, (ou prisão temporária) será de responsabilidade da Secretaria de Administração Penitenciária ou da Secretaria de Segurança Pública, conforme os regramentos locais.” Se, por qualquer motivo, não houver Juiz na Comarca até o final do prazo de vinte e quatro horas, a pessoa presa será levada imediatamente ao substituto legal.

Obviamente que “a audiência de custódia será realizada na presença do Ministério Público e da Defensoria Pública, caso a pessoa detida não possua defensor constituído no momento da lavratura do flagrante”, sendo “vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia.” Nesta oportunidade, deve ser observado o disposto no art. 188 do Código de Processo Penal.

Diz a Resolução que, “caso o preso em flagrante delito constituir advogado até o término da lavratura do auto de prisão em flagrante, o Delegado de polícia deverá notificá-lo, pelos meios mais comuns, tais como correio eletrônico, telefone ou mensagem de texto, para que compareça à audiência de custódia, consignando nos autos. Não havendo defensor constituído, a pessoa presa será atendida pela Defensoria Pública. Antes da apresentação da pessoa presa ao juiz, será assegurado seu atendimento prévio e reservado por advogado por ela constituído ou defensor público, sem a presença de agentes policiais, sendo esclarecidos por funcionário credenciado os motivos, fundamentos e ritos que versam a audiência de custódia. Parágrafo único. Será reservado local apropriado visando a garantia da confidencialidade do atendimento prévio com advogado ou defensor público.”

Importante observar que a audiência de custódia não se restringe, como também é óbvio, às hipóteses, de flagrante delito. O Pacto de São José da Costa Rica não restringiu a exigência da apresentação do preso a estes casos. Assim, esclarece a Resolução que a apresentação à autoridade judicial no prazo de vinte e quatro horas também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva. Assim, a partir de agora, todos os mandados de prisão deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da jurisdição do Juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei de organização judiciária local.

Nesta audiência, segundo a Resolução, e sem prejuízo de outras indagações e esclarecimentos, deverá o Juiz esclarecer ao preso o que é a audiência de custódia, ressaltando as questões que serão analisadas pelo Juízo, assegurando que a pessoa presa não esteja algemada, salvo em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, devendo a excepcionalidade ser justificada por escrito (Súmula Vinculante nº. 11). Deve, outrossim, ser informado ao preso o seu direito de permanecer em silêncio, bem como lhe ser questionado se foi dada ciência e efetiva oportunidade de exercício dos direitos constitucionais inerentes à sua condição, particularmente o direito de se consultar com advogado ou defensor público, o de ser atendido por médico e o de se comunicar com seus familiares. Deverá o preso ser perguntado sobre as circunstâncias de sua prisão ou apreensão e sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando-lhe sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis em caso positivo, devendo o Juiz abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal, relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante.

Também deverá o Juiz verificar se houve a realização de exame de corpo de delito, determinando sua realização nos casos em que: a) não tiver sido realizado; b) os registros se mostrarem insuficientes; c) a alegação de tortura e maus tratos referir-se a momento posterior ao exame realizado; d) o exame tiver sido realizado na presença de agente policial; adotar as providências a seu cargo para sanar possíveis irregularidades; e averiguar, por perguntas e visualmente, hipóteses de gravidez, existência de filhos ou dependentes sob cuidados da pessoa presa em flagrante delito, histórico de doença grave, incluídos os transtornos mentais e a dependência química, para analisar o cabimento de encaminhamento assistencial e da concessão da liberdade provisória, sem ou com a imposição de medida cautelar.

Segundo a Resolução, após a oitiva da pessoa presa em flagrante delito, o Juiz deferirá ao Ministério Público e à defesa técnica, nesta ordem, reperguntas compatíveis com a natureza do ato, devendo indeferir as perguntas relativas ao mérito dos fatos que possam constituir eventual imputação. Aqui houve um equívoco grave, pois a oitiva do preso deverá ser realizada após as perguntas do Ministério Pública e da defesa, e não o contrário, preservando-se o contraditório, como já se realiza nos procedimentos comum e do Júri e assim deverá ser feito em respeito à Constituição.  Após a ouvida do preso, a defesa e o Ministério Público poderão requerer, nos termos do art. 310 do Código de Processo Penal, o relaxamento da prisão em flagrante, a concessão da liberdade provisória sem ou com aplicação de medida cautelar diversa da prisão ou a adoção de outras medidas necessárias à preservação de direitos da pessoa presa, bem como (o Ministério Público) a decretação de prisão preventiva.

Concluída a audiência, cópia da sua ata ao preso, ao Defensor e ao Ministério Público, tomando-se a ciência de todos, e apenas o auto de prisão em flagrante, com antecedentes e cópia da ata, seguirá para livre distribuição. Proferida a decisão que resultar no relaxamento da prisão em flagrante, na concessão da liberdade provisória sem ou com a imposição de medida cautelar alternativa à prisão, ou quando determinado o imediato arquivamento do inquérito (após o requerimento do Ministério Público – art. 28 do Código de Processo Penal), o preso será colocado em liberdade. “A aplicação de medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal deverá compreender a avaliação da real adequação e necessidade das medidas, com estipulação de prazos para seu cumprimento e para a reavaliação de sua manutenção”, segundo a Resolução.

Caso o preso declare que foi vítima de tortura e maus tratos ou entendimento da autoridade judicial de que há indícios da prática de tortura, será determinado o registro das informações, adotadas as providências cabíveis para a investigação da denúncia e preservação da segurança física e psicológica da vítima, que será encaminhada para atendimento médico e psicossocial especializado. Averiguada pela autoridade judicial a necessidade da imposição de alguma medida de proteção à pessoa presa em flagrante delito, em razão da comunicação ou denúncia da prática de tortura e maus tratos, será assegurada, primordialmente, a integridade pessoal do denunciante, das testemunhas, do funcionário que constatou a ocorrência da prática abusiva e de seus familiares, e, se pertinente, o sigilo das informações (conferir a Lei nº. 9.807/99).

Assim, conforme já dito, não se pode deixar de cumprir as determinações convencionais, por serem normas supralegais, de observância obrigatória em todo território nacional, utilizando-se as disposições do Código de Processo e outros textos normativos aplicáveis. Desta forma, restou evidente no caso dos autos o descumprimento da Resolução nº. 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, do Provimento Conjunto nº. 1/2016 desse Tribunal de Justiça e dos Pactos Internacionais suso mencionados.

A propósito, a Sexta Turma do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já decidiu em favor da soltura de um paciente em razão da ausência de realização da audiência de custódia, a saber:

Habeas Corpus – alegação de ilegalidade da detenção do suplicante, diante da ausência de realização da audiência de custódia, prevista não só na primeira parte do art. 7º, 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos,  Pacto de  San José  da Costa Rica, como também no art. 9º, 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, consistindo na ‘necessidade de apresentação  da pessoa  privada  de  liberdade, e sem demora,  para  a  autoridade judicial’, e o que não seria possível de ser suprido pela chegada a juízo da mera comunicação da ocorrência da prisão em flagrante – convenções internacionais que foram devidamente internalizados pelos Decretos nº 678/92 e 592/92, já que o Brasil foi signatário de ambos, sem reservas, cuja  hierarquia  normativa,  nestas  condições, é equiparada a norma constitucional – sustenta que, muito embora tenha formulado pleito análogo ao presente, junto ao primitivo juízo, juntamente com pedido para que fosse o paciente apresentado para se entrevistar com a Defensoria Pública antes do oferecimento da defesa preliminar, o Magistrado indeferiu a pretensão de relaxamento de prisão, mas enfrentou, apenas, esta segunda e última questão, ignorando e deixando de examinar aquele pleito inicial, a despeito de ter o Parquet de piso opinado contrariamente ao seu acolhimento, ao argumento de que não haveria razoabilidade para tanto, diante das condições práticas adversas à instrumentalização disto e por entender inexistir a fixação de um prazo a ser observado para tal cumprimento – informações prestadas e dando conta do expresso indeferimento do pedido de realização de audiência de custódia – liminar deferida, com a decretação do relaxamento de prisão, pela expressa negativa da realização de audiência de custódia – (...) ressoa absurdo e teratológico o decisum em questão, posto que, em primeiro lugar, porque a ausência de expressa previsão legal deste imprescindível ato procedimental no CPP não pode ser manejado para inviabilizar a sua ocorrência, uma vez que, figurando o Brasil como signatário destes acordos e tendo ratificado, por seu poder executivo, os respectivos conteúdos, as normas daí advindas não são inexistentes, como quer fazer crer a nobre autoridade coatora, mas sim, presentes e de hierarquia equivalente a dos primados constitucionais – aliás, e a esse respeito, mas seguindo o equivocado raciocínio desenvolvido pelo juízo de piso, caberia a lembrança de que vários são os princípios constitucionais que não receberam assento formal no Código de Processo Penal e, nem por isso, a existência ou eficácia destes pode ser discutida ou questionada, pois, no caso vertente, acontece exatamente a mesma coisa!!! – votos proferidos no julgamento pelo Pretório Excelso do R.E. nº 349.703/RS, pelos eminentes Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello, entendendo o primeiro deles, que foi designado para a lavratura do acórdão, que os tratados que versem sobre direitos humanos e dos quais foi o Brasil signatário, tendo-o ratificado, possuem hierarquia supralegal e força paralisadora dos comandos conflitantes com aquele, enquanto que o segundo daqueles, entende se tratarem aqueles de normas materialmente constitucionais (art. 5º, § 2º, da carata magna), equivalentes a emendas constitucionais, mas ainda sem que sejam consideradas formalmente como tais (art. 5º, § 3º, da carta política), filiando-se a presente decisão a esta segunda orientação – em segundo lugar, ofende a sensatez e a razoabilidade a argumentação sustentada pelo Juízo de piso a partir da qual não foi realizada a audiência de custódia porque inexiste prazo fixado para tanto – relembre-se que tanto a convenção americana sobre direitos humanos (art. 7º, 5): ‘toda a pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um  juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. sua  liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo’, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos ( art. 9º, 3): ‘qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à  presença  do  juiz  ou  de  outra  autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgado em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. a prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura  poderá ser condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença’ – tais normas estabelecem que tal imprescindível iniciativa para se assegurar o resguardo à integridade física e psíquica do preso determinam que isto se dê sem demora, a significar, de imediato, ou seja, num prazo de até 24(vinte e quatro) horas, já que qualquer outra metrificação de tempo ofenderá a mens legis – outro não é o entendimento contido no relatório final da comissão nacional da verdade (item 44) que trata especificamente da necessidade de realização da audiência de custódia: ‘criação da audiência de custódia no ordenamento jurídico brasileiro para garantia da apresentação pessoal do preso à autoridade judiciária em até 24 horas após o ato da prisão em flagrante, em consonância com o artigo 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José de Costa Rica), à qual o Brasil se vinculou em 1992’ – também seguiu este norte o projeto de lei nº 554/2011 do senado federal, que trata de alteração ao texto vigente do art. 306 do CPP, visando combater e prevenir a tortura e outros tratamentos cruéis, quando alinha que: “...o  Pacto  de  Direitos  Civis  e  Políticos  e  a  Convenção Americana  de Direitos Humanos trazem obrigações internacionais para o estado brasileiro, de reconhecimento, respeito e proteção às garantias dos cidadãos, que podem invoca-las a qualquer instante -  seja qual for o motivo de uma prisão, há o direito da pessoa presa exigir ser levada à presença de um juiz, ou de uma  autoridade judicial ‘sem demora’(...) o estabelecimento de 24 (vinte e quatro) horas para apresentar ao juiz competente a pessoa privada de liberdade constitui prazo razoável, considerando que a própria lei processual penal já determina que o auto de prisão em flagrante seja enviado à autoridade judicial dentro deste espaço de tempo, após a efetivação da prisão...” – e como se tudo isto não bastasse, ainda consta do boletim informativo eletrônico da diretoria-geral de comunicação e de difusão de conhecimento deste pretório, edição nº 07 deste ano, do dia 16.01.2015, na sua principal matéria de destaque que: ‘o conselho nacional de justiça, o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Ministério da Justiça lançarão no dia 6 de fevereiro um projeto para garantir que presos em flagrante sejam apresentados a um juiz num prazo máximo de 24 horas. o ‘projeto audiência de custódia’ consiste na criação de uma estrutura multidisciplinar nos tribunais de justiça que receberá presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção desta prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere. o projeto teve o seu termo de abertura iniciado na quinta-feira (15), após ser aprovado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, Ministro Ricardo Lewandowski” – em terceiro lugar e que também não pode ser chancelada está a mais do que absurda linha argumentativa, desenvolvida pelo juízo de piso, segundo a qual ‘o mencionado pacto não dispõe acerca de qualquer ilegalidade relativa a não apresentação do preso no momento pretendido pela defesa” (???!!!). Ora, o descumprimento de um primado afeto à garantia dos direitos humanos, contido em acordo internacional e cujo teor foi ratificado pelo Brasil, repise-se, ostenta hierarquia equivalente àquela concernente aos princípios constitucionais, parecendo incabível ingenuidade crer-se que o seu descumprimento restará impune e sem gerar consequências processuais imediatas – (...) – constrangimento ilegal suscitado e configurado – concessão da ordem consolidando-se a liminar” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Sexta Câmara Criminal. HABEAS CORPUS nº 0064910-46.2014.8.19.0000 Impetrante: Dr. EDUARDO JANUÁRIO NEWTON - Defensor Público Paciente: UESLEI HERCULANO AZEVEDO Aut. Coatora: JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE SAO GONÇALO Relator: DES. LUIZ NORONHA DANTAS) (Grifos nossos).

Ante o exposto, somos pela concessão da ordem de habeas corpus requerida.

Salvador, 14 de julho de 2016.


Notas e Referências: 

[1]Gian Domenico Pisapia, Compendio di procedura penale. 4ª. edição, Padova: Cedam, 1985, p. 26.

[2] http://www.conjur.com.br/2015-fev-13/limite-penal-afinal-quem-medo-audiencia-custodia-parte. (Acesso em 14 de julho de 2016).


Rômulo de Andrade Moreira. Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS..


Imagem Ilustrativa do Post: Sem título // Foto de: Neil Conway // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/neilconway/3812660365 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

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