Concussão e Corrupção Passiva - Por Ricardo Antonio Andreucci

27/10/2016

Concussão e corrupção passiva são crimes contra a Administração que, embora guardem contornos próprios precisamente definidos, geralmente acarretam dúvidas de tipificação no momento de sua configuração fática.

É muito comum haver incorreções e equívocos por parte dos operadores do Direito Penal no momento de tipificar adequadamente a conduta do funcionário público ímprobo, ocasionando, não raras vezes, obstáculos processuais nem sempre fáceis de ultrapassar.

Inclusive, em provas de concursos públicos, frequentemente se vê o candidato frente a questões concretas apresentadas pelo examinador, envolvendo os crimes tratados, e tendo que decidir, em curto espaço de tempo, qual a correta alternativa a ser assinalada.

Em primeiro lugar, vejamos os pontos comuns entre os dois crimes.

A objetividade jurídica de ambos é a tutela da Administração Pública. São crimes próprios, uma vez que somente o funcionário público (art. 327 do CP) pode ser sujeito ativo. O particular pode ser coautor ou partícipe do crime, por força do disposto no art. 30 do Código Penal. Sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o particular prejudicado.

Em relação aos pontos divergentes entre os delitos, a conduta é o principal diferencial.

Na concussão, a conduta vem representada pelo verbo “exigir”, que significa ordenar, determinar, impor como obrigação. Na corrupção passiva, a conduta típica vem expressa pelos verbos “solicitar” (que significa pedir, requerer), “receber” (que significa tomar, obter) e “aceitar” (que significa anuir, consentir no recebimento). São crimes formais, que independem da ocorrência do resultado naturalístico para sua consumação. Para a consumação, basta que a exigência ou solicitação chegue ao conhecimento do terceiro, ou que o funcionário receba a vantagem ou a promessa dela. A tentativa é possível, em casos determinados. No tocante às condutas “exigir” e “solicitar”, se praticadas verbalmente, não se admite a tentativa. Se forem escritas, admite-se. Nas condutas “receber” e “aceitar”, não se admite a tentativa.

O objeto material, em ambos os casos, é “vantagem indevida”, ou seja, vantagem ilícita, ilegal, não autorizada por lei, expressa por dinheiro ou qualquer outra utilidade, de ordem patrimonial ou não. A vantagem deve ter como beneficiário o próprio funcionário público (“para si”) ou terceiro (“para outrem”) e pode ser feita de forma “direta” (pelo próprio funcionário) ou “indireta” (por interposta pessoa). A exigência, solicitação, recebimento ou aceitação de promessa, assim, deve ser feita em “em razão da função pública”, ainda que fora dela, ou antes de assumi-la.

Não se confundem, é bom que se diga, os delitos de concussão e de extorsão. Este último, ainda que praticado por funcionário público, caracteriza-se pelo emprego de violência ou ameaça de mal injusto e grave, sem relação com a função pública ou qualidade do agente. Na concussão, a ameaça e as represálias têm relação com a função pública exercida pelo agente.

Merece destacar que o particular que cede à exigência ou que cede à solicitação de vantagem indevida não pratica ilícito penal, por ausência de fato típico. Isso porque a corrupção ativa somente se configura com o oferecimento ou promessa, pelo particular, de vantagem indevida a funcionário público. As condutas de “dar” vantagem indevida ou “ceder” à exigência ou solicitação dessa vantagem não são típicas.

Outrossim, não configura o crime de corrupção passiva o recebimento, pelo funcionário público, de pequenas doações ocasionais, singelos presentes ou mimos.

O § 1.º do art. 317 do Código Penal trata da corrupção passiva circunstanciada, que ocorre quando o funcionário público retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional, em consequência de vantagem ou promessa. Nesses casos, o exaurimento do delito implica a imposição de pena mais severa, que será aumentada de um terço.

A corrupção passiva privilegiada vem prevista no § 2.º do art. 317 do Código Penal. Ocorre quando o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem. Nesse caso, o funcionário não negocia o ato funcional em troca de vantagem, mas, antes, deixa de cumprir seu dever funcional para atender a um pedido de terceiro, influente ou não. É necessário que haja pedido ou influência de outrem, e que o sujeito ativo atue por essa motivação. A consumação, portanto, opera-se com a efetiva omissão ou retardamento do ato de ofício.

Por fim, cumpre tecer algumas considerações sobre uma modalidade específica de concussão, denominada excesso de exação, que vem prevista no § 1.º do art. 316 do Código Penal.

Trata-se de modalidade de concussão em que a conduta típica vem expressa pelos verbos “exigir” e “empregar”. “Exação” é a cobrança rigorosa de tributo e contribuição social. O objeto material é o “tributo” (receitas derivadas que o Estado recolhe do patrimônio dos indivíduos, com base em seu poder e nos termos das normas tributárias — podem consistir em impostos, taxas e contribuições de melhoria) ou “contribuição social” (formas de intervenção do domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas, instituídas pela União e cobradas dos servidores dos Estados, Municípios, para o custeio de sistemas de previdência e assistência social). Nesse crime, o agente “sabe” (dolo) ou “deveria saber” (culpa) que o tributo ou contribuição social são indevidos.

No excesso de exação, mesmo sendo devido o tributo ou contribuição social, comete o delito o funcionário que emprega na cobrança “meio vexatório” (meio que expõe o contribuinte a vergonha ou humilhação) ou “meio gravoso” (meio que traz ao contribuinte maiores ônus), “que a lei não autoriza” (meio não permitido ou amparado por lei). Trata-se, nesse caso, da denominada “exação fiscal vexatória”.

Consuma-se o delito com a exigência indevida ou com o emprego de meio vexatório ou gravoso na cobrança devida. Admite-se a tentativa na modalidade “exigir”, desde que a exigência não seja verbal e o agente saiba indevida a cobrança. No caso de culpa (quando o agente deveria saber indevida a cobrança) não se admite tentativa. Na modalidade “empregar” (meio vexatório ou gravoso) também é possível a tentativa.

O excesso de exação qualificado vem previsto no § 2º do art. 316. Nessa modalidade, a conduta típica vem expressa pelo verbo “desviar”, que significa alterar o destino, alterar a aplicação, alterar a direção. Nesse caso, o funcionário público, após ter exigido o tributo ou contribuição indevida, ou após ter empregado meio vexatório ou gravoso na cobrança devida, desvia o que recebeu irregularmente, em proveito próprio ou de outrem, deixando de recolher aos cofres públicos. Ou seja, em vez de o funcionário recolher aos cofres públicos o tributo ou contribuição social que irregularmente recebeu, apodera-se deles. Trata-se de crime doloso, que se consuma com o desvio do tributo ou contribuição social recebidos, admitindo a tentativa.


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