“El primer principio es que no debes
engañarte a ti mismo, y tú eres
la persona más fácil de engañar.”
Richard P. Feynman
Existe uma constelação de tópicos que delatam as crenças dominantes em nossa sociedade, os grandes ou mais ou menos inconscientes prejuízos coletivos conhecidos, transitados ou frequentados por todos ou por muitos, estas figuras retóricas que adota a mente coletiva e onde nos encontramos com a “maioria” anônima, impessoal e conformada.
Entre esses tópicos há um em particular que gera um tipo de autocomplacência e autoengano, donde a mangona mental supera a motivação para apreciar com realismo maneiras de atuar alternativas e facilita nossa comum e cômoda atitude de «anelar» sem a moléstia, o esforço, o valor e a virtude permanente de ter que construir-se a si mesmo. Que fácil é cair em tópicos normativamente “corretos” e abraçar crenças impermeáveis à crítica antes de haver-lhes concedido sequer o benefício da dúvida.
Me refiro a uma mentalidade surgida nas últimas décadas, tão comum como perigosa: o denominado «presentismo». A maioria das pessoas quer tudo e imediatamente; não deseja esperar e a paciência deixou de ser uma virtude. A ideia de que podemos fazer qualquer coisa, ser quem queiramos ser e/ou ter tudo o que desejamos «agora mesmo», antes de esforçar-nos e trabalhar duro para lográ-lo, gerou a crença de que existe um atalho para tudo, uma via rápida para «ser» ou alcançar o que «queremos» empenhando-nos o menos possível.
Uma classe de mentalidade que se aprecia praticamente em todas as esferas da vida, sobretudo agora que temos direito a tudo, menos o de conformar-nos com qualquer coisa: já não nos preocupamos por preparar-nos para o caminho, senão que nos obcecamos em buscar e encontrar um caminho preparado, um trajeto mais curto e mais rápido para a «glória». Parece que estamos igualando o fanatismo da fé ao fanatismo do êxito sem custo.
Mas a ideia de conseguir tudo «aqui e agora», de encontrar sempre um «atalho», sem esforçar-se, apresenta um grande inconveniente: é uma ilusão. Uma sorte de ilusão cuja única vantagem consiste em que não conduz a «coisa alguma», “si no es a más de lo mismo, es decir, «nada»: se aplica más cantidad de la misma «solución» y se cosecha más cantidad de la misma miseria” (P. Watzlawick). Assim se fabricam os pesadelos.
E não se trata somente de ter uma percepção equivocada do mundo e de como este funciona, senão que pensar que existe um atalho para tudo conduz a uma espécie de imobilismo deliberado porque concentramos todas nossas forças e energias em perseguir uma senda imaginária, quando em realidade poderíamos empregar esses recursos em trabalhar duro apostando por um projeto valioso que tenha possibilidades de êxito a longo prazo. Com isto quero dizer simplesmente que não existem receitas milagrosas, que não há atalhos fáceis para o êxito, que temos que passar pelo que temos que passar, que necessitamos do «processo» e que sem esforço, entusiasmo e tenacidade não adquirimos o que desejamos e/ou necessitamos.
Na verdade, a balsâmica ilusão dos atalhos só existe por culpa de nossa desesperação por encontrar respostas fáceis para grandes problemas, por culpa de nossa necessidade (grupal ou individual) de soluções rápidas e eficazes, por culpa de nosso irremediável desejo de descobrir meios simples para fins complexos, por culpa de nossa tendência a crer qualquer coisa quando nos anima a esperança de uma satisfação qualquer, por culpa da fenomenal credibilidade que entre o grande público (o «espírito do rebanho») alcançou a indústria do «sucesso garantido».
Uma indústria a que não está imune o lucrativo comércio dos “concursos públicos”. Aqui, frente a quem entende que todas as artimanhas e/ou fórmulas mágicas para aprender não constituem um mal consentido, direi simplesmente que é inútil pretender alcançar um fim difícil por meios fáceis. Só é preciso um pouco de sentido comum para ver que as melhores lições costumam ser as mais difíceis. Quero dizer, uma adequada preparação para afrontar a dura experiência dos concursos implica a necessidade de abraçar firmemente a desagradável responsabilidade (i) de não aceitar as opiniões dos que propõem tomar o caminho mais fácil do aprendizado e se orgulham de estar tão “atualizados” que podem transmitir e ensinar, de forma rápida e “eficaz”, todo tipo de lixo intelectual; (ii) de rechaçar resolutamente as promessas de todos aqueles que pensam que sabem mais do que de fato sabem, que não dispõem da humildade intelectual necessária para reconhecer e saber valorar a enorme quantidade de informação que lhes resulta impossível obter e que não sentem nenhuma necessidade de questionar continuamente os limites do próprio conhecimento. Já sabem: prometer é fácil, rápido e barato, e a “ignorância costuma engendrar maior confiança que o conhecimento” (Charles Darwin).
Por mais atenção e tempo que exija, é sempre mais produtivo e efetivo insistir em estudar por livros que estejam à altura dos rigorosos (e às vezes disparatados) critérios cada vez mais exigentes dos concursos públicos. Abandonar a ideia de estudar por meios que nos resultem mais fáceis e menos complexos é o primeiro passo para tornar-se um candidato mais competente e preparado. Tudo aquilo que requer esforço e perseverança é, neste sentido, difícil, e, portanto, é algo que nos faz melhor.
Ademais, o bom conhecimento gerado por um aprendizado significativo ou prática deliberada é um logro, uma atividade ou tarefa na qual, além de constante prática, o indivíduo há de estar presente e de experimentá-la (ativamente) em primeira pessoa. Somente por meio da experiência concreta de estudar, focando nossa atenção e praticando de forma repetida é que poderemos influir eficazmente no modo em que os conhecimentos adquiridos irão cambiando e modelando o substrato neural de nossos pensamentos, de nossa memória e de nosso aprendizado. Um tipo de conhecimento que não se pode realizar e adquirir de forma repentina, quer dizer, que somente adquire uma base segura e sólida ao longo de um incessante e ativo processo de aprendizagem. Com calma, mas sem pausa.
De fato, todas as propostas sérias para desenvolver o aprendizado dão por sentado a eficácia da prática e do esforço pessoal. Até há pouco tempo isto era mais um artigo de fé que uma hipótese demonstrável. Nada obstante, graças ao trabalho de K. Anders Ericsson, hoje sabemos que a “prática deliberada” é o melhor caminho para melhorar nosso rendimento cognitivo; isto é, a prática realizada com plena consciência (e intensa concentração) com o fim de evitar ruídos indesejáveis e resultados negativos. Sem prática deliberada, sem atenção plena, propósito e sentido de direção, todo esforço nunca será suficiente.
Trata-se, em síntese, de um ponto crucial, porque a energia mal gastada em práticas que não estão bem dirigidas equivale a estar drenando o cérebro em atividades desnecessárias ou secundárias para nossos objetivos. Nas palavras do próprio Ericsson: “O trajeto até o desempenho verdadeiramente superior não é para os pusilânimes nem para os impacientes; o desenvolvimento de uma genuína preparação requer luta, sacrifício e um grande esforço pessoal, honrado e com frequência doloroso. Não há atalhos”.
Dito de forma um pouco grossa: o «presentismo», a busca impetuosa, desacertada e desesperada de um atalho que faça mais fácil a vida é a principal causa de muitas de nossas manias, debilidades e defeitos, um intento de nosso cérebro por trabalhar menos e conseguir quanto antes seu “chute” de prazer (D. DiSalvo).
É verdade que sempre há algo de bem no pior mal e certa porção de mal no bem mais apreciado. Mas, em questão de estudo, aprendizado e concurso público, deveríamos “cuidar de não perder a substância por agarrar-nos à sombra” (Esopo).
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