Por Atahualpa Fernandez - 11/04/2015
"No ha de maravillarnos que el azar pueda tanto sobre nosotros partiendo de que vivimos por azar". Montaigne
É certo que nossa maneira de ver as coisas e de como nos sentimos em um determinado momento da vida depende em grande medida de como pensamos ou antecipamos o que sentiremos no futuro: o que se espera é o que importa em realidade (I. Kirsch). Da mesma forma, ninguém nega que as expectativas que temos condicionam consideravelmente o que percebemos e experimentamos no presente, influem em nossa maneira de reagir ante situações concretas, na percepção que temos de nós mesmos e na motivação respeito a acontecimentos futuros.
Mas a memória (tanto a do passado como a do futuro), além de ser uma amiga desleal, distribuída e reconstruída, é frágil e a realidade é mais ambígua e complexa do que aparenta à simples vista. E sucede tudo tão depressa que na maioria das vezes não somos capazes de alcançar ver a relação entre os acontecimentos e nem tão pouco de medir com exatidão as consequências futuras de nossos atos; cremos na ficção do tempo, nos resistimos ao fato de que o presente sempre está aberto a vários futuros e olvidamos que a “fortuna supera em retitude os preceitos da prudência humana” (Plutarco). Não podemos ser donos da sorte ou do azar e não há método humano capaz de domesticá-los.
Com isso não quero dizer que nossas vidas e nossos objetivos vão tomando forma somente sobre a base de acontecimentos arbitrários e desagradáveis e/ou que a fortuna implica arrancar de nossa consciência o fato de que somos responsáveis, ao menos em parte, tanto de nossos êxitos como de nossos fracassos. Unicamente digo que parecem avançar por um terreno que em boa parte está sem sinalizar. Por exemplo, em que medida podemos prognosticar o êxito de nossa formação e preparação pessoal em um concurso quando unicamente podemos ver até certo ponto e as coisas (perguntas das provas, qualidade dos examinadores, critérios de correção e avaliação, nota de corte, etc.) cambiam antes de que possamos dizer “Surpresa!”? Devemos atuar ou permanecer à margem? Agir ou apenas observar e sofrer com passividade os avatares dessas situações incontroláveis? Aceitar com tranquila resignação o que a fortuna interponha em nosso caminho ou perseguir tenazmente os objetivos que nos marcamos?
Nestes casos, as decisões raras vezes são tão claras. Um dia nos sentimos ganhadores e dispostos a correr riscos; ao dia seguinte nos sentimos perdedores e os evitamos, mesmo que nossas circunstâncias objetivas não tenham cambiado. O único perigo real é o de permanecer, por fobia ao futuro, desestimulado durante muito tempo e, sentindo-se insultado pela fortuna, deixar que nosso estado de ânimo decaia cada vez mais, nossos objetivos se dispersem e nossa capacidade de desembaraçar-nos da desesperança e dos sentimentos destrutivos simplesmente fique em suspenso ou desapareça.
Quero dizer, independentemente de nossas eleições, o certo é que nos vemos obrigados a construir o futuro por nossa conta e que não podemos esperar passivamente a que nossos neurotransmissores, indiferentes às contingências da vida, se ponham em marcha. E dado que só podemos ter uma ideia vaga sobre as probabilidades do ritmo instável e aleatório de nosso incerto devir e que está em nossas mãos não somente o controle de nosso próprio estado de ânimo, senão também a capacidade de dirigir nossa atenção e conduta àquelas tarefas que podem ajudar-nos a alcançar o êxito, o melhor a fazer é centrar-nos no “processo” de lograr nosso objetivo, em lugar de antecipar ou tentar predizer o produto final de nosso empenho. Em último termo, isso é quiçá o único que nos está permitido controlar.
O essencial da sorte é sua não disponibilidade; somente está disponível a “atitude” que uma pessoa pode adotar a respeito: pode abrir-se ou fechar-se ante as casualidades de um desafio, uma experiência, um objetivo, um propósito. Assim que só nos resta aceitar o acaso, amar ao que nos depare o destino (o “amor fati” descrito por Nietzsche), trabalhar estoicamente em nossa preparação, ter paciência, saber esperar até que chegue o momento oportuno, saber aceitar em caso de que não ocorra nada e superar no caso de que resulte ser diferente do que se esperava. E o mais importante - tal como disse Steve Jobs em certa ocasião -, “crer que, de algum modo, tudo acabará encaixando em algum momento em nosso caminho, em nosso futuro”. Somente atuando assim “teremos a confiança para seguir ao nosso coração, ainda que nos conduza por fora dos sendeiros mais transitados”. (L. Mlodinow)
Também deveríamos aprender o que John Keats denominou de “capacidade negativa”. Esta capacidade que consiste em saber existir, com sensatez e equilíbrio, em meio da incerteza, o mistério e a dúvida, sem proceder a “uma busca irritada [e sempre prematura] do fato e da razão”, sem uma ânsia exacerbada de alcançar quanto antes a certeza, mas também (e fundamentalmente) sem deixar de lutar para que a “vida não mate os sonhos que sonhamos”.
Para dizê-lo de uma forma mais despretensiosa, melhor que recorrer ao imaginário interpretativo, às ilusões positivas (otimistas e “previsíveis”) e/ou às distorções ingênuas da realidade, é tomar diretamente o controle de nossas vidas, de tudo aquilo que possa estar, potencialmente, baixo nosso controle, trabalhar duramente, com determinação e perseverança, com toda a satisfação que isso acarreta. O realmente importante não é o que obteremos, senão em que nos transformamos graças a nossos esforços o que faz com que estes valham à pena.
Em que pese o fato de que o êxito (por exemplo, a aprovação final) dependa de casualidades incontroláveis, das circunstâncias em que se apresentam os desafios e da personalidade de quem os enfrenta, o que efetivamente importa é a entusiasmada sensação de que estamos prontos para brigar por nossos objetivos e convencidos de que, apesar da (ou graças à) fortuna, a cada dia que passa sabemos que estamos dando o melhor de nós mesmos para chegar a ser o que cremos que somos e o melhor que podemos chegar a ser.
Não há que permitir que a aflição gerada pela “incerteza de saber se conseguiremos aprovar algum dia” se interponha em nossos valiosos propósitos; há que lutar por eles descartando antigos paradigmas e vias inadequadas. Saber que junto ao “sentido de realidade” existe também um “sentido de possibilidade” é precisamente o que nos permite abrir os olhos respeito às múltiplas alternativas com que a vida nos brinda e o que nos motiva a assumir o compromisso de cumprir nossos desejos pessoais; quero dizer, de empenhar-nos na consecução de certas coisas de uma lista de objetivos pelos quais merece a pena esforçar-se.
Nisso consiste precisamente a esperança: a combinação de “diligência” e “opções”. As pessoas com grandes esperanças são as que estão dispostas a “atuar” (diligência) e têm o talento para pensar nos “caminhos” (opções) que lhes podem levar até seu objetivo. Se não temos o controle sobre todas as coisas, sim que podemos controlar nossas próprias ações e dedicar nossa energia a encontrar os caminhos que nos levem ao que desejamos.
Portanto, a resposta de como enfrentar-se a esse (imprevisível e descuidado) mundo de loucos dos concursos é trabalhar (previsível e cuidadosamente) como um louco (a); este é o exemplo perfeito de diligência para atuar. E como tudo na vida: “El que resiste, gana” (Camilo José Cela).
Veja a Parte I aqui
Atahualpa Fernandez é Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España
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