Comunicação: uma breve reflexão sobre seus possíveis efeitos - Por Samira Schultz Mansur

13/11/2017

“… nada melhor do que a boa literatura para aguçar nosso olfato e nos tornar sensíveis para detectar as raízes da crueldade, da maldade e da violência que o ser humano pode desencadear" (Vargas Llosa, 2013). 

Inimaginável são os efeitos do cerceamento da liberdade. Diria mesmo que são personalíssimos, pois difícil entender sua complexidade quando observados apenas pelo âmbito de outrem. A liberdade é um bem precioso, mas não está garantida a nenhum país e a nenhuma pessoa que não saiba assumi-la, exercitá-la e defendê-la; é escolha, convicção, prática, ideias que devem ser enriquecidas e postas à prova o tempo todo (Vargas Llosa, 2013).

Como corolário da liberdade encontram-se a livre expressão do pensamento, da escrita, de desenhos, de pinturas, de esculturas, de ideologias, de histórias reais ou fictícias que tentam representar a vida como ela é ou se gostaria que ela fosse. Ocorre que entre as diversas formas de manifestação desta liberdade, há aquelas que mais atraem e entretêm o público, abordando-o sem questionar e que são oferecidas a ele de forma bastante fácil, como as imagens das telas.

É compreensível a fuga da realidade objetiva em busca da fantasia das telas - aliás, desde o princípio, esta foi uma das funções da literatura -, mas transformar a história real em ficção pode fazer o cidadão sentir-se exonerado de responsabilidade cívica e desacreditado de sua capacidade de intervir em um contexto que parece irreversível (Vargas Llosa, 2013). O mesmo decorre de qualquer outro meio de comunicação de massa - como a imprensa ou o rádio - cujo poder deve ser encarado em uma perspectiva cuidadosa, haja vista sua capacidade de persuasão subordinada à dotação financeira (Galbraith, 1984).

O poder persuasivo dos meios de comunicação é tanto que a partir do que é apresentado (de forma sistemática e organizada) por eles, grupos sociais se condicionam a falar sobre o assunto mais divulgado. Alusões a estas fontes são universais e automáticas - “li isso no jornal” ou “vi isso na televisão” -, de onde se iniciam quase todas as conversas políticas (Galbraith, 1984). A televisão, a imprensa e o rádio têm função deveras relevante especialmente pelo nobre ideal da comunicação, o que permite a formação, a instrução e o debate políticos na sociedade, bem como o acesso amplo ao conhecimento de todas as demais esferas que participam e interferem no desenvolvimento de um povo, por conseguinte, sua responsabilidade é extrema.

Tais conversas políticas, despontadas pelo que é divulgado pelos meios de comunicação, quando permeadas por trocas de ideias que buscam a proximidade verídica dos fatos, compreendendo-os por sua história, são vitais para o amadurecimento e a evolução social. Do contrário, arrisca-se por seguir um caminho de espectadores em um mundo que, embora tenha formas democráticas, comporta-se de forma letárgica, com homens e mulheres resignados, aqueles que todas as ditaduras aspiram (Vargas Llosa, 2013).

Importante alertar que, por terem repercussão imediata em amplos setores, a televisão e, em segundo lugar, o cinema são os meios mais controlados pelos poderes públicos - vigiados, aconselhados, dissuadidos, mediante leis, regulamentos ou pressões políticas e econômicas - para abordar temas polêmicos ou de forma polêmica e induzidos a ser de entretenimento (Vargas Llosa, 2013). Infelizmente, ambos trazem informações escassas do contexto apresentado e insuficientes para relatar, frente a complexidade histórica dos temas, a verdade do que deveriam transmitir e que se encontra, por vezes, sabida, mas oculta, manipulada e/ou acompanhada de parcialidade. Por isto que a reflexão individual ou coletiva deve estar sempre junto ao assunto que é ouvido, lido ou visto. "Precisamos aprender a distinguir cuidadosamente entre o conteúdo intencional e o conteúdo involuntário da mente” (Jung, 2008).

É possível que as longínquas origens da capacidade de reflexão do homem venham das dolorosas consequências de choques emocionais violentos, os quais são muitas vezes necessários para que as pessoas acordem e se dêem conta da maneira como estão agindo (Jung, 2008) e, importante, da maneira com que estão lutando pelos seus direitos. Salienta-se que o vínculo que se estabelece entre um povo e seus direitos, e que o faz defendê-los, é proporcional ao trabalho dedicado a sua causa (Ihering, 2009).

Um comportamento antagônico, sem luta, revela uma sociedade que esqueceu (ou nunca soube) dos esforços que derivaram seus direitos - e deveres - e dos personagens expoentes da história que desafiaram legitimamente a imposição de arbitrariedades. Freud (2016) esclarece que a grande maioria dos seres humanos trabalha apenas sob coação e dessa repulsa natural ao trabalho derivam-se os mais graves problemas sociais, desde insatisfações pessoais restritas até àquelas que alcançam o outro ou a coletividade, como resultado do exercício inadequado e irresponsável de funções públicas ou privadas.

Não devemos esquecer que o interesse de qualquer um em defender seu direito confronta-se sempre com o direito de um outro em o desprezar (Ihering, 2009). Ademais, a consciência moral se comporta com uma severidade e uma desconfiança tanto maiores quanto mais virtuoso for o indivíduo (Jung, 2008), o que se vincula à ideia de que todo homem que sente alguma indignação, alguma cólera moral devido a lesão ao direito feita pelo despotismo possui incontestavelmente o sentimento de luta pelo direito e de luta contra o arbítrio (Ihering, 2009).

Este sentimento de luta demanda o controle de si mesmo, segundo Jung (2008), uma virtude das mais raras e extraordinárias - podemos ter a ilusão de que nos controlamos, mas um amigo facilmente poderá nos dizer coisas a nosso respeito de que não tínhamos a menor consciência. Ou seja, o inconsciente ocupa uma parte importante de nossos comportamentos a ponto de, sem percebermos, ser capaz de influenciar como reagimos a determinadas pessoas e situações. Enquanto não nos conscientizarmos da existência de nosso inconsciente, facilmente atribuiremos ao destino, aos outros, à política, à cultura, à religião, todos os acontecimentos nos quais poderíamos ter sido sujeitos motivadores de transformações, opositores de condutas arbitrárias, resistentes a ideias falaciosas que tendem a enfraquecer o nosso direito. E, assim, provavelmente seguirão questionamentos como:

Quanto uma conduta permeada por convicções rasas e espetaculosas, a fluir de forma tendenciosa e com força cinematográfica, é capaz de atingir a complexidade humana, individual e coletiva? Quanto a sociedade direciona os pensamentos e os sentimentos das massas a ponto de impulsionar condutas determinantes e julgamentos contundentes e desnecessários? Quanto informações disseminadas de forma incompleta e descuidadas são capazes de bloquear as reflexões de seus ouvintes ou leitores, que poucas vezes se ocupam em saber a raiz dos fatos?

Segue-se abaixo um diálogo do livro "Medida por Medida”, de Shakespeare, a fim de que o leitor possa vincular a reflexão do texto às palavras: prisão, semideus, justiça, desmedida e morte.               

"Claudio
Por que me exibe assim para todo o mundo?
Leve-me pra prisão, como mandaram. 

Delegado
Não é por requinte de maldade;
O senhor Ângelo assim mandou. 

Claudio
É assim o semideus. Autoridade,
Pune nossas ofensas com seu peso.
É a palavra do céu: para este, sim;
Ou para este, não; é a justiça. 

Lucio
Então, Cláudio, que tal?
Por que está assim tão cerceado? 

Claudio
Por tomar liberdades, caro Lúcio.
Todo banquete conduz ao jejum,
Do mesmo modo que toda desmedida
Vira prisão. O nosso instinto busca -
Como o rato que corre pro veneno -
A má bebida que nos leva à morte”.

 

Referências Bibliográficas

FREUD, Sigmund. O Mal-estar na Cultura. Tradução de Renato Zwick. 2 ed. Porto Alegre: L&PM. 2016. 172 p. 

GALBRAITH, John Kenneth. Anatomia do Poder. Tradução de Hilario Torloni. São Paulo: Pioneira. 1984. 205 p.

IHERING, Rudolf von. A Luta pelo Direito. Tradução de João de Vasconcelos. São Paulo: Martin Claret. 2009. 101 p. 

JUNG, Carl G. O Homem e seus Símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 2008. 429 p. 

SHAKESPEARE, William. Medida por Medida. Tradução de Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 2015. 135 p. 

VARGAS LLOSA, Mario. A Civilização do Espetáculo: uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura. Tradução de Ivone Benedetti. 1 ed. Rio de Janeiro: Objetiva. 2013. 208 p.

 

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