Comportamento corrupto: "Se não sabem, são estúpidos, e se sabem, são maus" (Parte 2)

15/08/2015

Por Atahualpa Fernandez e Marly Fernandez - 15/08/2015

Leia também a Parte 1

“La esperanza de una mala ganancia  es el comienzo de una pérdida. El  olvido de las propias faltas trae consigo la desfachatez. La vergüenza miedosa produce servilismo; pero la disposición amistosa no tiene esa recompensa. Para nada debe uno avergonzarse más frente a otros que frente a si propio, ni debe contar, en un acto de maldad, el que no se entere nadie o el que se entere la humanidad toda. Ante nosotros mismos debemos primordialmente avergonzarnos, y esto tiene que figurar como ley a las puertas del alma: nada hacer que sea indigno”.

Demócrito

Impessoalidade, razão e emoção

A pesquisa mais ampla sobre nossas intuições e juízos morais foi realizada por uma equipe de investigadores em psicologia dirigida por Marc Huaser, no marco de uma investigação massiva através de internet e na qual participaram pessoas de ambos os sexos, de distintas categorias de idade, distintas religiões, distintos níveis de estudos, de diferentes comunidades étnicas ou culturais e em vários países. Consistia em apresentar o clássico dilema do trem, proposto inicialmente nesta forma por Phillipa Foot: “Um trem circula sem controle e se aproxima em direção a cinco pessoas que morrerão se o veículo mantém a mesma trajetória. Pablo, que está passeando junto à via do trem, é testemunha da cena anterior e tem a oportunidade de salvar-lhes a vida mediante o simples movimento de pulsar um interruptor que desviará o trem para outra via diferente, donde só matará a uma pessoa em lugar de cinco.  Deve acionar o interruptor e desviar o trem com o fim de salvar a cinco pessoas a expensas de uma?”   

Se o amável leitor (a) é como a maioria das pessoas, não vacilará à hora de pulsar o interruptor: experimentamos poucas dificuldades à hora de decidir o que fazer nessa situação. E ainda que a perspectiva de pulsar o interruptor não seja precisamente agradável, a opção utilitarista (matar a uma pessoa em lugar de cinco) representa a "opção menos má". De fato, a grande maioria das pessoas que responderam em todo o mundo, aproximadamente um 89%, afirmou que estava bem ou que era correto que Pablo acionasse o interruptor.

Em seguida, lhes propuseram a seguinte variante, proposta por Judith Jarvis Thomson: “Como antes, o trem ameaça com matar a cinco pessoas. Frank se encontra em uma passarela (ponte) sobre a estrada de ferro e tem a seu lado a uma pessoa corpulenta e de grande estatura. Se empurra ao desconhecido e o joga às vias deterá a marcha do trem. O desconhecido morrerá, evidentemente, mas se salvarão as cinco pessoas. Está bem ou é correto que Frank salve as cinco pessoas matando a este desconhecido? Deveria empurrar-lhe?”

Se o amável leitor (a) for como quase todo o mundo, se sentirá um pouco mais cauto e angustiado ante a sugestão de que Frank deveria empurrar a uma pessoa inocente, ainda que seja para salvar outras cinco almas. Aqui poderíamos dizer que nos encontramos ante um dilema "real". Neste caso, um 89% dos entrevistados respondeu que não. Esta coincidência em todos os grupos culturais e de idade, assim como a dicotomia na resposta, resulta assombrosa quando em realidade as cifras (salvar a cinco pessoas permitindo a morte de uma) não variam entre os dilemas. E mais: quando se pediu aos entrevistados que justificassem suas respostas, estes ofereceram diversas explicações, nenhuma especialmente lógica.

Desde outra perspectiva e metodologia, Joshua Greene e colaboradores se perguntaram se as pessoas utilizavam a mesma parte do cérebro em ambas as circunstâncias, isto é, para a solução de ambos os dilemas. Assim que «escanearam» aos sujeitos em um experimento com neuroimagem enquanto decidiam suas respostas. Descobriram que com o primeiro dilema, que era de caráter «impessoal» (pulsar o interruptor), se incrementava a atividade nas áreas do cérebro associadas com o raciocínio abstrato e a resolução de problemas, enquanto que no segundo caso, que era um dilema «pessoal» (havia que tocar fisicamente e empurrar a um desconhecido), se incrementava a atividade nas áreas associadas com a emoção e a cognição social.

Agora cambiemos de cenário.

“Passas por casualidade ante um pequeno lago e vês a uma criança que se está afogando. Não há nem pai, nem mãe, nem nenhum outro transeunte por perto para socorrê-la. Tu podes salvar-lhe a vida facilmente. Basta que corras em seguida até ela sem sequer desnudar-te e a tragas até a borda. Não é necessário que saibas nadar, pois o lago não é profundo. Se o fazes, só te expões a estragar os belos sapatos que acabas de comprar e a chegar tarde a teu trabalho. Não seria monstruoso deixar morrer a essa criança para não estragar os sapatos novos e evitar o reproche de um chefe?”.

Se o amável leitor (a) responde que sim, também terá que admitir que é monstruoso deixar morrer de fome a umas crianças que vivem em países mais pobres quando bastaria que dedicasse uma parte ínfima de seu salário para salvá-las. J. Greene também explora esta hipótese para explicar o contraste entre nossa indiferença à sorte das crianças que morrem de fome distantes de nós, com as quais não temos contato pessoal, e nossa sensibilidade ao sofrimento exposto ante nossos olhos. Ao analisar este tipo de dilema, Greene e colaboradores descobriram que, ainda que as opções são superficialmente as mesmas – não faças nada e preserva teu interesse próprio ou salva vidas com pouco custo pessoal -, a diferença estriba em que o primeiro cenário é «pessoal», enquanto que o segundo é «impessoal».

No que concerne à (boa) neurociência, o mais interessante e o que realmente importa não é tanto as respostas que formulam os participantes desses experimentos, mas sim as áreas cerebrais que se lhes ativaram de forma distinta quando se enfrentavam aos dilemas morais pessoais e os dilemas morais impessoais, isto é, que tipo de dilemas as ativa e que zonas do cérebro intervêm quando se tomam decisões morais desse tipo. E posto que se trata, tanto no dilema do trem como do afogamento, de casos similares que requerem respostas similares, os correlatos neuronais diferenciais para a resolução dos dois grupos diferentes de dilemas se distinguem pelo modo de chegar a um mesmo resultado: um em que os sujeitos se encontram implicados «pessoalmente» em uma determinada ação (em que se incrementa a atividade nas áreas associadas com a emoção e a cognição moral/social) e outro que implica uma maior distância pessoal para quem atua (em que se incrementa a atividade nas áreas do cérebro associadas com o raciocínio abstrato e a resolução de problemas).

De acordo com as investigações procedentes das ciências que se ocupam do cérebro e da conduta, parece razoável supor que não estamos frente a dois juízos reciprocamente excludentes, senão diante de dois juízos diferentes que ativam áreas distintas do cérebro por obra das circunstâncias e do envolvimento pessoal do agente que atua. Em realidade, esses resultados parecem indicar que quando se apresenta um problema moralmente equivalente sobre o qual a pessoa decide não atuar, é porque a parte emocional do cérebro não se ativa.

No caso de comportamento corrupto, o abuso do poder, os vícios da avareza e da cobiça não são os únicos que sacam a reluzir as tendências assustadoramente egoístas e desonestas que tão frequentemente determina o proceder dos indivíduos cujo comportamento perverso, imoral, cínico e perigoso não pode suportar que a luz da virtude brilhe com demasiada força no fascinante mundo da imoralidade. A incapacidade ou cegueira (deliberada ou não) para perceber o vínculo causal, a impessoalidade e/ou a distância emocional do agente em relação aos membros «invisíveis» da sociedade também parecem facilitar a prática de atos corruptos.

Resultado: um agente corrupto está sempre disposto a abraçar a ideologia de que"dinheiro público não é de ninguém" e a enriquecer-se como uma «impessoal» máquina de caça-níqueis, mas seguramente não estaria disposto a enriquecer-se utilizando uma arma e/ou provocando pessoalmente o sofrimento de membros concretos de uma comunidade.

Comportamento corrupto: impessoalidade, distância e indiferença emocional

De todas estas investigações é legítimo perceber ou depreender a seguinte conclusão: qualquer coisa ou qualquer situação que faça com que um indivíduo se sinta distante (psicológica e emocionalmente), anônimo ou que lhe provoque um sentimento de impessoalidade e inexistência de nexo causal entre seu comportamento e a miséria ou o sofrimento dos demais, debilita seu sentido da responsabilidade pessoal e, em consequência, faz possível que possa atuar com maldade e imoralidade. E esta possibilidade aumenta quando se acrescenta outro fator: se a situação, sua função institucional ou alguma autoridade lhe dá permissão para atuar de maneira antissocial ou desonesta contra outras pessoas, o agente corrupto seguramente estará  disposto, inclusive, a «fazer a guerra» em benefício próprio.

Uma explicação evolucionista do diferente comportamento das pessoas nas situações acima indicadas seria que durante a maior parte de nossa história evolutiva os seres humanos viveram em pequenos grupos onde se conheciam todos e onde a violência ou a maldade somente podia infligir-se de uma maneira direta, «pessoal» (golpear, estrangular, empurrar). Para tratar com estas situações desenvolvemos umas respostas emocionais aversivas imediatas, de base afetivo-emocional. O pensamento de arrojar a uma pessoa pela ponte, de deixar afogar-se a uma criança ou de praticar diretamente o ato de «roubar» dispara estas respostas emocionais aversivas. Pulsar um interruptor que desvia o trem, não enviar dinheiro para crianças que vivem em outros continentes ou desviar em proveito próprio dinheiro público destinados a vítimas que não se veem, não guarda nenhuma semelhança com qualquer probabilidade de haver ocorrido nas circunstâncias em que nossos ancestrais viveram no passado. Por isso, estes tipos de pensamentos ou condutas não disparam a mesma resposta emocional que arrojar a uma pessoa às vias, deixar afogar-se a uma criança ou praticar um roubo à mão armada.

Este fenômeno pelo que a distância com respeito à vítima facilita cometer uma agressão ou um ato imoral (ilícito), explica por que pessoas que não roubariam um dinheiro diretamente a outros podem cometer atos de corrupção devido à qualidade etérea e invisível de suas vítimas, que faz com que se perca essa relação pessoal ou direta que atuou de freio em nossa história evolutiva.[1]

Ademais, essa sensação de impessoalidade e distância, somada à indiferença e ao exercício de uma função institucional tem múltiplas consequências para o agente corrupto, entre elas a suspensão da consciência em geral e da consciência de si mesmo. As limitações habituais da maldade e dos impulsos desonestos se diluem nos excessos da impessoalidade e da distância (psicológica e causal). O cinismo se impõe por encima do nível moral que reservamos a nossos congêneres verdadeiramente humanos e a percepção de impunidade suspende a consciência ética e o sentido de dever, desvaloriza a dimensão da responsabilidade pessoal, da obrigação, do compromisso, da fides, da boa fé, da moralidade, do sentimento de culpa, da vergonha e do medo, assim como da análise dos próprios atos em função de seus custos e benefícios.

Em última instância, reduz o interesse do agente corrupto em autoavaliar-se, projetando sua responsabilidade para o exterior, para as circunstâncias ou os demais, em lugar de dirigi-la ao interior, para si mesmo, para as deficiências e defeitos de seu próprio caráter. Já não há um sentido do bem nem do mal, não há sensação de culpabilidade por atos ilegais nem infernos por atos imorais. Quando os controles internos se suspendem, a conduta se acha por completo sob o controle externo da situação: o exterior se impõe ao interior. O que é possível e está disponível, o que é impessoal e está distante, se impõe ao correto, ao bom, ao justo e ao virtuoso.

Chegado a esse ponto, a bússola moral desses indivíduos perde o norte. Não há aqui a menor consideração à advertência de Demócrito de que em um ato de maldade devemos envergonhar-nos principalmente diante de nós mesmos e que há uma regra que deve figurar como lei às portas da alma: "Nada hacer que sea indigno".

Seres sem dignidade: "Se não sabem, são estúpidos, e se sabem, são maus"

Se Dante Alighieri pudesse regressar, que círculo do inferno reservaria aos agentes corruptos? Para Dante, os pecados que brotam desta raiz são os piores, os «pecados do lobo», a condição espiritual de ter no interior de si mesmo um buraco negro tão profundo que nunca se poderá completar com quantidade alguma de poder ou de dinheiro. Para os que sofrem desse mal mortal, o que existe fora do ego só tem valor se o ego pode apropriar-se dele ou explorar-lhe. No inferno de Dante os culpáveis deste pecado se acham no nono círculo, congelados no lago de gelo. Por não haver se ocupado em vida de outra coisa salvo de si mesmos, estão presos em um ego gelado para toda a eternidade.

A corrupção é nossa própria versão (moderna) dos «pecados do lobo», a demonstração cristalina do que faz com que el ser humano haga del ego su único bien, un bien que acaba siendo su prisión.” Uma cegueira mental que encerra o corrupto em um lugar sombrio, congelado em uma prisão autoimposta, donde recluso e carcereiro se fusionam em uma realidade egocêntrica (uma espécie de sórdida impessoalidade, servil indiferença e ablepsia empática autoimpostas) que lhe impede de ver os vínculos causais entre o ato praticado e as consequências negativas que suas ações  tem sobre outras pessoas.

É evidente que o tema da corrupção já deu muito ao longo da história humana, e ainda dá muito de si. Mas sabemos tão pouco da corrupção que ninguém ainda foi capaz de ilhar suas causas, nem de averiguar categoricamente por que determinados desequilíbrios neuroquímicos afetam aos seres humanos de formas completamente distintas. De fato, ninguém sabe exatamente a causa, o sinistro, inescrutável e tóxico mundo (interior) dos motivos do «cidadão» corrupto, desses homens e mulheres sem dignidade, da esquizofrênica incapacidade para calibrar seu caráter e da demencial busca de autojustificação para seus atos nos rincões mais escuros de uma mente doentia - sua «consciência moral», se desejamos chamar assim. E o mais assombroso é que nenhum corrupto, ao distorcer ou ignorar deliberadamente essa sua natureza imoral, se considera como tal e que quanto maior é seu grau de impostura e adição ao crime, mais difícil é que se dê conta de sua maldade, “ya que atañe directamente a su carácter” (J. Epstein). Em qualquer caso, sempre trata de escapar das consequências dos próprios atos, com esse intento frenético e patológico de gozar das vantagens da imoralidade sem sofrer nenhum de seus inconvenientes.

Mas há algo mais. Nos delitos de corrupção, dado que se está dando mau uso a recursos públicos, o prejuízo é de toda a sociedade e, dado que toda a sociedade não é o nome próprio de uma pessoa ou de um sistema físico intencional concreto e identificável, com rosto próprio, resulta quase impossível que causar dano à sociedade gere sentimentos de arrependimento ou aversão. Em um mundo racional, seria óbvio supor que a consequência de causar dano a uma sociedade deveria ter um efeito persuasivo muito forte, maior que ao de causar dano a uma única pessoa. Isto é relativamente claro porque em termos utilitários e de cálculo racional é pior causar dano a muitas pessoas que a um só indivíduo.

Nada obstante, não está claro que nos pareça ou que percebamos como mais grave causar dano a muitas pessoas de uma sociedade, especialmente quando não nos inteiramos quem são essas pessoas e não estamos convencidos (ou temos a “certeza”) de que efetivamente nosso ato lhes causa algum prejuízo tangível. Na verdade, tendemos a pensar que é mais persuasiva a imagem ou o som de uma pessoa morrendo cruelmente como resultado de um ato que executamos, que o argumento de que muitas pessoas serão afetadas por esse mesmo ato; sobretudo se o dano a essas pessoas somente se pode estabelecer mediante relações causais complexas, impessoais e distantes no tempo e no espaço (E. Salcedo-Albarán).[2]

Daí que, embora consciente que a maioria “de los penalistas se les eriza el vello corporal cuando oyen hablar de justificaciones retributivas de la pena o del punitivismo actual que día tras día endurece las penas” (J. A. García Amado), estou convencido de que para certos delitos, quando o castigo ou a pena é proporcionalmente alta, sim que dissuade grandemente (desde que, evidentemente, ninguém seja castigado em medida maior do que por sua conduta merece).

Os trabalhos revisados por Roy Baumeister – ainda que não seja politicamente correto dizê-lo - demonstram claramente que o castigo é mais potente para dissuadir, corrigir e aprender que qualquer outra forma de «recompensa» que tenha por escopo salvar o infrator para que se torne útil à sociedade, apregoar o fim da sanção punitiva, preconizar a substituição da pena por uma pedagogia ou instrumental de controle informal do comportamento, pugnar por sanções penais mais brandas, adequar perfeitamente a pena ao criminoso e ao fato delituoso, etc...etc. Sem (justa) retribuição não há pena justa e o conjunto do corpo social se vê induzido a repudiar a ideia mesma de responsabilidade (“ese es exactamente el peligro de la corrupción: ridiculizar la honradez, convertirla en una excepción tan vana como trasnochada” – P. Bruckner).

A corrupção não entende de vítimas e quando se acumula tolerante e/ou impunemente dentro de uma sociedade, uma pessoa, em muitos indivíduos ou em determinados grupos, acaba por transmitir a aterradora mensagem de que é aceitável comportar-se mal a grande escala. E que eu tenha notícia, nenhuma teoria inventada, por brutal que seja (ou tenha sido) em nome de seu próprio idealismo, conseguiu até o momento desarraigar com utopias a prática da corrupção daqueles não conseguiram o que Platão considerava como o mais difícil do mundo: “experimentar e abandonar a vida pública com as mãos limpas”.

O mundo em que vivemos é demasiado complicado como para que as fantasias que criamos o mantenham em ordem; e quando não há castigo para os que cometem abusos e excessos, basta apenas um egoísta para arruinar a cooperação no grupo, diminuindo suas possibilidades de êxito. Isto valeu para os monos, valeu para os hominídeos e vale para qualquer grupo humano hoje – seja uma empresa, seja uma escola, seja um pelotão da infantaria naval, seja a administração pública...

Não olvidemos que tanto os atuais modelos teóricos como as evidências de provas experimentais indicam que, à falta de castigo, a solidariedade mútua e o significado social de uma vida digna não se sustentam em presença de aproveitadores, e decaem. Com o fim de que sobreviva a cooperação social, é imprescindível e iniludível controlar, julgar, condenar e punir os desonestos, quer sejam estúpidos ou maus. Se a responsabilidade e o castigo se eliminam, a sociedade se desmorona (M. Gazzaniga). A mera possibilidade de aplicar uma penalização não somente favorece atuações morais, senão que também funciona como uma forma eficaz de incrementar a cooperação: a moral e a cooperação prosperam se o controle e castigo são possíveis e deixam de funcionar se são eliminados (P. Churchland). Para dizê-lo do modo mais simples possível: a virtude unifica, os vícios dispersam e o castigo corrige.

De outro modo, teremos que esperar, segundo o suplemento à Terceira Parte da Suma Teológica, pela contemplação das penas dos agentes corruptos condenados no inferno para incrementar nossa felicidade (ou desfrutar da caída: «Schadenfreude») e saciar nosso sentimento ou genuína fome de justiça ("Quum contraria juxta se posita  magis  elucescant, beati in regno coelesti videbunt poenas damnatorumut beatitudo illis magis complaceat"). Pessoalmente, desde meu assumido ceticismo e reconhecendo que quando penso sobre a corrupção sai o pior de mim, me limito a agourar - parafraseando a máxima de Jean Meslier - que a praga da corrupção só será definitivamente erradicada quando o último corrupto houver morto estrangulado com as tripas do último sacerdote pedófilo. Mas essa é outra história.


Notas e Referências:

[1] Este mecanismo explica os problemas para levar a cabo o Holocausto que tiveram que enfrentar os nazistas. Quando utilizavam métodos muito diretos como disparar frontalmente às pessoas, os soldados vomitavam, sofriam crises nervosas, havia que ajudar-lhes com álcool e drogas, e muitos deles não podiam realizar essas matanças. Quando o método utilizado passou a ser as câmaras de gás, se facilitou enormemente a execução dessas atrocidades. Isto explica também o porquê um soldado americano que não daria um sopapo a uma criança indefesa seja capaz de disparar um míssil desde um F-18 a centos de quilômetros do objetivo e provocar a morte de 200 crianças igualmente indefesas. Nos famosos experimentos Milgram, quando a vítima estava na mesma habitação que o sujeito experimental e este podia ouvir seus gritos, e inclusive tinha que participar ativamente em sujeitar-lhe para administrar a descarga elétrica, a porcentagem de sujeitos que se negou a seguir administrando os shocks eléctricos aumentava notavelmente. Em suma: é necessária a pessoalidade, a cercania emocional, a ação presente e que esta dane um sistema físico cuja antropomorfização seja praticamente imediata para gerar um sentimento de dor, angústia ou mal-estar próprio e, com isto, arrependimento em caso de que o ato seja cometido em primeira pessoa ou aversão em caso de que o ato somente seja percebido.

[2] Nota bene: Uma das propostas para combater a corrupção consiste na ideia de prevenção feita a partir das emoções (a partir da ação de mecanismos neuronais e psicológicos automáticos), que poderia ter uma efetividade mais ágil e se aplicaria a uma maior quantidade de pessoas. Segundo essa proposta, somente através da geração de cenários para que a sociedade em geral se enfrente cara a cara com as vítimas da corrupção, se darão as condições emocionais necessárias para que qualquer prática de corrupção comece a reconhecer-se como uma prática criminal comum. Quer dizer, dadas as condições emocionais para que a sociedade reconheça que a corrupção é um delito, estará aberto o caminho para um câmbio cultural de rechaço e aversão a esta prática, reconhecendo-a como um delito mais que atenta contra a integridade das pessoas. E uma vez que se identifiquem os vínculos causais entre um ato de corrupção e as consequências danosas que este ato tem sobre outras pessoas, se começará a admitir que a corrupção, ao igual que todos os crimes, perturba a ordem econômica, social, política e, em últimas, atenta contra o bem-estar da sociedade em seu conjunto. “Por el contrario - afirma E. Salcedo-Albarán e colaboradores (que estudam certas condutas criminais utilizando os neurônios espelho e a Teoria da Mente - ToM) -, “si continúa la situación en que quien comete un acto de corrupción nunca se entera de que dicho acto tuvo implicaciones sobre el bienestar de otras personas, entonces ni siquiera el propio corrupto se reconocerá como criminal o infractor”. O único inconveniente é que o universo de pessoas frente ao qual este tipo de estratégia pode resultar efetivo é mínimo e francamente limitado. Pretender e/ou insistir que todos deveríamos seguir determinadas estratégias, técnicas, fórmulas ou emoções «corretas» e «compartidas» é simplemente um ato de fé ou de um otimismo pasmoso. Porque se isto fora possível não existiria, por exemplo, a obesidade, nem o consumo de drogas, o alcoolismo ou as corrupções. Explicaríamos às pessoas obesas que têm que levar uma dieta equilibrada e fazer exercício e pronto, solucionado, não haveria obesidade. Aos consumidores lhes explicaríamos que não têm que consumir, que isso está prejudicando sua vida e suas relações; aos corruptos que seus crimes produzem consequências negativas para a sociedade, perturbam a ordem econômica, social e política, e atentam contra a integridade e o bem-estar de outras pessoas... e eles diriam: “É verdade, não me havia dado conta!”… E problema resolvido, mundo feliz. Mas não crê o leitor (a) que um obeso, um consumidor ou um corrupto sabe melhor que ninguém o que deveria fazer? Muitas vezes parece que albergamos a estranha ideia de que se alguém é capaz de fazer uma coisa todo mundo pode fazê-la. Que se alguém é capaz de fazer uma dieta, todos podem fazê-lo. Não nos damos conta de que as pessoas são diferentes em tudo: na velocidade com que digerimos uma salada, na  velocidade com a que corremos, na velocidade com que aprendemos ou abraçamos determinada assunto, em nosso interesse pela comida ou o sexo, em nossa capacidade de autocontrole, etc... etc. Parece que é impossível que entendamos que quando um endocrinologista dá umas instruções a 100 pessoas com relação à dieta, as 50 pessoas que as seguem são diferentes das 50 que não as seguem, que a efetividade da dieta variará de pessoa para pessoa, etc.. Totalmente. (P. Malo)


Atahualpa Fernandez

Atahualpa Fernandez é Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España.


marlyMarly Fernandez: Doutora (Ph.D.) Humanidades y Ciencias Sociales/ Universitat de les Illes Balears- UIB/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Filogènesi de la moral y Evolució ontogènica/ Laboratório de Sistemática Humana- UIB/España; Mestre (M. Sc.) Cognición y Evolución Humana/ Universitat de les Illes Balears- UIB/España; Mestre (LL.M.) Teoría del Derecho/ Universidad de Barcelona- UB/ España; Investigadora da Universitat de les Illes Balears- UIB / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España.


Imagem Ilustrativa do Post: Importers importers of of rebuilt rebuilt typewriters typewriters // Foto de: tup wanders // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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