Comportamento corrupto:

14/08/2015

Por Atahualpa Fernandez e Marly Fernandez - 14/08/2015

Não se pode ser um pepino doce em um barril de vinagre.”

P. Zimbardo

O interesse que me produz o fenômeno da corrupção parece ser análogo ao que sentimos pelas sociedades exóticas, pelos costumes e tradições muito distantes das nossas. Em realidade, o assombro que sinto ante o comportamento corrupto vai mais além que isso e se assemelha em tudo à surpresa e antipatia. Uma pessoa pode sentir atração por aquilo que é mais distinto de si mesma e, se tem algum hábito reflexivo, o percebe como um desafio intelectual: "Por que isso é assim?", se pergunta; "Qual a razão de uma conduta tão estranha e corrosiva?"; "Quais são as causas, os motivos, as condições que fazem possível esta forma de ser?". Mas encontra dificuldades para responder-se por falta de familiaridade emocional e intelectual com o objeto de sua surpresa.

A compreensão que tenho da Moral carece da mais mínima sintonia com esse tipo de delinquência. Digamos que minhas intuições e valores morais me predispõem contra qualquer indício de corrupção em qualquer de suas modalidades e sucedâneos. Para dizê-lo de um modo que elimine qualquer ambiguidade a respeito: um bloco de cimento está mais perto de ter e experimentar uma atitude compassiva ou compreensiva em relação a este tipo de conduta que eu. Uma espécie de repugnância instintiva, como a visão ou o contato com uma chaga purulenta. Um tipo de comportamento que resulta nauseabundo para qualquer concepção acerca de um «sentido moral» próprio do ser humano.

Aristóteles, em seus debates sobre a moralidade, insiste nas habilidades pessoais e sociais para prosperar no âmbito moral. Segundo esta perspectiva, a aquisição e o exercício das habilidades morais dependem da prática de hábitos adequados, e podem ver-se influenciado pelos modelos, as práticas sociais e as instituições que encontramos na vida diária. De fato, o entender a moralidade como um tema essencialmente prático e resultado de um longo treinamento nos recorda a enorme importância que tem as habilidades que diariamente costumamos exercer sem esforço, de modo fluído e contumaz, como uma virtuosa extensão de nosso caráter e de nossa vontade.

O problema é que a maioria das pessoas dá por descontado que embora levem a cabo condutas social e moralmente reprováveis, continuam a crer que são boas, que são distintas, que são melhores, diferentes ou superiores. Construímos umas ideias preconcebidas interessadas e egocêntricas que melhoram a imagem que temos de nós mesmos e que fazem com que nos sintamos especiais, nunca normais e correntes, sempre «por encima da média» em qualquer prova de integridade pessoal ou ética. Esses prejuízos cognitivos e egocêntricos desempenham uma função valiosa porque reforçam nossa autoestima e alimentam nossa sensação de invulnerabilidade moral. Nos permitem justificar nossas faltas, atribuir-nos o mérito de nossos êxitos e eludir a responsabilidade de nossas más decisões, fazendo-nos ver nosso mundo subjetivo através de uma lente multicolor (P. Zimbardo). Um agente corrupto, em última instância, sempre se perguntará se não é também ele um ser humano. (B. Brecht)

Da mesma forma, não são poucas as pessoas que se negam a reconhecer que embora a virtude se exerça de maneira unificada em um conjunto de situações significativas, em determinadas situações podem existir forças externas e internas potentes, mas sutis, com poder potencial de transformá-las. Se negam a admitir que certos estados de coisas influem em nossos próprios estados motivacionais alterando o comportamento e que é necessário uma grande disposição e força de vontade para paliar as falhas e debilidades do autocontrole. Ignoram que nosso velho "eu", vulnerável ao atrativo que exerce o "lado escuro", sempre pode não atuar da maneira esperada quando as regras básicas cambiam.

A questão, portanto, reside em saber o que impulsa a conduta humana. O que determina nossos juízos e comportamentos morais? No contexto do complicado atuar humano, o que faz com que algumas pessoas levem uma vida reta e honrada enquanto que outras parecem cair com certa facilidade na imoralidade e o delito? Que fatores ou influências guiam nossos pensamentos, nossos sentimentos e nossos atos para o bom ou o mau caminho? Até que ponto nosso comportamento moral está à mercê de acontecimentos situacionais cumulativos, isto é, da situação e do momento em que nos encontramos? Em que medida a conduta viciosa está condicionada por nossa natureza inexoravelmente "corrupta e caída"? Quais são os mecanismos institucionais e mentais que fazem possível a corrupção? Que passa na cabeça dos corruptos quando levam a cabo atividades delitivas, a incorrer e aceitar a corrupção? É possível ser ético em um entorno corrupto de uma sociedade distorcida em seus valores?

É indubitável que os verdadeiros expertos na corrupção são quem a praticam e que a análise deste fenômeno nunca poderia estar completa se não prestamos atenção a estes atores. Afinal, são os indivíduos que outorgam um determinado significado as suas ações e quem decidem que tipo de elementos do entorno em que atuam se convertem em incentivos que lhes estimulam a levar adiante determinados comportamentos.

E uma vez que a prática depende fundamentalmente das circunstâncias em que se apresentam os desafios e da personalidade de quem os enfrenta, começarei por recordar que é um erro frequente perguntar se o ser humano é bom ou mau por natureza (agressivo ou pacífico, ou, por exemplo, se nossa sexualidade é monógama ou polígama). Os seres humanos não são essencialmente nem bons nem maus (agressivos nem pacíficos, nem monógamos nem polígamos). Os humanos respondem com bondade ou maldade (agressivamente ou cooperativamente, de forma monógama ou polígama) dependendo de histórias vitais específicas e dos ambientes em que se encontrem (e isto não é coisa dos seres humanos exclusivamente - ainda que tenhamos mais variedade -, senão também de outros animais).

O melhor recurso contra o descaro antropológico de que a corrupção estaria na "natureza humana" é a evidência de que somos tanto o resultado dos extensos sistemas – riqueza e pobreza, educação, predomínio cultural e religioso, etc. - que governam nossa vida como das situações concretas em que nos encontramos a diário; forças que interagem com nossa biologia e nossa personalidade. Desde um ponto de vista objetivo, a ideia (sustentada por muitos) de que o ser humano é corrupto por natureza é ridícula, um autêntico despropósito transparentemente inventado para proteger de qualquer desafio moral comportamentos humanos eminentemente discutíveis.[1]

Somos uma mescla de instintos em que o potencial para a bondade e para a perversão é inerente à complexidade da mente humana. Juntos, o impulso para o mal e para o bem compõe a dualidade mais básica da natureza humana – o que implica que a trajetória da ação que adotamos em um determinado momento e situação é o resultado de um estado mental emergente selecionado pela interação do complexo meio circundante em que opera o cérebro, isto é, de que existem infinidades de influências que guiam nossas condutas e nossos juízos morais. (M. Gazzaniga)

Dito isto, o que tratarei de fazer à continuação será conjeturar sobre algumas das possíveis causas do comportamento corrupto.

Corrupção, comportamento corrupto e "maldade" 

Geralmente, a corrupção se define como o abuso por parte de um servidor público em favor do benefício próprio ou de interesses privados, “un acto de deslealtad hacia los valores constitucionales” (A. Calsamiglia). No caso de corrupção pública se dá um uso incorreto ao dinheiro público e, a partir deste fato, se assegura que o ato afeta toda a sociedade: posto que o dinheiro público está destinado a satisfazer interesses de toda a sociedade, desviar este dinheiro tem como consequência afetar os interesses gerais em favor de um interesse particular.[2]

Independentemente da prática levada a cabo por estes tipos de sujeitos malfeitores (políticos e funcionários, por exemplo) que, locupletando-se dos "benefícios" da corrupção e sem nenhum tipo de escrúpulo, multiplicam seus patrimônios "estando dentro do governo", está claro que o fenômeno estendido da corrupção pode ser analisado desde distintas perspectivas. O primeiro que salta à vista é o ponto de vista moral. Mas este enfoque moral pode variar desde uma relativamente simples convicção de rechaço ao "roubo" puro e duro, da apropriação de algo que não pertence ao agente corrupto, até uma maior consciência das consequências desse tipo de depredação social, entre as quais está a certeza do dano, sofrimento ou miséria de alguém que o agente corrupto não necessariamente conhece e de quem, geralmente, não verá jamais seu rosto.

Para o que aqui interessa, e evitando perder-me em disquisições filosóficas ou em realizar um exame exaustivo do amálgama de teorias e crenças que conformam o pot-pourri da corrupção, me limitarei a analisar este último aspecto: o do comportamento corrupto como uma forma perversa, imoral e diluída de rapinagem social, nomeadamente no que se refere à conduta de indivíduos vinculados à administração pública que, no uso de suas prerrogativas funcionais, direta ou indiretamente, obtêm e utilizam de forma fraudulenta, desonesta e indecente recursos ou meios públicos para enriquecimento pessoal. Dito do modo mais simples possível: do comportamento corrupto (ou da corrupção) como hábito antimoral de "crime contra a sociedade" (L. Boff) [3]. Que Deus os maldiga!

Também assumirei que a corrupção é um ato de maldade (de "erosão da empatia" ou "desconexão do circuito da empatia no cérebro", para utilizar a expressão empregada por Simon Baron-Cohen - “Zero Degrees of Empathy. A New Theory of Human Cruelty” -, que intenta explicar o problema do mal utilizando o conceito de empatia[4]), cuja definição é elementar, fácil e tem uma base psicológica: A maldade consiste em obrar deliberadamente (por ação ou inação) de uma forma que provoque dano, maltrate, humilhe, desumanize ou cause sofrimento a pessoas inocentes, ou em fazer uso da própria autoridade e do poder sistêmico para praticar, alentar ou permitir que outros obrem com a mesma finalidade”. (A. G. Miller)

Por outro lado, admitirei que estes atos de autêntica «maldade administrativa» são praticados por indivíduos "terrorífica y terriblemente normales": pessoas normais e correntes, que "educam" seus filhos e amam seus companheiros (as), que frequentam clubes e eventos sociais, que (provavelmente) oram e vão à igreja ou templos, etc...etc., e não uns "aliens" com rabo e chifres procedentes de outro mundo. Em definitiva, pessoas ordinárias - alguém como o amável leitor (a) ou eu – cujo comportamento parece dotado de um tipo de normalidade que, desde o ponto de vista de “nuestras instituciones jurídicas y de nuestros criterios morales, resulta mucho más terrorífica, por cuanto implica que este tipo de delincuente comete sus delitos en circunstancias que casi le impiden saber o intuir que realiza actos de maldad”. (H. Arendt)[5]

E para que nos entendamos, este tipo de análise em modo algum pretende escusar ou quitar responsabilidade a quem atua de maneira imoral ou ilícita, a esta espécie de ser humano animado única ou primordialmente por seu próprio interesse egoísta - ou como se diz agora com feio anglicismo, "auto-interesse" -  e que lhe costuma ir muito bem a arte do autoengano para a autorregulação moral ou limpeza moral mental. Tampouco é minha intenção desconsiderar o fato de que nenhuma conduta complexa em seres humanos livres se deve a uma série linear e aditiva de causas. Qualquer resultado importante, como a conduta corrupta, apresenta inumeráveis causas interrelacionadas, cada uma das quais tem inumeráveis efeitos potenciais, o que a sua vez origina uma prodigiosa complexidade prática, antes, inclusive, de chegar à certeza de que os efeitos práticos se codeterminam uns a outros.

Nada obstante, ainda que o esclarecimento da fonte de tal ou qual comportamento humano resulte endiabradamente difícil de localizar e determinar (e se incluímos os inumeráveis efeitos dos genes, então o problema se eleva à enésima potência - Eric Turkheimer), especular sobre os mecanismos mentais que usamos para desconectar os princípios morais de nossa conduta (ou de nossa empatia) talvez nos situe em uma posição melhor para combater esse fenômeno, sobretudo no que se refere à justiça e ao castigo, reafirmando a relevante e urgente necessidade de  combater, erradicar ou minimizar o alcance do monstruoso fantasma da corrupção.

Sigamos, pois, por esta senda.

Filosofia moral experimental: "roubo à mão armada", "trem assassino" e  "afogamento" 

Alguns estudos sobre o fenômeno da corrupção argumentam que uma forma de inculcar a importância da defesa do patrimônio público, porque os danos a este afetam à sociedade em geral, seria a de articular complexas reflexões (emocionais) de causalidade ou estabelecer vínculos causais complexos – quer dizer, nexos entre causa e  consequências que costumam ser distantes no tempo e no espaço -, embora reconheçam que somente uma pequena proporção da população tem a capacidade de conceber esses vínculos causais pouco evidentes (E. Salcedo-Albarán et al.). Voltarei a esta questão mais adiante.

Retomando a teoria da interpenetração das emoções e a razão na construção de condutas e juízos morais, é possível inferir que somente se há sentimentos ("pessoalidade", "empatia", "cercania", etc.) em relação às pessoas teremos motivos para não causar-lhes danos; isto é, que um fato capaz de suscitar uma reação emocional possui um espectro de impacto mais profundo que qualquer outra forma tradicional de interação ou comunicação racional no que ao ato causar dano aos demais se refere.

Aqui é onde parece jogar um papel fundamental a denominada filosofia moral experimental, desenvolvida por um grupo de investigadores e filósofos que descobriram que para entender como atua o ser humano “no bastaba con quedarse reflexionando sobre ello en el sillón de su despacho”(J. Knobe). Não, por certo, com o intuito de substituir as elaborações integrais da Ética, da filosofia e das ciências sociais e jurídicas, senão dando-lhes um aporte fático e prático – quer dizer, sem negar o papel determinante da cultura, mas sim reconhecendo a inegável relação entre "nature-nurture".

Ademais, a proposta de usar experimentos sobre os comportamentos para confirmar hipóteses acerca da natureza e do comportamento humano é antiga. Trata-se, o estudo experimental dos pensamentos e comportamentos chamados "morais" ou "imorais", de um programa de investigação que tem como objetivo comprovar hipóteses sobre nossos juízos e condutas, mas cujo interesse é mais evidente, e com métodos um pouco mais sérios, menos especulativos e um pouco mais respeitosos com a ciência.[6]

A ideia subjacente consiste em que uma vez que cheguemos a entender a natureza humana (ou ao menos alguns de seus aspectos) quiçá possamos cambiar a maneira de contemplar os problemas importantes do mundo real e o modo de afrontá-los. Como disse em certa ocasião Jonathan Haidt: “Vivimos la edad de oro de la nueva síntesis en el campo de la ética que predijo E. O Wilson en 1975: la 'consilience'.

Vejamos por parte.

1) Anonimato, "desindividualização" e vínculo causal

Simulemos mentalmente o seguinte cenário. Se alguém rouba um banco à mão armada, com crianças entre as vítimas mortais, e o agarram, toda a opinião pública se voltará sobre o ladrão. E a justiça operará com diligência contra esse indivíduo para que cumpra uma longa pena em alguma cárcere. Isso sucede porque o autor e o delito são muito evidentes e porque houve vítimas diretas que sofreram muito: um horror sofrido por muitos. Igual passará com todos os delitos similares que sucedem a diário em nossas cidades. A cidadania se solidariza com a vítima(s) de imediato, e as notícias cumprem seu papel para que essa solidariedade seja cada vez maior.

Em contrapartida, quando um delito não tem vítimas imediatas, quando não são visíveis as feridas ou os mortos, será difícil que a cidadania possa ser solidária porque não há dor ou sofrimento à vista. Isto é precisamente o que ocorre com o desfalque de dinheiro público. Se um político ou funcionário público "rouba" silenciosa e descaradamente um enxame de dinheiro, todo mundo (meios de comunicação e cidadãos) cairá sobre ele por "corrupto" ou "ladrão" (me refiro aos grandes escândalos de corrupção, porque nos "pequenos" e muito mais frequentes, apesar de igualmente nocivos, o anonimato e a indiferença institucional é a regra[7]). No entanto, dificilmente se chegará a ser solidário com as vítimas desse desfalque, porque, insisto, estas não se veem.

Mas existem e são muitas. Se todo esse dinheiro foi usurpado, por exemplo, do sistema de saúde, haveria que fazer o esforço colossal para imaginar a quantidade de gente que foi deixada (ou deixará) de ser atendida em um hospital por falta de recursos, as mortes que se produzem em decorrência dessa defraudação, as caras amargas dos enfermos apinhados às portas de um hospital, a dor das mães com suas crias enfermas e sem tratamento, etc...etc. E se todo esse dinheiro foi tirado do sistema público de educação, também seria necessário um grande esforço e energia mental para imaginar as daninhas consequências sobre suas potenciais vítimas.

Em síntese: é de esperar que a maioria dos indivíduos empatize ou se solidarize com as vítimas e reaja com profunda indignação ante um roubo ou ataque físico que causa um dano, direto ou indireto, a uma ou várias pessoas. Por que? Pois porque neste caso o vínculo causal entre o ato e o sofrimento (atual e futuro) de uma pessoa específica resulta evidente, porque os eventos "causa e efeito" não se encontram distantes no tempo e no espaço. Nada obstante, em alguns delitos, dado que os eventos "causa e efeito" não são tão evidentes, é comum que as pessoas (e, inclusive, o próprio agente corrupto), na medida em que não percebem ou identificam um vínculo causal, não experimentem qualquer sentimento de empatia ou solidariedade com as vítimas, nenhum sentimento de rechaço, repugnância ou repulsão contra os autores de tais atos (a maioria anônima) e, dessa forma, não se indignem como Deus manda e nem atuem em consequência.

A corrupção, baixo o véu do anonimato do agente e/ou a "desindividualização" da vítima(s), ao exigir estabelecer relações causais complexas, pertence a este segundo tipo de crime. Ao contrário que outros delitos, seu secretismo encobre a maldade e dilui a responsabilidade do agente (s) entre o bando e o grupo a que pertence: "Esto funciona así. Todo el mundo lo hacía. No va a pasar nada. Sencillamente no hables de ello, no lo menciones", parecem dizer os amigos, familiares, conhecidos e cúmplices dos corruptos, como se também eles temessem ver-se arrastados ao purgatório.

É a comédia suprema, a hipocrisia absoluta... Um “hecho que se ha vuelto odioso”, como diria Camus.


Notas e Referências:

[1] Tanto é assim que o comportamento humano também é compatível com a hipótese contrária: alguns políticos e funcionários são claramente honrados, não atacam a moral, não traem a ideia de virtude e não se empenham em destruir tudo aquilo o que uma sociedade decente defende. Embora existam razões suficientes para acreditar que estes tipos de políticos e funcionários sigam sendo uma espécie ameaçada, a mera existência dos mesmos deveria ser suficiente para pôr em dúvida as posturas que tendem a apresentar ao ser humano como uma criatura incapaz de frear o lado mais escuro, amoral e associal de sua natureza - o preço da «caída», a dívida que todos devemos satisfazer por causa do «pecado original».

[2] “La corrupción es un cáncer de la política. Genera descrédito y desconfianza de la ciudadanía en las instituciones, desmoraliza a los trabajadores de los servicios públicos, corrompe a los proveedores que deben convertirse en corruptores y facilita la entrada en el circuito a empresarios delincuentes, abre paso a los procesos de privatización, y a la larga, afecta al conjunto de los ciudadanos contribuyentes, forzados a optar entre pagar servicios básicos como la sanidad o la educación al sector privado o aceptar la progresiva degradación de unos servicios públicos que terminan siendo residuales. La corrupción sociovergente […] no solo es corrupción; es un atentado directo a la calidad de vida de los ciudadanos“.(J. Borja)

[3] Objetivamente, a corrupção é a arma da hipocrisia que abunda, uma depravação da moralidade que prende nas culturas em que se combinam quatro elementos principais e interconectados: (i) um sistema de relações e de organização em que os laços e as fidelidades pessoais, corporativas e /ou políticas contam mais que qualquer consideração institucional, jurídica e de interesse geral; (ii) uma forte incapacidade de alguns políticos (e funcionários) para a responsabilidade e o comprometimento ético-social, gerando um crescente e perigoso divórcio entre representantes e representados; (iii) um arrogante narcisismo de determinadas pessoas, uma pervertida egolatria que é indício de que não se consumou em muitos o desenvolvimento moral que faz de um indivíduo um sujeito moralmente adulto; (iv) uma forte incapacidade para o pensamento abstrato, como por exemplo, Estado, ética pública, honradez, dignidade moral, etc.

[4] Como se sabe, David Hume tratou de fundamentar a ética no naturalismo, baseando na existência de uma emoção simpática a capacidade de entender e valorar os problemas alheios. Hume empregava o termo "sympathy" ("simpatia"), enquanto autores mais modernos, como Martin L. Hoffman, utilizam "empatia". Alguns autores fazem uma distinção entre estes dois termos, entendendo a "simpatia" centrada em um interesse pelos demais sem sentir necessariamente as mesmas emoções que os demais sentem, enquanto que a "empatia"  se centra explicitamente no estabelecimento de uma correspondência entre as emoções de quem as manifesta e as do observador, isto é, imaginando-se a si mesmo "na pele de outra pessoa". Simon Baron-Cohen, por exemplo, amplia a definição de "empatia", sugerindo que requer não somente a capacidade de identificar os sentimentos e os pensamentos da outra pessoa, senão também de responder ante seus pensamentos e sentimentos com uma emoção adequada. Também há autores que concebem a "empatia" como uma capacidade neutra (que pode ser algo negativo) e a "simpatia", relacionada com a ação, como uma capacidade quase sempre positiva (Frans de Waal).

[5] Uma breve observação paralela: Se deixamos a um lado o conceito religioso do mal (um conceito moral inexistente na natureza), a alternativa  mais conhecida é a análise da teoria política de Hanna Arendt em termos da "banalidade do mal". Arendt assistiu, em qualidade de observadora, no tribunal de Jerusalém, o juízo contra Adolf Eichmann, um dos principais arquitetos do Endlosung der Judenfrage (a "solução final à questão judia"). Durante o juízo, para Arendt resultou evidente que este homem não estava louco nem era diferente do resto dos mortais. Era bastante comum. É neste sentido quando cunhou a frase: "a banalidade do mal". Ademais, a frase "a banalidade do mal" faz referência ao fato de que muitos alemães foram cúmplices no Holocausto. A muitos deles “no se les pudo acusar de crímenes de guerra más tarde, ya que tan sólo estaban realizando su trabajo, cumpliendo órdenes o simplemente habían sido responsables de un pequeño eslabón en la cadena” (S. Baron-Cohen). Eichmann e seus companheiros burocratas se viram imersos nos detalhes dos planos, como elaborar o horário dos trens que transportavam os judeus aos campos de concentração. Seguiram ordens de forma mecânica e sem questioná-las. Quase nada! Pois bem, a noção da "banalidade do mal" foi posta em tela de juízo. David Cesarini sustenta que Hanna Arendt somente esteve presente no começo do juízo, quando Eichmann queria parecer  o mais normal possível. De fato, “si se hubiese quedado más tiempo habría visto que en los asesinatos hacía uso de su creatividad, no solo se limitaba a seguir órdenes. En ese sentido, el comportamiento de Eichmann necesita explicarse no solo en términos de fuerzas sociales (aunque sean importantes), sino también en términos de factores individuales (su reducida empatía)”. (D. Cesarini, Eichmann: His life and crimes)

[6] O método dos experimentos empregado neste programa científico serve, sobretudo, para dois propósitos: (i) identificar nossas intuições morais a fim de submeter à prova a validez das grandes doutrinas morais; (ii) ajudar a eliminar as teorias mais irrealistas, as que não têm para nada em conta a "natureza humana".

[7] Não resulta fácil (e tampouco traz publicidade ou fama) identificar ou individualizar um agente corrupto em um sistema de relações e de organização em que há um sem-número de envolvidos direta ou indiretamente, e que se caracteriza por uma insolvência moral compartida, dominações e interesses recíprocos, cumplicidades múltiples e ganâncias colaterais, desonestidades aprendidas e insensibilidades voluntárias. No fundo, se trata de uma forma de "desindividualização" coletiva. (P. Zimbardo)


Atahualpa Fernandez

Atahualpa Fernandez é Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España.


marlyMarly Fernandez: Doutora (Ph.D.) Humanidades y Ciencias Sociales/ Universitat de les Illes Balears- UIB/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Filogènesi de la moral y Evolució ontogènica/ Laboratório de Sistemática Humana- UIB/España; Mestre (M. Sc.) Cognición y Evolución Humana/ Universitat de les Illes Balears- UIB/España; Mestre (LL.M.) Teoría del Derecho/ Universidad de Barcelona- UB/ España; Investigadora da Universitat de les Illes Balears- UIB / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España.


Imagem Ilustrativa do Post: Importers importers of of rebuilt rebuilt typewriters typewriters // Foto de: tup wanders // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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