Hoje em dia a empresa é o cerne da economia no mundo, sendo definitivamente impossível imaginar a sociedade sem a sua figura. Em função disso, espera-se que esta atue com integridade e preferencialmente de modo transparente.
Destarte, esse tipo de retidão empresarial passou a ser determinante para existência desta, já que as pessoas normalmente não costumam investir em companhias que estejam ou que estão para se envolver em atos de corrupção e/ou fraude, pois certamente isso se reverterá em prejuízo para todos.
Sob essa nova percepção, as corporações entenderam que era imperioso adotar um procedimento contínuo para averiguar a legalidade de seus atos, reduzindo circunstâncias que possam prejudicar a imagem e o nome do empreendimento.[1] Maurício Januzzi Santos expressa que:
Esse sistema contínuo de verificação é conhecido como compliance, termo oriundo do “verbo inglês to comply, que significa cumprir, executar, obedecer, observar, satisfazer o que lhe foi imposto”.
No Brasil o compliance foi aplicado inicialmente no âmbito das instituições financeiras, expandindo, depois, para outros setores econômicos, normalmente aqueles com um número maior de normas regulamentadoras.[2]
Pierpaolo Cruz Bottini disserta acerca dos vários modelos existentes de compliance:
São diversos os modelos de compliance, mais ou menos abrangentes ou estruturados de acordo com o setor e com a complexidade das atividades da empresa. Há setores de compliance voltados para assegurar o cumprimento de normas trabalhistas, outros direcionados à regulação tributária, ambiental, do consumidor, etc. Nesse contexto, surge o criminal compliance.[3]
Percebe-se que, a adoção desse sistema reduz sobremaneira os riscos procedimentais da empresa, propiciando a respeitabilidade desta perante o cenário econômico e social. Obviamente com o aumento da confiança, majora-se o número de clientes, aumenta-se investimentos, entre outros benefícios notáveis. Dessa maneira, além dos benefícios imateriais, o compliance possui natureza “preventiva”, porquanto, evita-se toda espécie de penalidade futura.[4] Marcelo de Aguiar Coimbra e Vanessa Alessi Manzi mencionam a possível economia gerada para a empresa com a aplicação desse sistema:
Embora seja difícil mensurar o valor econômico gerado com a implementação do compliance, “estudos referentes ao valor comercial do compliance comprovam que US$ 1,00 gasto significa a economia de US$ 5,00, referente a custos com processos legais, danos de reputação e perda de produtividade.[5]
Sucintamente, o uso do criminal compliance ou compliance penal nas corporações visa prevenir fatos ou atividades que possam ser consideradas como infração penal, mesmo aqueles inconscientes. Além disso, também tem o desígnio de impedir o exercício de crimes contra a companhia.[6] Santos novamente aduz que:
Embora seja novidade no Brasil, em alguns países como os Estados Unidos da América e a Alemanha, as empresas já o adotaram há algum tempo como forma de minimizar os riscos criminais de suas atividades.
A implementação desse modelo de gestão empresarial é dividida em duas grandes etapas: a primeira refere-se a um levantamento de todas as condutas praticadas pela empresa no campo trabalhista, ambiental, tributário, financeiro, etc. A segunda, na posse do resultado deste levantamento identificam-se as condutas críticas, as quais podem ensejar o início de investigação ou mesmo ação penal, fazendo-se, em seguida, a adequação das condutas à legislação aplicável, quando possível, e, não sendo, é aconselhada a sua cessação.[7]
Destaca-se que, muitas vezes o empreendimento atua sem plena ciência que determinada conduta tem caráter delituoso ou que este pode vir a ser considerado como tal. Santos alude acerca de um exemplo que retrata essa possibilidade:
Cite-se aqui, como exemplo, o caso “flexcard”, segundo o qual o Ministério Público Federal, ao contrário das empresas, considerou que o pagamento de incentivos de produtividade a funcionários, por meio de cartões magnéticos, tinha a natureza de salário e que por isso as empresas cometeram crime de supressão de contribuição previdenciária, pois nada recolheram nesse sentido. Ora, as empresas – pelo menos a sua maioria – acreditavam que aquela verba não tinha natureza salarial e não imaginavam a possibilidade de serem investigadas por suposta prática de crime de sonegação. Neste caso, se as empresas tivessem um programa de criminal compliance, certamente seriam advertidas de que aquela conduta era de risco e que poderia, no futuro, dar ensejo a uma discussão no âmbito criminal.
[...].
Interessante anotar que no criminal compliance a consultoria criminal, comumente prestada após a realização do fato tido como criminoso, ou seja, de maneira contenciosa, passa a ter um nova perspectiva, a de prevenção, servindo de poderoso instrumento para que as empresas trabalhem absolutamente dentro das inúmeras normas penais vigentes (crimes financeiros, tributários, econômicos, ambientais, trabalhistas, consumeristas, etc.), bem como para delimitar a responsabilidade criminal de seus colaboradores, evitando que atos de desvio das normas de conduta ou mesmo criminosos sejam vinculados à empresa ou atribuído indevidamente a determinadas pessoas, apenas por ocuparem cargos de administração.[8]
Bottini mais uma vez opina sobre esse instrumento jurídico ao proferir que:
Por isso, o cumprimento dos marcos regulatórios se torna importante não apenas para evitar responsabilidades na seara administrativa, mas também para proteção da imputação criminal. A observância das normas de cuidado — através de um sistema de compliance estruturado — é o instrumento que assegura a proteção da empresa e de seus dirigentes da prática de delitos e da colaboração com agentes criminosos, minimizando os riscos de responsabilidade penal e de desgastes perante a opinião pública.[9]
Desse modo, conclui-se que a implementação dessa teoria proporciona benefícios na esfera pessoal e patrimonial. No primeiro, previne-se que o administrador da empresa seja envolvido em processo judicial criminal em decorrência de desconhecimento legal, por conduta considerada delituosa. Já no segundo, impede-se que a companhia se torne alvo de operação policial ou de ação criminal, situação que comumente ocasiona perdas financeiras, muitas vezes, irreparáveis.
Notas e Referências
[1] SANTOS, Mauricio Januzzi. Criminal compliance: o direito penal aplicado em seu viés preventivo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVIII, n. 137, jun. 2015. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16120>. Acesso em: 04 dez. 2016.
[2] SANTOS, Mauricio Januzzi. Idem, 2015, on-line.
[3] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. O que é compliance no âmbito do Direito Penal? Publicado em: 30 abr. 2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-abr-30/direito-defesa-afinal-criminal-compliance>. Acesso em: 05 dez. 2016.
[4] SANTOS, Mauricio Januzzi. Ibidem, 2015, on-line.
[5] COIMBRA, Marcelo de Aguiar; MANZI, Vanessa Alessi. Manual de Compliance: Preservando a Boa Governança e Integridade das Organizações. São Paulo: Atlas, 2010, p. 05.
[6] SANTOS, Mauricio Januzzi. Op. Cit., 2015, on-line.
[7] SANTOS, Mauricio Januzzi. Op. Cit., 2015, on-line.
[8] SANTOS, Mauricio Januzzi. Op. Cit., 2015, on-line.
[9] BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Idem, 2013, on-line.
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