Como David Bowie pode nos influenciar na interpretação e aplicação do Direito?

21/01/2016

 Por Walter Gustavo da Silva Lemos - 21/01/2016

No último dia 10 de janeiro de 2016, morreu o artista David Bowie em decorrência de complicações da sua luta contra um câncer. Vamos chamá-lo de artista, mas uma série de outras identificações profissionais poderiam ser utilizadas para poder descrevê-lo, já que ele nunca se contentou em ser um simples cantor, tanto que era músico, produtor, instrumentista, ator, dublador, designer, visionário, futurista, lançador de tendências, dentre outras coisas, inclusive um “Starman”.

Esta sua atuação artística multifacetada lhe valeu o apelido de Camaleão do Rock, em alusão às suas maquiagens e performances artísticas no ano 1970, quando se utilizava de visuais e personagens diferentes para o lançamento e apresentação de seus discos e músicas, inclusive se utilizando de alteregos para realização destes trabalhos, tendo atuado como as  personas andróginas Ziggy Stardust e Aladdin Sane durante nos anos 70, entre outras atuações performáticas.

David Bowie, com sua música, ações e atitudes, influenciou imensamente a música e também a sociedade como um todo com o seu jeito único. Suas canções e as apresentações elevaram a música a uma nova dimensão de experiência, onde cada cancão trazia abordagens inovadoras, tanto da parte sonora, quanto na parte estética envolvendo estas experiências musicais. E estas inovações foram importantes para o surgimento de novas tendências musicais e de ritmos, quer por ele mesmo criar tais sons novos, como no caso do glam rock, ou nas suas influências em outros estilos, como no punk rock, na new wave, na dance music, entre outros.

Bowie criou uma verdadeira cultura do showman sobre sua pessoa, onde o público já aguardava quais seriam as novas peripécias musicais e artísticas dele.  Isso o distinguiu dos demais músicos da época como uma estrela pop inovadora, que não conhecia fronteiras para expressar os seus pensamentos por meio de suas performances, criando sobre si um dos maiores cultos da cultura pop.

E esta influência também não ficou somente no campo da música, já que com seus alteregos andróginos acabaram levantando em seu entorno a discussão sobre a sexualidade e as suas escolhas e preferências, sendo um ícone para os movimentos de liberdade gay, tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos.

Também influenciou a moda e o designer, a partir da sua postura de criar roupas, trajes, figurinos, maquiagens, entre outros elementos de moda e jeitos de se vestir utilizados nas suas aparições para difundir a sua música dentro e fora da cena rock, sendo que isso ficou bastante claro nos seus videoclipes, que também foram bastante inovadores para a época e são lembrados e cultuados até hoje em dia.

Mas o que isso tem a ver com o Direito? O que esta visão sempre transgressora nos seus próprios atos e atitudes servem ao profissional do Direito? A resposta para estas duas perguntas é tudo, tudo a ver!

No processo de interpretação e aplicação do Direito, o jurista deve promover a descrição de como o Direito se aplica a um caso em concreto, promovendo a subsunção ou aplicação de todos os meios jurídicos para a obtenção de uma decisão judicial, ou de um problema social a ser analisado de forma hipotética, por meio do estudo científico do Direito analisando todas as fontes necessárias para uma análise jurídica.

Em ambas as situações, o jurista passa a trabalhar o Direito partindo dos mais diversos campos ou caminhos para a chegar à solução para a questão em estudo, busca dentro do ordenamento jurídico de elemento que melhor se adapte de forma completiva e integrativa ao caso em questão (DWORKIN, 2007), para que possa ocorrer uma decisão justa, a partir das especialidades existentes para cada caso, buscando os elementos jurídicos necessário para a solução do caso, a partir da interpretação dos fatos e a sua conexão com o texto normativo.

Mas nestas situações, o jurista não pode deixar de se lembrar da necessidade de buscar a solução do conflito ou problema, mas este muitas vezes busca esta atuação de forma convencional, sem buscar novas atualizações, utilizando os mesmos velhos e batidos modelos e métodos para buscar a resolução das questões.

Não pode se aplica o Direito se utilizando das mesmas velhas maneiras e abordagens, das mesmas jurisprudências já velhas e surradas, com as normas a muito descritas e sem realizar uma abordagem para entender a mens legis atual da norma.

A aplicação do direito não decorre da existência de um método ou esquema para ser realizado, de forma a só permitir um caminho a percorrer nas operações jurídicas, mas o processo de aplicação do Direito decorre de uma série de elementos jurídicos ou meios interpretativos do Direito para a fundamentação desta operação, o que demonstra que vários podem ser os caminhos para a busca da resolução do problema a ser analisado.

É perceptível que no processo de realização do Direito no caso concreto, há que se estabelecer que (NADER, 2009, p. 261) “o magistrado, além de conhecer os fatos, precisa conhecer o Direito, para revelar o sentido e o alcance das normas aplicáveis. (…) Direito é uma atividade que tem por escopo levar ao espírito o conhecimento pleno das expressões normativas, a fim de aplicá-las às relações sociais.”

Ou seja, o jurista deve sempre buscar o espírito da lei ou das fontes aplicáveis do Direito à questão social em estudo, mas tal atuação não pode deixar de ser inovadora, produtiva e evolutiva, devendo o jurista buscar novas abordagens, visões e fontes para solucionar a questão social posta sob análise.

Assim, este processo pode se dar por meio de uma série de inovações, não precisando seguir sempre os mesmos métodos ou caminhos, sendo possível se valer de métodos de outras ciências na tentativa de buscar o fim a que o Direito se destina, que é fazer a justiça!!

Esta necessidade de uma atuação distinta dos demais, com abordagens pautadas na inovação e na evolução pode ser uma influência que o jurista pode receber do trabalho artístico de David Bowie, que nunca se cansou do ineditismo, da atuação ímpar e inigualável para realizar e divulgar o seu trabalho.

Continuar realizando a aplicação e a interpretação com os mesmos velhos métodos e modelos, não gerará nenhuma diferença, fará o jurista ser mais do mesmo!! Assim, este somente se destaca com a atuação distinta, atual e que realmente expresse o mens legis no seu momento atual.

O trabalho multifacetado de Bowie pode ser devidamente usado pelo jurista como influência para a geração de novos conhecimentos, métodos e abordagens jurídicas para os problemas da aplicação e interpretação do Direito, sendo que este não precisa se passar por outras pessoas, usando altergos para a realização do seu trabalho, mas sempre ter em mente que a criatividade e a busca por novos enfoques podem fazer toda a diferença para o jurista, podendo fazê-lo um Starman!!!


Notas e Referências:

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 31.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

SPITZ, Marc. Bowie, a Biografia. 1ª ed., São Paulo: Benvirá, 2010.


Walter Gustavo da Silva LemosWalter Gustavo da Silva Lemos é advogado e professor universitário em Porto Velho/RO, formado pela UFGO, com pós-graduação em Direito Penal e P. Penal pela Ulbra/RS, em Direito Processual Civil pela FARO/RO, Mestrado em Direito Internacional pela UAA/PY e em História pela PUC/RS. Professor de Direito Internacional Público e Privado e de Hermêneutica Jurídica da FARO/RO e da FCR/RO. Ex-Secretário-Geral Adjunto da OAB/RO. Membro do IDPR.


Imagem Ilustrativa do Post: david-bowie-3 // Foto de: lylejk // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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