COMENTÁRIOS SOBRE A REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIAS DE CONCILIAÇÃO POR MENSAGENS DE TEXTO NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS DO ESTADO DO PARANÁ

17/07/2021

O presente artigo tem por finalidade analisar a realização de audiências de conciliação na forma escrita pelos Juizados Especiais Criminais do Estado do Paraná.

Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais são tratados pela Lei nº 9.099/1995, a qual inovou o ordenamento jurídico brasileiro ao criar um microssistema[1] de direito adjetivo com foco na simplificação dos processos judiciais.

Por isso, o artigo 2º de tal lei determina que os processos judiciais, no âmbito dos Juizados Especiais, se orientem pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

A Lei nº 9.099/1995 divide os Juizados Especiais em Cíveis e Criminais[2]. Os Juizados Cíveis estão disciplinados entre os artigos 3º e 59, enquanto os Juizados Criminais encontram-se regulados pelos artigos 60 a 92.

O Juizado Especial Criminal (JECRIM ou JECrim) tem competência para a conciliação, julgamento e execução de infrações penais de menor potencial ofensivo, isto é, as contravenções penais[3] e os crimes a que a lei comina pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, conforme expresso no artigo 61 da lei em comento.

O foco dos Juizados Especiais é a solução consensual de conflitos, caracterizando-se como um instrumento das denominadas formas alternativas de resolução de controvérsias. Dentre essas formas, destacam-se a conciliação e a mediação, as quais promovem a aproximação das partes a fim de que sejam discutidas as vantagens e desvantagens da autocomposição[4].

A conciliação e a mediação concretizam os já mencionados princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 2º, da Lei nº 9.099/1995). Dentre eles, no entendimento destes autores, o que mais se destaca é o princípio da oralidade, uma vez que a sua gênese abarca os demais.

 

1. PRINCÍPIO DA ORALIDADE:

O princípio da oralidade visa à simplificação do processo e, para isso, prioriza a forma oral do ato, limitando a forma escrita somente ao que for indispensável à documentação da causa[5]. Tanto é assim que, no JECrim, praticamente todo o procedimento é oral, desde a denúncia até a sentença[6].

Além da simplificação do processo judicial, os JECRIMs têm por objetivo, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade, o que converge com a autocomposição das partes e a fase preliminar[7] do procedimento sumaríssimo.

Desse modo, quando a vítima é um particular, há, inicialmente, uma tentativa de conciliação entre o autor do fato e a vítima com o fito de reparação do dano. Se essa audiência de conciliação for infrutífera, há uma proposta de transação penal por parte do Ministério Público, nos termos do art. 76 da Lei 9.099/1995.

 

2. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIAS VIRTUAIS

Em decorrência da pandemia da COVID-19, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução nº 313/2020 a fim de “uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários e garantir o acesso à justiça neste período emergencial, com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo Coronavírus – Covid-19”.

Dentre as medidas tomadas pelo CNJ, também merece destaque a Resolução nº 314/2020, cujo teor implementou uma verdadeira digitalização da Jurisdição. Tal ato normativo determinou a priorização do trabalho remoto e a realização de todos os atos processuais de forma virtual. Para tanto, o CNJ disponibilizou a ferramenta Cisco Webex para a realização de videoconferências e audiências, inclusive, as de conciliação e mediação.

Vale lembrar que a gênese das audiências pressupõe a presença física das partes perante o Poder Judiciário, seja na figura do Juiz, seja na figura do conciliador ou mediador. Tal circunstância permite o contato físico e direto entre todos os participantes, bem como a captação de sinais não verbalizados entre os presentes, tais como postura, fisionomia, trejeitos, dentre outros.

Contudo, ao passar para o formato de videoconferência, a audiência tornou-se um ato menos humanizado, pois pressupõe um distanciamento entre os seus participantes. Além disso, falhas técnicas, não raras vezes, atrapalham o bom desenrolar do ato, fazendo, inclusive, que os envolvidos, literalmente, se percam no próprio raciocínio, o que prejudica as partes de modo significativo.

Mas, em que pese esses percalços, as audiências por videoconferência têm sido eficientes, concretizando o direito fundamental à inafastabilidade da Jurisdição (CF, art. 5º, inciso XXXV) e o princípio da oralidade dos Juizados Especiais. Todavia, o mesmo não pode ser dito sobre as audiências realizadas por meio de aplicativos de mensagem instantânea, e-mail ou chat.

Em 30.03.2020, o Conselho de Supervisão dos Juizados Especiais (CSJEs), ligado à 2ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, editou a Portaria nº 3605/2020 que disciplinou o procedimento para realização de audiências de conciliação no formato digital, tendo permitido, inclusive, o uso de aplicativos de mensagem instantânea, e-mail ou chat.

Posteriormente, em 11.05.2020, a Portaria nº 4231/2020 ab-rogou a Portaria nº 3605/2020, priorizando a realização de audiência de conciliação por meio de videoconferência via plataforma Cisco Webex, em consonância com a Resolução nº 314/2020 do CNJ, conforme já mencionado acima.

Todavia, em que pese essa ab-rogação, diversos atos de autocomposição foram realizados por mensagens de texto durante a vigência da Portaria nº 3605/2020. Além disso, na página do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, na seção “Como funcionam as audiências virtuais”[8], ainda é possível a realização de audiência de conciliação na forma escrita, desde que haja concordância das partes.

Todavia, muito embora seja necessária a anuência dos envolvidos para que a audiência seja escrita, na prática, as partes sequer são consultadas a respeito. Com isso, o ato processual acontece sem que a parte tenha conhecimento de que poderia insistir na realização da audiência por outro meio.

Além disso, a utilização da forma escrita da audiência de conciliação desconsidera a realidade das partes, ainda mais quando se tem em vista que o Brasil é um país extremamente desigual. Nesse sentido, salienta-se que parcela considerável da população apresenta, ao menos, algum grau de analfabetismo funcional[9], enquanto outra parcela sequer têm acesso à internet ou seu acesso é muito precário[10] para fins de videoconferência.

Não bastasse isso, há o abismo fático das mensagens de texto, em que o tom da mensagem é dado pelo leitor, o que também dificulta a qualidade na transmissão da informação, visto que existe a possibilidade de interpretações errôneas e ambíguas.

Assim sendo, se o objetivo da conciliação/composição dos danos civis na esfera criminal é reparar o dano[11], certamente a realização da audiência de conciliação por mensagem de texto dificulta tal desiderato. Afinal, muitas vezes, para solução de um caso criminal basta um acordo de boa convivência oferecido “cara a cara” ou até mesmo um singelo pedido de desculpas.

Ademais, o fato de o conteúdo das mensagens ser anexado ao processo pode gerar, pelo menos, dois problemas. O primeiro é que, dependendo do conteúdo das mensagens, se o caso seguir para a sentença penal, o magistrado pode, indevidamente, entender aquilo como uma confissão. Já o segundo problema está relacionado com o entendimento de que a audiência de conciliação, no âmbito cível, não deve ser gravada, pois inibe opiniões, promessas e reconhecimento dos fatos, obstando a composição civil[12].

Ora, se o entendimento é que não se pode gravar audiências de conciliação para o processo civil, é certo que não se pode transcrevê-las ao processo criminal, notadamente pelo conteúdo do direito material.

 

3. CONCLUSÃO:

A realização de audiências em âmbito criminal por mensagens de texto além potencializar o distanciamento entre as partes, traz o risco de que tal ato processual se aproxime de um mero cumprimento burocrático de formalidades.

Além do mais, esse contexto acaba abalando a credibilidade do Sistema de Justiça perante a Sociedade e reduzindo a confiabilidade das instituições por parte dos cidadãos, sem prejuízo, ainda, da violação de normas constitucionais e infralegais, em especial, as que tratam do princípio da oralidade, o qual, conforme alhures explanado, prioriza a verbalização da audiência em detrimento da forma escrita.

Assim, potencializa-se a judicialização de causas simples em detrimento dos incentivos às soluções alternativas de conflito, reforçando-se a ainda mais a cultura de litigância no Brasil, o qual já conta com mais de 75 milhões de processos em trâmite[13].

 

Notas e Referências

[1] TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais – Comentários à Lei 9.099/1995. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. E-book. p. 49.

[2] Não se ignora a existência de outros tipos de Juizados, como, por exemplo, os Juizados Especiais da Fazenda Pública (Lei nº 12.153/2009). Contudo, como foi a Lei nº 9.099/1995 que criou o gênero “Juizados Especiais”, é ela que serve de parâmetro para as demais espécies de Juizados, razão pela qual optou-se pela sua análise no presente trabalho.

[3] As contravenções penais estão disciplinada no Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941.

[4] TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais – Comentários à Lei 9.099/1995. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. E-book. p. 68.

[5] TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais Cíveis e Criminais – Comentários à Lei 9.099/1995. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. E-book. p. 108-109.

[6] BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 6. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. 6 M.; ePub. RB-13.18.

[7] “A fase preliminar iniciará com o termo circunstanciado feito pela polícia e enviado para o JECrim ou até mesmo feito no Juizado, do qual decorrerá o aprazamento de uma audiência em que se buscará a composição civil, a feitura ou não da representação e a transação penal. Na maioria dos casos, o feito encontrará seu fim nessa audiência. Frustrados os mecanismos de consenso, o feito prosseguirá seguindo o rito sumaríssimo.” In: LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. Saraiva: São Paulo. 2020. p. 2169.

[8] Disponível em: <https://www.tjpr.jus.br/acoes-covid-19?p_auth=A88WRT1u&p_p_id=36&p_p_lifecycle=1&p_p_state=maximized&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-2&p_p_col_count=1&_36_struts_action=%2Fwiki%2Fview&_36_nodeId=34168780&_36_title=Como+funcionam+as+audi%C3%Aancias+virtuais> Acesso em 03 jun. 2021.

[9]             Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46177957 >. Acesso em 03 mar. 2021.

[10]          Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/27515-pnad-continua-tic-2018-internet-chega-a-79-1-dos-domicilios-do-pais> Acesso em 15 nov. 2020.

[11] “Atento à pretensão indenizatória da vítima, a Lei n. 9.099 instituiu a ‘composição dos danos civis’ nos arts. 74 e 75, de modo que o acordo entre imputado e vítima, com vistas à reparação dos danos decorrentes do delito, gera um título executivo judicial.” JUNIOR LOPES, Aury. Direito Processual Penal. 16. ed. Saraiva: São Paulo. 2020. p. 1324.

[12]          Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2018-jun-14/advogado-nao-gravar-audiencia-conciliacao-oab-sp> Acesso em 04 jun. 2021.

[13]          Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2020/08/4870992-com-77-1-milhoes de-processos-em-tramitacao--cnj-aponta-queda-do-numero.html. Acesso em 28 abr. 2021.

 

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