COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGOS 72 E 73

19/03/2021

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.

Art. 72.  Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu.

§1º Se o réu tiver mais de uma residência, a competência firmar-se-á pela prevenção.

§2º Se o réu não tiver residência certa ou for ignorado o seu paradeiro, será competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato.

Art. 73.  Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro de domicílio ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração.

O art. 72, caput, do CPP, trata de um critério supletivo que leva em conta o local do domicílio ou da residência do réu, quando não se conhece o local da infração. Portanto, sendo conhecido o local da infração, aplica-se o art. 70, caput, do CPP. Mas, não sendo conhecido o local da infração, era imprescindível que o legislador escolhesse outro parâmetro para a fixação da competência e, nesse ponto, foi escolhido o local do domicílio ou da residência do réu.

É claro que, embora o legislador tenha se referido à figura do réu, o entendimento deve ser aplicado mesmo antes do oferecimento da denúncia em juízo. Se houver necessidade de alguma intervenção judicial antes do oferecimento da denúncia, como, por exemplo, havendo a necessidade de alguma busca e apreensão durante a investigação policial, não se terá a figura do réu, mas deve ser considerado o local do domicílio ou da residência do responsável pela infração, investigado ou indiciado. Então, embora não haja maior consequência prática nesse sentido, o melhor teria sido o legislador usar a expressão responsável pela infração, o que abrangeria as fases policial e judicial.

O legislador refere-se ao domicílio e à residência. O art. 70, caput, do Código Civil, esclarece que o domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Diante da mencionada norma, é possível concluir que a residência dispensa o tal ânimo definitivo, podendo ser definida como qualquer moradia que a pessoa utilize, ainda que eventualmente.

Vale o exemplo. Em uma viagem de ônibus do Rio de Janeiro até Salvador, o réu furta um objeto de um passageiro, sem que se consiga precisar o momento da subtração e o local onde a mesma ocorreu. Não se sabe, portanto, o local da infração. Em Salvador, constata-se o furto e o objeto é apreendido com o réu. Se o réu for domiciliado em Maceió, o processo criminal deverá ser deflagrado nessa cidade.

O art. 72, § 1º, do CPP, trata da hipótese em que o réu tem mais de uma residência. Aqui vale a observação acima com relação à palavra réu. Além disso, embora o legislador tenha se referido à residência, a citada norma também engloba o domicílio. Isso porque é possível que a pessoa se estabeleça com ânimo definitivo em mais de um local, ficando, por exemplo, seis meses do ano em um local e os outros seis meses do ano em outro local. Seria possível, nesse caso, afirmar que a pessoa tem mais de um domicílio.

De toda forma, não sendo conhecido o local da infração e tendo a pessoa mais de uma residência ou mais de um domicílio, aplica-se a regra da prevenção prevista no art. 83, caput, do CPP, segundo o qual verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa. Trata-se de um verdadeiro critério de desempate a ser usado quando dois juízos são igualmente competentes

Vale o exemplo. Em uma viagem de ônibus de São Paulo até Florianópolis, o réu furta um objeto de um passageiro, sem que se consiga precisar o momento da subtração e o local onde a mesma ocorreu. Não se sabe, portanto, o local da infração. Em Florianópolis, constata-se o furto e o objeto é apreendido com o réu. Se o réu tiver domicílio ou residência nas cidades de Curitiba e de Macapá, o processo criminal será deflagrado em uma dessas duas cidades, observando-se a regra da prevenção prevista no art. 83, caput, do CPP.

O art. 72, § 2º, do CPP, prevê um critério a ser aplicado quando (i) não for conhecido o local da infração e (ii) o responsável pelo crime não tiver domicilio nem residência ou for ignorado o seu paradeiro.

Trata-se de dispositivo de difícil aplicação, tendo o legislador adotado um último critério para a definição da competência. Nesse caso, não havendo qualquer outro parâmetro, o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato se torna o competente.

Vale o exemplo. Em uma viagem de ônibus de Belo Horizonte até Porto Alegre, o réu furta um objeto de um passageiro, sem que se consiga precisar o momento da subtração e o local onde a mesma ocorreu. Não se sabe, portanto, o local da infração. Em Porto Alegre, constata-se o furto e o objeto é apreendido com o réu. Se o réu não tiver domicílio ou residência ou se o mesmo for desconhecido e o juiz de Porto Alegre toma conhecimento do fato, o processo criminal será deflagrado nessa cidade.

O art. 73, caput, do CPP, trata dos casos de exclusiva ação privada. Isso significa que tal norma apenas se aplica no caso de ação penal de iniciativa exclusivamente privada, não se aplicando no caso de ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública.

Trata-se de uma exceção à regra do art. 70, caput, do CPP, porque o local da infração é conhecido, mas o querelante tem a opção de oferecer a queixa-crime no local da infração ou no local de domicílio do querelado.

Se, por exemplo, o querelado pratica o crime de injúria na cidade do Rio de Janeiro, mas reside na cidade de São Paulo, o querelante poderá oferecer a queixa-crime em qualquer das duas cidades, sendo livre a sua escolha, ainda que motivada por razões menores como, por exemplo, fazer com que o querelado passe vergonha por responder ao processo criminal na sua cidade.

 

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