COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGOS 70 E 71

12/03/2021

 

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.

Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

§1º Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.

§2º Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.

§3º Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

Art. 71.  Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção.

O art. 70, caput, do CPP, trata da competência em razão do lugar da infração. Trata-se do ponto de partida para o estabelecimento da competência do juízo. Embora existam algumas exceções, o raciocínio básico é o seguinte: o local da prática do crime é o parâmetro para fixar a competência.

Se o crime foi cometido na Comarca de Maricá, a competência será da Vara Criminal da Comarca de Maricá. Mas, por exemplo, se a pessoa que praticou o crime tem foro pela prerrogativa de função, o local do crime não terá a mesma influência, uma vez que a competência será estabelecida em razão da função exercida pela pessoa que praticou o crime, deflagrando-se o processo criminal perante o tribunal competente.

De outro lado, se, por exemplo, a pessoa praticou uma infração de menor potencial ofensivo, a competência não será da Vara Criminal da Comarca de Maricá, mas sim do Juizado Especial Criminal daquela comarca.

Portanto, existem variações, mas a regra é definida a teor do art. 70, caput, do CPP, ou seja, levando em conta o lugar da prática da infração. O legislador não podia deixar de ressaltar os casos de crimes consumados e tentados. Por isso, sendo identificado à luz do Direito Penal o momento em que o crime se consumou, basta identificar o local da consumação para a fixação da competência. Se o crime for tentado, por motivo óbvio, não se pode identificar o momento da consumação, restando apurar o local mais evoluído do iter criminis, ou seja, o local do último ato de execução.

Então, as regras estabelecidas pelo art. 70, caput, do CPP, são de fácil compreensão: se o crime é consumado, deve ser considerado o local da consumação e, por outro lado, se o crime é tentado, deve ser considerado o local do último ato de execução.

Os parágrafos do mencionado dispositivo comportam importantes exceções.

O art. 70, § 1º, do CPP, trata do crime que se submete à jurisdição brasileira, mas que se consumou fora do território brasileiro. Como a consumação ocorre fora do território brasileiro, é preciso que haja alguma referência para a fixação da competência territorial no Brasil. Logo, corretamente, o legislador estabeleceu o local do último ato de execução no território brasileiro. Mas vale uma observação. Se a jurisdição é brasileira e o crime for tentado, mas o último ato de execução ocorreu fora do território nacional, igualmente deve ser considerado o local do último ato executório praticado no Brasil.

Portanto, a rigor, deve ser descartado o seguinte trecho do mencionado dispositivo: a infração se consumar fora dele. Isso porque, devendo ser aplicada a jurisdição brasileira, se iniciada a execução no território nacional, sendo crime consumado ou tentado, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.

O art. 70, § 2º, do CPP, trata do crime praticado fora do Brasil, mas que deve ser submetido à jurisdição brasileira. Embora o legislador tenha feito referência ao último ato de execução, tal norma é aplicável tanto aos crimes consumados quanto aos crimes tentados.

Se a jurisdição for brasileira, é preciso estabelecer alguma referência territorial. Se o crime atingir a sua consumação fora do Brasil, será necessário levar em conta o local em que o mesmo supostamente o crime se consumaria dentro do Brasil, caso não tivesse se consumado fora do Brasil. Se o crime não se consumou, mas o último ato de execução foi praticado fora do Brasil, da mesma forma, será necessário levar em conta o local em que o mesmo supostamente se consumaria no Brasil.

Diante das circunstâncias do caso concreto, será fundamental verificar o local em que o crime chegou a produzir algum resultado, ainda que parcialmente, no Brasil ou verificar o local em que, em tese, o crime estava apto a produzir algum resultado no Brasil. Não há um critério mais preciso para tanto, cabendo ao intérprete examinar o caso concreto com razoabilidade.

O art. 70, § 3º, do CPP, socorre-se do critério da prevenção em situações específicas. Quanto à prevenção, é bom registrar, desde logo, que o art. 83, caput, do CPP, dispõe que verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa.

Em outras palavras, se houver dois juízes igualmente competentes, aquele que se antecipar ao outro traz para si a competência.

Portanto, se o limite o territorial foi incerto entre duas ou mais competências, resta verificar se qualquer dos juízes se antecipou ao outro para trazer para si a competência. Da mesma forma, se o local da consumação do crime ou o local do último ato de execução for na divisa entre duas ou mais competências, resta verificar se qualquer dos juízes se antecipou ao outro para trazer para si a competência. A prevenção, aplicável a essas duas situações, nada mais é do que um critério de desempate existente entre dois ou mais juízes.

O art. 71, caput, do CPP, também adota o critério da prevenção para a definição da competência nos casos de crimes continuados e permanentes. O crime continuado é aquele praticado de acordo com o art. 71, caput, do Código Penal, segundo o qual, quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. O crime permanente é aquele cuja consumação se protrai no tempo, ou seja, se arrasta no tempo.

Valem dois exemplos esclarecedores.  

Se o réu praticar três furtos na Comarca de Maricá, três furtos na Comarca de Niterói e quatro furtos na Comarca do Rio de Janeiro, todos em continuidade delitiva, o juiz que se antecipar aos outros fixará a sua própria competência. Portanto, se o juiz que atua na Comarca de Maricá deferir a busca e apreensão durante o inquérito policial, ele fixará a sua competência para julgar os dez crimes de furto praticados em continuidade delitiva.

Se o réu praticar o crime de extorsão mediante sequestro, deixando a vítima três dias em um cativeiro situado na Comarca de Maricá, dez dias em um cativeiro situado na Comarca de Niterói e dois dias em um cativeiro situados na Comarca do Rio de Janeiro, o juiz que se antecipar aos outros fixará a sua própria competência. Portanto, se o juiz que atua na Comarca de Niterói deferir a interceptação telefônica, ele fixará a sua competência para julgar o crime de extorsão mediante sequestro.

 

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