COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGOS 67 E 68

19/02/2021

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.

Art. 67. Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:

I - o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;

II - a decisão que julgar extinta a punibilidade;

III - a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.

Art. 68.  Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1º e 2º), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.

O art. 67, caput, do CPP, trata das hipóteses em que o resultado do processo criminal não interfere no ajuizamento do processo cível que busca indenização em favor do ofendido. É certo que existem outras situações nas quais é possível ajuizar o processo cível buscando a indenização independentemente do resultado do processo criminal, mas o legislador optou por destacar as três situações previstas no referido dispositivo, deixando clara a ideia segundo a qual o resultado do processo criminal não interfere, necessariamente, no juízo cível.

O art. 67, I, do CPP, trata do despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação. Melhor seria o legislador ter mencionado a decisão de arquivamento, já que é necessário examinar a viabilidade do oferecimento da denúncia, com a análise, por exemplo, da presença do mínimo suporte probatório, ou seja, da justa causa.

Quando o legislador se refere ao inquérito, estão abarcados os inquéritos policiais, mas também quaisquer outros procedimentos que adotem a mesma nomenclatura, como, por exemplo, os inquéritos policiais militares. As peças de informação abrangem quaisquer procedimentos com base nos quais, em tese, é possível oferecer a denúncia em juízo. Portanto, se for instaurado um procedimento administrativo disciplinar em face de um servidor público e, depois, os autos forem encaminhados para o Ministério Público, a fim de que examine a viabilidade do oferecimento da denúncia, tal procedimento é considerado peças de informação para o fim do dispositivo sob análise.

Nesses casos, sequer sendo instaurado o processo criminal, nada obsta o ajuizamento do processo cível buscando indenização em favor do ofendido. Isso porque, mesmo que não exista justa causa para o oferecimento da denúncia, o ofendido pode ajuizar o processo cível justamente com o propósito de comprovar que o fato ocorreu e que do mesmo decorre o seu direito de ser indenizado.

O art. 67, II, do CPP, trata da decisão que julga extinta a punibilidade. Melhor seria o legislador usar o termo sentença porque, a rigor, quando se reconhece a extinção da punibilidade, ocorre a prolação da chamada sentença terminativa de mérito, e não a prolação de uma mera decisão.

É importante lembrar que o legislador está se referindo a qualquer das causas extintivas da punibilidade, abarcando aquelas elencadas no art. 107 do Código Penal, mas também aquelas previstas em outros dispositivos, tais como o art. 312, § 3º, do Código Penal, e o art. 89, § 5º, da Lei 9099/95. Nesses casos, o ofendido pode ajuizar o processo cível para comprovar a ocorrência do fato em razão do qual deve ser indenizado.

Existe um ponto que merece ser destacado neste momento. É que a prescrição é uma das causas de extinção da punibilidade previstas no art. 107, IV, do Código Penal. Ocorre que, no caso de prescrição da pretensão punitiva, o ofendido pode ajuizar o processo de conhecimento no juízo cível justamente para comprovar a prática do fato que enseja a sua indenização. Todavia, no caso de prescrição da pretensão executória, o fato já foi devidamente comprovado no juízo criminal, tanto que o réu foi condenado de forma irrecorrível e apenas não se submeteu à execução penal por força da prescrição. Logo, já tendo sido o fato comprovado no juízo criminal, basta que o ofendido ajuíze o processo cível de execução, com base no título executivo judicial já existente, qual seja, a sentença penal condenatória com trânsito em julgado, conforme o art. 515, VI, do Código de Processo Civil.

O art. 67, III, do CPP, trata da sentença criminal absolutória que conclui que o fato imputado ao réu não constitui crime, ou seja, trata da sentença fundamentada no art. 386, III, do CPP, segundo o qual o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça não constituir o fato infração penal. Isso pode ser facilmente explicado quando se percebe que nem todos os fatos que ensejam indenização são considerados crimes. Aliás, a maioria dos fatos que ensejam indenização não constituem fatos criminosos. Portanto, é absolutamente possível que o réu seja denunciado no juízo criminal, que o juiz reconheça a atipicidade da sua conduta e que, depois, o réu seja condenado no juízo cível ao pagamento de indenização em favor do ofendido.

O art. 68, caput, do CPP, exige certa cautela. O referido dispositivo trata do caso em que o titular do direito à reparação é pobre, fazendo expressa menção ao art. 32, §§ 1º e 2º, do CPP. Na nossa ótica, a Defensoria Pública, e não o Ministério Público, deve atuar em favor do pobre.

Isso porque o art. 134, caput, da Constituição Federal, dispõe que a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. Ressalte-se que o dispositivo referido, de forma expressa, menciona a atuação da Defensoria Pública, de forma integral e gratuita, em favor dos necessitados.

Embora o art. 32, caput, do CPP, afirme que o necessitado deve comprovar a sua pobreza, entendemos que basta a sua alegação neste sentido, o que não impede a sua responsabilização criminal no caso de restar apurada a prática de alguma declaração falsa. Assim como ocorre na melhor interpretação do art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, deve ser dado o devido crédito à afirmação do necessitado. Lembre-se que o mencionado dispositivo constitucional afirma que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recurso, mas, ainda assim, não se pode presumir que seja falsa a declaração de miserabilidade apresentada pelo necessitado. Nesse sentido, não custa lembrar e aplicar por analogia à norma do art. 99, § 3º, do Código de Processo Civil, que, corretamente, dispõe o seguinte: presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.

Não obstante a redação do art. 32, § 1º, do CPP, também convém adotar por analogia o art. 98, caput, do Código de Processo Civil, segundo o qual a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. Portanto, não tendo o ofendido condição de pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da sua família, deve a Defensoria Pública atuar em seu favor, ficando, assim, absolutamente dispensada a prova de miserabilidade indicada no art. 32, § 2º, do CPP.

O fato de o art. 68, caput, do CPP, conferir legitimidade ao Ministério Público para atuar em favor do pobre, seja no processo cível de conhecimento, seja no processo cível de execução, apenas encontra justificativa histórica, já que se trata da redação original do CPP, muito anterior à Constituição Federal e muito anterior a criação das Defensorias Públicas em todos os estados brasileiros. Em outras palavras, nos dias de hoje, nada justifica a atuação do Ministério Público, devendo a Defensoria Pública atuar em favor do pobre no juízo cível.

Na verdade, ocorreu a chamada inconstitucionalidade progressiva, ou seja, à medida em que as Defensorias Públicas foram sendo criadas nos estados, o art. 68, caput, do CPP, foi ficando incompatível com o texto constitucional. Atualmente, tendo sido criadas as Defensorias Públicas em todos os estados, a legitimidade que foi inicialmente conferida para o Ministério Público foi totalmente transferida para a Defensoria Pública.

 

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