COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGOS 51 A 53

08/01/2021

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.

Art. 51.  O perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, sem que produza, todavia, efeito em relação ao que o recusar.

Art. 52.  Se o querelante for menor de 21 e maior de 18 anos, o direito de perdão poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal, mas o perdão concedido por um, havendo oposição do outro, não produzirá efeito.

Art. 53.  Se o querelado for mentalmente enfermo ou retardado mental e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os do querelado, a aceitação do perdão caberá ao curador que o juiz lhe nomear.

O art. 51, caput, do CPP, trata do perdão do ofendido. Só é possível falar em perdão no caso de ação penal de iniciativa privada. É importante evitar qualquer confusão. O ofendido é a vítima do crime que exerceu o seu direito de ação penal e que, por isso, ganhou o status de querelante. Portanto, só é possível falar em perdão do ofendido, ou seja, do querelante após o oferecimento da queixa-crime em juízo. Se a vítima quiser aliviar o autor do crime antes de exercer o direito de ação penal, ela terá duas alternativas, quais sejam, deixar fluir o prazo decadencial referido no art. 38, caput, do CPP, ou renunciar ao direito de queixa-crime ainda dentro do prazo decadencial mencionado. Sob o ponto de vista técnico, não há perdão do ofendido antes do ajuizamento da queixa-crime.

Mas é possível que a vítima ofereça a queixa-crime em juízo e depois, por qualquer motivo que seja, resolva obstar o andamento do processo manifestando o seu perdão, o qual é causa de extinção da punibilidade, conforme o art. 107, V, segunda parte, do Código Penal. O perdão do ofendido materializa o princípio da disponibilidade da ação penal de iniciativa privada. Isso porque a vítima oferece a queixa-crime em juízo e, depois, dispõe do processo criminal, ou seja, desiste do processo criminal. Não custa lembrar que, no caso de ação penal de iniciativa pública, se aplica o princípio da indisponibilidade, segundo o qual, após o oferecer a denúncia em juízo, o Ministério Público não pode dispor do processo criminal, ou seja, não pode desistir do processo criminal, conforme dispõe o art. 42, caput, do CPP.

Mas existem dois pontos que não podem ser esquecidos quando se trata do perdão do ofendido. O primeiro ponto importante a ser destacado é que o perdão do ofendido é indivisível. Se houver, dois ou mais querelados, o perdão concedido pelo querelante a um dos querelados a todos se estende, não podendo o querelante escolher o querelado que pretenda favorecer com a desistência. O segundo ponto importante a ser destacado é que o perdão do ofendido não depende apenas do querelante, já que apenas produz efeito jurídico se o querelado concordar com o mesmo. Esses dois fatores podem gerar situações curiosas.

Por exemplo, se existem dois querelados (A e B) e o querelante apenas manifesta o seu perdão com relação a um deles (A), o perdão é estendido a ambos (A e B), mas só produz efeito com relação àquele que o aceitou. Portanto, no caso acima, é possível que o querelado a quem o querelante pretendeu favorecer (A) recuse o perdão e que o outro querelado beneficiado pelo princípio da indivisibilidade o aceite (B). Logo, o querelante oferece a queixa-crime em face dos dois querelados (A e B), pretende favorecer apenas um deles com o perdão (A), mas acaba favorecendo apenas o outro (B) porque apenas este aceitou o perdão. O processo criminal seguirá com relação a um deles (A) e será declarada extinta a punibilidade com relação ao outro (B) por força do perdão do ofendido, com base no art. 107, V, segunda parte, do Código Penal.

O art. 52, caput, do CPP, tratava de uma situação peculiar relativa ao querelante que tinha de 18 a 21 anos. Entendemos que o mencionado dispositivo foi tacitamente revogado pelo atual Código Civil, o qual, em seu art. 5º, caput, dispõe que a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Diante da fixação da maioridade civil aos 18 anos, não há qualquer justificativa para o tratamento diferenciado até então previsto para a referida faixa etária. Em outras palavras, se a vítima tem 18 anos ou mais, cabe-lhe exclusivamente decidir pela concessão ou não do seu perdão, não se podendo falar em representante legal nesse caso.

De outro lado, o art. 53, caput, do CPP, trata de situação absolutamente excepcional. O mencionado dispositivo trata do curador especial, que é uma figura rara no processo penal brasileiro e que quase nunca tem aplicação prática. Embora o legislador apenas refira-se ao curador, entendemos que a melhor designação seja curador especial, a exemplo do que ocorre no art. 33, caput, do CPP, que trata de situação bastante próxima, embora relacionada ao querelante, e não ao querelado.

A situação apresentada pelo legislador realmente impõe a atuação do curador especial.

Conforme já salientamos, o perdão do ofendido (ou seja, do querelante) só produz efeito jurídico após a concordância do querelado. Mas será necessária a atuação do curador especial no caso em que o querelado não tem representante legal ou no caso em que os interesses do querelado colidem com os interesses do seu representante legal, desde que (i) o querelado seja mentalmente enfermo ou (ii) o querelado seja retardado mental.

É possível que o querelado não tenha qualquer representante legal, seja porque já faleceram, seja porque são desconhecidos. Mas também é possível que o querelado tenha interesses colidentes com o seu representante legal, seja porque ele mesmo ofereceu a queixa-crime em juízo, seja porque ele pretende favorecer o querelante. Enfim, por qualquer motivo que seja, de forma indevida, é possível que o representante legal do querelado seja omisso, deixando de tutelar os seus interesses.

Quanto às situações médicas – enfermidade mental ou retardamento mental –, é preciso que haja alguma documentação capaz de revelar tal condição, cabendo ao juiz competente para o processo avaliar os documentos, se necessário com ajuda de algum perito, e nomear o curador especial, se for o caso.

É importante registrar que o curador especial atuará como representante legal, de modo que não precisa ter, necessariamente, qualquer qualificação jurídica, podendo ser um vizinho do querelado, um conhecido seu, alguém que saiba do seu problema, ainda que não seja um advogado.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Thomas Quine // Foto de: Lady justice // Sem alterações

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