COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGOS 15 E 16.

24/07/2020

 

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Ouça a leitura do artigo!

Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.

Art. 15. Se o indiciado for menor, ser-lhe-á nomeado curador pela autoridade policial.

Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia.

O art. 15, caput, do CPP, refere-se ao menor, o que pode causar alguma confusão ao intérprete menos atento. É que o primeiro impulso é relacionar a expressão menor às pessoas que têm menos de 18 anos. Veja-se que o art. 228, caput, da Constituição Federal, dispõe que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. No mesmo sentido, o art. 27, caput, do Código Penal, registra que os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

A legislação especial referida nos dois dispositivos mencionados é a Lei 8069/90, cujo art. 103, caput, define como ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal, deixando clara a extensão do referido diploma legal quando, no seu art. 104, caput, dispõe que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei. Portanto, estando os menores de 18 anos submetidos à Lei 8069/90, o termo menor referido no art. 15, caput, do CPP, relaciona-se a outra faixa etária.

Em verdade, o menor referido na lei processual é aquela pessoa que tem de 18 a 21 anos, já que o legislador, à época da elaboração do nosso Código de Processo Penal, entendeu que essa faixa etária recomendava uma maior cautela no trato do indiciado.

Quando o Código de Processo Penal foi criado, estava em vigor o Código Civil de 1916, cujo art. 9º, caput, dispunha que aos 21 (vinte e um) anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil. Portanto, havia uma situação jurídica diferenciada para as pessoas que tinham de 18 a 21 anos, na medida em que eram maiores, sob o ponto de vista penal, mas eram menores, sob o ponto de vista civil. Esta faixa etária tinha, por isso, um tratamento especial, impondo-se a nomeação do curador.

Ocorre que o art. 15, caput, do CPP, ao prever a figura do curador, não detalhava qualquer requisito necessário para a sua nomeação. A primeira conclusão óbvia era no sentido de que apenas as pessoas com 21 anos ou mais podiam ser nomeadas curador. Também recomendava-se que fosse alguém indicado pelo próprio indiciado ou, pelo menos, alguém de fora do ambiente policial. Cabia ao curador (na verdade, cuidador) garantir a observância dos dispositivos legais, impedindo que o menor sofresse algum tipo de coação ou mesmo fosse exposto a qualquer outra ilegalidade. Portanto, essa tarefa seria mais difícil de ser cumprida se a pessoa indicada fosse um policial lotado na delegacia de polícia responsável pela investigação ou mesmo diretamente subordinado à autoridade policial. Além disso, recomendava-se que o curador não fosse analfabeto porque, caso contrário, seria inviável que ele conferisse as informações registradas nos autos com aquelas prestadas pelo indiciado ou pelas testemunhas que porventura fossem ouvidas.

Todavia, como não havia maiores orientações do legislador, a atuação do curador dependia do senso de responsabilidade das pessoas envolvidas. Por isso, em muitas situações, a nomeação do curador não passava de um formalismo sem qualquer utilidade prática.

A discussão a respeito da vigência do art. 15, caput, do CPP, surgiu quando o atual Código Civil, no seu art. 5º, caput, passou a dispor que a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. Diante da redução da maioridade civil, de 21 para 18 anos, na nossa ótica, perdeu qualquer justificativa a figura do curador, mas o tema, ainda assim, gerou certa divergência, uma vez que não houve a sua revogação expressa.

É importante lembrar que, enquanto o art. 15, caput, do CPP, previa o curador na fase investigatória, o art. 194, caput, do CPP, previa o curador na fase judicial. A redação do art. 194, caput, do CPP, dizia que, se o acusado for menor, proceder-se-á ao interrogatório na presença do curador. Entretanto, a Lei 10792/03 revogou expressamente o art. 194, caput, do CPP. Dessa forma, se o legislador previu inicialmente dois dispositivos – um para a fase de investigação e outro para a fase judicial – com o mesmo objetivo de cuidar do indiciado e do réu, havendo a revogação expressa do art. 194, caput, do CPP, ao menos no nosso entendimento, houve a revogação tácita do art. 15, caput, do CPP.

De toda forma, convém, por último, registrar que a maioria dos doutrinadores[1][2] entende que a figura do curador na fase policial perdeu lugar, mas, por outro lado, ainda existe uma minoria de doutrinadores[3] que insiste na necessidade do curador na fase policial, já que não houve a revogação expressa do art. 15, caput, do CPP.

O art. 16, caput, do CPP, não apresenta maior complexidade.

Isso porque o legislador prevê os prazos para o encerramento das investigações e para o oferecimento da denúncia, os quais devem, em regra, ser observados. Portanto, a princípio, encerrada a investigação e havendo justa causa, cabe ao Ministério Público exercer o quanto antes o seu direito de ação, oferecendo a denúncia em juízo.

Não se desconhece a falta de estrutura dos órgãos policiais e mesmo do Parquet, o que, em certa medida, justifica o fato de os prazos não serem rigorosamente observados na vida prática. Mas, na verdade, não pode o Ministério Público, tendo os elementos suficientes para embasar a sua denúncia, devolver os autos à autoridade policial de forma injustificada.

Por isso, o legislador corretamente assinalou que a mencionada devolução apenas pode ocorrer em hipóteses excepcionais, quando verdadeiramente revelada a imprescindibilidade da realização de novas diligências, a fim de que seja materializada a necessária justa causa.

Embora o legislador afirme que o Ministério Publico deve requerer a devolução dos autos à autoridade policial, tal dinâmica está divorciada da realidade existente em alguns estados. No Rio de Janeiro, ao contrário do que ocorria no passado, os autos do inquérito policial apenas tramitam entre a sede policial e o Ministério Público, sendo certo que os autos apenas são ajuizados quando necessária a manifestação judicial para examinar um pedido de prisão temporária ou um pedido de interceptação telefônica, por exemplo. Não havendo necessidade de decisão judicial, os autos não passam pelas mãos do juiz, de modo que descabe qualquer requerimento ministerial no sentido do seu envio à autoridade policial. Portanto, o controle da atuação do Ministério Público deverá ser feito interna corporis, ou seja, pelo órgão correicional do próprio Parquet.

 

Notas e Referências

[1] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 267.

[2] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 291.

[3] MACHADO, Antonio Alberto Machado. Prisão cautelar e liberdades fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 90.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Statue of Justice - The Old Bailey // Foto de: Ronnie Macdonald // Sem alterações

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