COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGO 78

23/04/2021

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto 

Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.

Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:           

I - no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri;                

Il - no concurso de jurisdições da mesma categoria:  

a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave;

b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade;

c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos;

III - no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação;                      

IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.                    

O art. 78, caput, do CPP, define a competência que deve prevalecer no caso de junção de réus ou de processos por força das normas de conexão e de continência. É verdade que a conexão e a continência têm o mérito de permitir a produção das provas em uma única oportunidade e de permitir a prolação de uma única sentença, poupando a atividade probatória e evitando a prolação de sentenças contraditórias entre si.

Todavia, uma vez estabelecida a unidade de processo e de julgamento, é preciso definir qual é a competência que deve prevalecer para julgar todos os réus ou todos os crimes ligados pelas normas de conexão e continência, sendo certo que a norma em destaque trata exatamente dessa definição.

O art. 78, I, do CPP, deixa clara a prevalência da competência do tribunal do júri, cuja competência é fixada no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, para os crimes dolosos contra a vida. Vale o exemplo. Se o réu praticar os crimes de homicídio doloso e de estelionato em conexão, a competência do tribunal do júri afastará a competência da vara criminal. Por isso, ambos os crimes serão julgados pelo tribunal do júri. Pode parecer estranho, mas os jurados responderão aos quesitos formulados pelo juiz presidente do Tribunal do Júri com relação a ambos os crimes.

Afastada a hipótese envolvendo crime de competência do tribunal do júri, o art. 78, II, do CPP, buscou outros critérios definidores da competência. A sua alínea a trata de conexão ou continência envolvendo crimes com a mesma gravidade. O parâmetro a ser adotado, na nossa ótica, é aquele que leva em conta a pena máxima cominada ao crime, pouco importando a pena mínima cominada. Se, por exemplo, são praticados em conexão o crime de estelionato na Comarca da Capital do Rio de Janeiro e o crime de furto simples na Comarca da Niterói, a competência será definida em favor do crime de estelionato, já que a sua pena máxima é de 5 anos de reclusão, sendo, portanto, superior à pena máxima do crime de furto simples, que é de 4 anos de reclusão. Nesse caso, o crime de estelionato e o crime de furto simples serão julgados na Comarca da Capital do Rio de Janeiro. Se as penas máximas forem iguais, deve ser adotado o critério estabelecido na alínea b, ou seja, o maior número de crimes. Pouco importa se as penas mínimas dos crimes envolvidos são distintas. Então, se foram praticados dois crimes de roubo simples na Comarca de Maricá e um crime de roubo simples na Comarca de Barra Mansa, havendo conexão, os três crimes serão julgados na Comarca de Maricá. Por fim, se os crimes forem de igual gravidade e se tiver sido praticado o mesmo número de crimes, deve ser aplicado o critério da prevenção, previsto no art. 83, caput, do CPP, segundo o qual verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa. Portanto, se forem praticados em conexão um roubo simples na Comarca de Volta Redonda e um roubo simples na Comarca de Nova Iguaçu, o juiz que se antecipar ao outro se torna competente para julgar ambos os crimes.

O art. 78, III, do CPP, trata dos casos de conexão e de continência que envolve pessoas com foro por prerrogativa de função, estabelecendo que a competência do tribunal mais graduado deve prevalecer. Nessa medida, se um deputado federal e o seu motorista praticam um crime em continência, a competência será estabelecida no Supremo Tribunal Federal por força do art. 102, I, b, da Constituição Federal. Nesse caso, a competência para o julgamento do motorista do deputado federal será deslocada por força da continência também para o Supremo Tribunal Federal. O dispositivo da lei processual penal em destaque apenas deve ser afastado para respeitar algum comando constitucional. Em outras palavras, se um réu tiver prerrogativa de função para ser julgado no Supremo Tribunal Federal e outro réu tiver prerrogativa de função para ser julgado no Superior Tribunal de Justiça, as normas constitucionais devem ser respeitadas, não se podendo excepcioná-la por força de uma norma do CPP. Assim, por exemplo, se um senador e um governador praticam crime em continência, o senador deve ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, por força do art. 102, I, da Constituição Federal, enquanto o governador deve ser julgado no Superior Tribunal de Justiça, por força do art. 105, I, a, da Constituição Federal.

De seu lado, o art. 78, IV, do CPP, trata dos casos de conexão e de continência envolvendo a jurisdição comum e a jurisdição especial, determinando que esta prevaleça em detrimento daquela. É preciso lembrar que o termo especial utilizado pelo legislador não abrange a jurisdição militar porque o art. 79, I, do CPP, determina expressamente a cisão do processo se houver conexão ou continência envolvendo as jurisdições comum e militar. Por motivo óbvio, o termo especial não abrange a jurisdição trabalhista. Portanto, quando se refere à jurisdição especial, o legislador está mencionando a jurisdição eleitoral. Por exemplo, havendo conexão envolvendo um crime comum e um crime eleitoral, ambos os crimes devem ser submetidos à jurisdição eleitoral.

 

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