COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGO 40

20/11/2020

Coluna Isso Posto / Coordenador Ana Paula Couto e Marco Couto

Ouça a leitura do artigo aqui.

Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.

Art. 40.  Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.

O art. 40, caput, do CPP, determina que os juízes e tribunais provoquem a atuação do Ministério Público quando constatarem a ocorrência de algum crime. Embora a ideia do legislador não tenha complexidade, a redação do dispositivo impõe algumas observações.

O primeiro ponto a ser ressaltado é que o dispositivo menciona autos e papéis. Na nossa ótica, os termos são equivalentes, na medida em que os magistrados, no exercício da função judicante, apenas poderão provocar o Ministério Público se tiverem conhecimento da prática de algum crime através do exame dos autos que tenham examinado. É claro que os autos podem ser físicos, os quais são materializados através de papéis, ou podem ser eletrônicos. O que não pode ocorrer é o magistrado provocar o Parquet com base em informações que obteve fora dos autos do processo porque, nesse caso, ele não atuará como decorrência do exercício da sua função judicante, mas sim na qualidade de cidadão.

O segundo ponto a ser observado é o fato de o legislador referir-se aos juízes e aos tribunais. Bastava que o legislador se referisse aos magistrados, o que incluiria os juízes, os desembargadores e os ministros. É evidente que os magistrados, quando atuam na forma do art. 40, caput, do CPP, provocam o Parquet na condição de representante do seu órgão de atuação, e não pessoalmente. Se os magistrados pretendem atuar na qualidade de cidadão, eles podem embasar a sua manifestação na forma do art. 5º, § 3º, do CPP, dirigindo-se à autoridade policial, ou na forma do art. 27, caput, do CPP, dirigindo-se ao Parquet. Na verdade, o legislador apenas referiu-se aos tribunais para enfatizar que, além dos juízes de primeiro grau, também os desembargadores e os ministros podem provocar o Parquet, mas não faria qualquer sentido impedir tal providência aos magistrados que atuam nos tribunais.

O terceiro ponto que merece destaque é o fato de o legislador se referir ao crime de ação pública, sem fazer distinção entre a ação penal de iniciativa pública incondicionada e a ação penal de iniciativa pública condicionada à representação. Isso porque a instauração do inquérito policial deve observar o art. 5º, § 4º, do CPP, ou seja, no caso de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação, a instauração do inquérito policial só pode ocorrer se a vítima representar. Mas isso não impede que os magistrados encaminhem as informações ao Ministério Público, o qual só poderá requisitar a instauração do inquérito policial ou só poderá oferecer a denúncia em juízo, no caso de ação penal de iniciativa pública condicionada à representação, se efetivamente a vítima representar contra o autor do crime.

O quarto ponto a ser lembrado é o fato de o legislador mencionar o envio ao Parquet das cópias e dos documentos necessários ao oferecimento da denúncia. A redação empregada parece sugerir que devem ser enviadas cópias dos autos ao Ministério Público, salvo no caso dos documentos, cujos originais devem ser enviados ao Parquet. Ocorre que o art. 232, caput, do CPP, considera documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares. Além disso, o parágrafo único do referido dispositivo afirma que à fotografia do documento, devidamente autenticada, se dará o mesmo valor do original. Portanto, basta que os magistrados encaminhem as cópias dos autos, devidamente autenticadas, para que o Ministério Público possa utilizá-las para embasar a denúncia a ser oferecida.

Caso as informações encaminhadas ao Ministério Público não sejam suficientes para constituir a justa causa, o promotor de justiça deve determinar a realização de diligências buscando esclarecer os fatos. É claro que a percepção dos magistrados que encaminham as informações ao Ministério Público não enfraquece a independência funcional do promotor de justiça, o qual pode, inclusive, providenciar o arquivamento das informações, sob o argumento da inexistência de justa causa para embasar a denúncia.

Por fim, convém registrar que o art. 3º-D, caput, do CPP, criou uma nova hipótese de impedimento do juiz, não havendo o risco de o indiciado, em um futuro processo, vir a ser julgado pelo mesmo juiz que determinou a instauração do inquérito policial. Seguindo a mesma lógica, entendemos que o magistrado que provoca a atuação do Ministério Público está igualmente impedido de atuar no processo porventura deflagrado com base nas informações passadas ao Parquet com base no art. 40, caput, do CPP.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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