COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGO 3º-B, INCISOS VI ATÉ X

10/04/2020

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

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A exemplo do que temos feito nas colunas anteriores, continuamos a comentar os dispositivos do nosso Código de Processo Penal. Fica o convite aos nossos leitores no sentido de que examinem as nossas últimas colunas. O objetivo é estudar a nossa lei processual, desde o seu art. 1º, com a cautela necessária. Dando sequência aos textos anteriores, nesta coluna, começaremos pela abordagem do art. 3º-B, VI, do Código de Processo Penal.

VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente;   

VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral;   

VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo;   

IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;    

X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;    

O art. 3º-B, VI, do CPP, refere-se à competência do juiz das garantias para prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar. Temos três espécies de prisão cautelar no nosso ordenamento jurídico: a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária.

O legislador, certamente, não está se referindo à prisão em flagrante porque a mesma é tratada no art. 3º-B, II, do CPP, o qual determina a observância do art. 310 do CPP, que, por sua vez, enfatiza a necessidade da realização da audiência de custódia, no prazo de 24 horas após a prisão. Evidentemente, se o juiz das garantias, na audiência de custódia, verificar a necessidade de manutenção do encarceramento cautelar do réu, haverá a conversão da prisão em flagrante em preventiva, desfazendo-se o título prisional decorrente da prisão em flagrante.

Da mesma forma, o legislador também não está se referindo à prisão preventiva, a qual tem tratamento próprio no art. 312, caput, do CPP, apenas tendo lugar quando decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. É importante lembrar que a prisão preventiva não é decretada por prazo determinado, de modo que não se pode falar na sua prorrogação. É claro que a prisão preventiva não é infinita e, ocorrendo excesso de prazo, o que deve ser verificado à luz do caso concreto, o caso imporá o relaxamento da prisão. Por isso, não se pode falar em prorrogação da prisão preventiva.

Portanto, no art. 3º-B, VI, do CPP, ao mencionar a prorrogação da prisão provisória, o legislador está fazendo referência à prisão temporária, prevista na Lei 7960/89, cujo art. 2º, caput, dispõe que a prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. Nessa medida, cabe ao juiz das garantias decretar a prisão temporária por cinco dias e, se for o caso, havendo extrema e comprovada necessidade, cabe ao juiz das garantias prorrogar tal prazo por igual período. Não custa lembrar que a mesma lógica deve ser observada quando o caso trata de crime hediondo ou de crime equiparado a hediondo, hipóteses em que o prazo da prisão temporária é de trinta dias, prorrogável por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade, segundo dispõe o art. 2º, § 4º, da Lei 8072/90. Neste caso, também caberá ao juiz das garantias decretar e, eventualmente, prorrogar a prisão temporária.

O art. 3º-B, VI, do CPP, também refere-se à prorrogação de outra medida cautelar. As medidas cautelares diversas da prisão estão localizadas no art. 319 do CPP. Dessa forma, antes do oferecimento da denúncia ou da queixa-crime, se o juiz das garantias proibir o acesso do indiciado a determinados lugares por determinado prazo, com base no art. 319, II, do CPP, ele próprio poderá prorrogar o referido prazo.

Além disso, o art. 3º-B, VI, do CPP, prevê a competência do juiz das garantias para substituir ou revogar a prisão provisória ou a medida cautelar diversa da prisão, desde que, evidentemente, não tenha sido recebida a denúncia ou a queixa-crime. Portanto, nada impede que o juiz das garantias decrete a prisão temporária e, em seguida, perceba que o caso comporta aplicação de uma medida diversa da prisão, caso em que ele substituirá a medida mais drástica por outra menos drástica. Além disso, se o juiz das garantias decretar a prisão temporária do indiciado por cinco dias, mas perceber o seu descabimento já no segundo dia de prisão do indiciado, nada o impedirá de revogar o decreto prisional.

O dispositivo em destaque afirma que deve ser assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente. Quando se refere ao primeiro caso, o legislador, na nossa ótica, faz menção ao decreto de prisão temporária ou outra medida cautelar, não se podendo falar no contraditório nas hipóteses de substituição ou revogação de tais medidas.

É importante lembrar que, segundo o art. 282, § 3º, do CPP, em regra, ao receber o pedido de aplicação de uma medida cautelar, cabe ao juiz determinar a intimação da parte contrária para que se manifeste no prazo de cinco dias. Apenas excepcionalmente, nos casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz poderá decretar alguma cautelar após justificar, considerando os elementos do caso concreto, a razão pela qual evitou a manifestação da parte contrária.

Existe certa lógica neste dispositivo porque, na hipótese de decretação da prisão cautelar para assegurar a aplicação da lei, diante da notícia de que o indiciado pretende fugir, é claro que não se deve ouvir a defesa antes e permitir que o réu, ciente do risco da sua prisão, efetivamente fuja. Todavia, nos casos do art. 3º-B, VI, do CPP, dificilmente terá lugar a exceção referida. Isso significa que o juiz das garantias, praticamente em todos os casos, deverá designar audiência especial para que, exercido o contraditório oralmente, ou seja, após a manifestação oral da defesa, possa examinar o pedido de prorrogação da prisão temporária ou o pedido de prorrogação de alguma medida cautelar diversa da prisão.

O art. 3º-B, VII, do CPP, prevê a competência do juiz das garantias para decidir sobre o requerimento de produção de prova antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis. É certo que a competência do juiz das garantias apenas se aplica se a antecipação ocorrer antes do recebimento da denúncia ou da queixa-crime. Após o recebimento da peça de acusação, o juiz da instrução e do julgamento terá a competência para examinar o pedido de antecipação. Cabe lembrar que o art. 225, caput, do CPP, dispõe que se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.

É importante registrar que a antecipação de provas a ser analisada pelo juiz das garantias não se limita à prova testemunhal, embora seja fundamental que a prova a ser antecipada seja urgente e não repetível. Cabe ao juiz das garantias designar audiência especial para decidir sobre o pedido de antecipação, observados o contraditório e a ampla defesa. Se o pedido fizer referência à prova testemunhal, a oitiva da testemunha poderá ser procedida no mesmo ato ou, não sendo isso possível, deverá ser designada nova audiência para tanto. Se o pedido fizer referência a alguma outra espécie de prova, como a prova pericial, por exemplo, a mesma será produzida através da via própria.

O art. 3º-B, VIII, do CPP, prevê uma novidade no prazo de encerramento do inquérito policial. A regra continua sendo o prazo de dez dias previsto no art. 10, caput, do CPP, o qual dispõe que o inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. Em se tratando de prazo prisional, deve ser observado o art. 10, caput, do Código Penal, o qual afirma que o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Portanto, se o indiciado for preso em flagrante às 23h do dia 22 de março de 2020, este dia será considerado na contagem do prazo, mesmo que ele tenha ficado preso apenas 1h no dia referido.

A novidade trazida pelo dispositivo em destaque refere-se à possibilidade de o prazo de duração do inquérito policial ser prorrogado, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial, observado o art. 3º-B, § 2º, do CPP, o qual dispõe que, se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada. Por isso, em regra, o prazo para encerramento do inquérito policial com investigado preso é de dez dias, admitindo-se, excepcionalmente, a sua prorrogação por outros quinze dias, ou seja, no cômputo total, o prazo poderá ser estendido para vinte e cinco dias.

O art. 3º-B, IX, do CPP, prevê a competência do juiz das garantias para o trancamento do inquérito policial. Já tivemos oportunidade de abordar o tema em texto próprio[1]. A primeira observação refere-se à pouca técnica utilizada pelo legislador ao mencionar o termo trancamento, uma vez que, em se tratando de investigação criminal que se pretende encerrar, o caso é de arquivamento dos autos do inquérito policial, e não propriamente o seu trancamento.

De toda forma, embora de pouca técnica, o termo “trancamento” é bastante usado na doutrina e também na jurisprudência. É importante lembrar que, a rigor, só é possível trancar algo que já se iniciou, mas o legislador se refere aos casos de instauração ou de prosseguimento. Logo, na verdade, o que se pretende é evitar a instauração ou impor o arquivamento dos autos do inquérito policial.

Para tanto, é imprescindível que não exista fundamento razoável para a instauração ou para o prosseguimento da investigação. Veja-se que apenas em hipóteses verdadeiramente absurdas será possível admitir o referido trancamento. Isso porque, se a investigação busca reunir justa causa para viabilizar o exercício do direito de ação penal, a mesma não deve ser, em regra, impedida ou obstada. Apenas quando se verifica uma situação esdrúxula é que terá aplicação o dispositivo em destaque.

O art. 3º-B, X, do CPP, prevê a competência do juiz das garantias para requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação. Não se verifica problema maior neste dispositivo. Isso porque é possível que seja ajuizada alguma medida e que o juiz, para examiná-la, necessite das informações constante nos autos do inquérito policial. Nesta hipótese, a requisição do juiz constitui verdadeira ordem à autoridade policial no sentido de que os documentos, os laudos ou as informações lhe sejam apresentados.

Caso a investigação não esteja sob a presidência do delegado de polícia, a requisição do juiz deve ser dirigida à autoridade que preside a investigação. Considerando que, a rigor, a denúncia ou a queixa-crime podem ser embasadas em outros elementos distintos daqueles existente no inquérito policial, deve ser aplicada a mesma lógica. Portanto, se a investigação é realizada na sede do Ministério Público, sendo fundamental o exame de documentos, laudos ou informações, nada impede o juiz de requisitá-los ao Parquet.

 

Notas e Referências

[1] COUTO, Ana Paula; COUTO, Marco. O pacote anticrime: o juiz das garantias e o “trancamento do inquérito policial”. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/o-pacote-anticrime-o-juiz-das-garantias-e-o-trancamento-do-inquerito-policial. Acesso em: 21 mar. 2020.

 

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