COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: ARTIGO 28-A, INCISOS I A V E § 1º

18/09/2020

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Ouça a leitura do artigo aqui.

Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.

Art. 28-A.........................................................................................................................

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;    

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;    

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);         

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou      

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

  • 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.

 

O art. 28-A, I a V, do CPP, inserido da lei processual através do Pacote Anticrime – Lei 13964/19 –, indica as condições a serem impostas ao investigado por oportunidade da celebração do acordo de não persecução penal, as quais devem ser examinadas com cautela.

A primeira observação refere-se ao fato de o art. 28-A, caput, do CPP, dispor que as condições devem ser ajustadas cumulativa e alternativamente. Na nossa ótica, houve equívoco do legislador porque, na verdade, existem duas possibilidades: (i) as condições são cumulativas ou (ii) as condições são alternativas. Portanto, não sendo viável que as condições sejam impostas cumulativa e alternativamente, entendemos que o dispositivo deve ser interpretado no sentido de que as condições devem ser ajustadas cumulativa ou alternativamente, dependendo das circunstâncias do caso concreto. Para reforçar a nossa convicção, não custa lembrar que a palavra ou foi inserida no final do art. 28-A, IV, do CPP.

Feito esse registro, é preciso destacar que o art. 28-A, I, do CPP, trata da reparação do dano ou da restituição da coisa à vítima. Embora a restituição da coisa parece ser mais favorável à vítima, já que repõe o seu patrimônio exatamente na parte em que foi subtraído, o legislador tratou de forma equivalente as duas possibilidades. Portanto, pode o investigado optar pela reparação do dano, ainda que viável a restituição da própria coisa. Não há qualquer preferência no dispositivo. Logo, se alguém tem um celular furtado, no momento do acordo de não persecução penal, o investigado pode optar pela devolução do próprio celular ou pode optar pelo pagamento do seu valor. O exercício de tal opção não pode constituir óbice à celebração do acordo. A parte final do dispositivo em destaque ressalta a hipótese de o investigado estar impossibilitado de reparar o dano e de restituir a coisa. A impossibilidade de reparação do dano decorre da falta de patrimônio para tanto, enquanto a impossibilidade de restituição da coisa decorre do seu extravio ou de sua inutilização. Entendemos que não basta a declaração do investigado no sentido da impossibilidade, sendo necessário que, em alguma medida, ele comprove a impossibilidade. Caso contrário, dificilmente haverá a restituição ou a reparação, salvo em casos extremos, quando a existência de patrimônio do investigado é notória,

O art. 28-A, II, do CPP, trata da renúncia voluntária a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime. O legislador refere-se à voluntariedade, e não à espontaneidade. Portanto, basta que o investigado adira à sugestão do Parquet, não sendo necessário que a iniciativa de indicar determinados bens ou direitos parta do próprio investigado. A renúncia não se refere necessariamente àqueles instrumentos cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito, os quais seriam perdidos em caso de condenação, conforme o art. 91, II, a, do CP. Não tendo o legislador feito qualquer ressalva, a norma engloba os instrumentos lícitos e ilícitos. Não há maior problema nessa questão porque se trata de um acordo cuja conveniência da celebração deve ser examinada pelo investigado. Além disso, a renúncia também abarca o produto do crime e o proveito do crime, ambos referidos no art. 91, II, b, do CP, que trata dos efeitos da condenação. Nessa maneira, a condição em exame nada mais configura do que o adiantamento de efeitos da condenação, quais sejam, a perda dos instrumentos ilícitos do crime, do produto do crime e do proveito do crime. A única diferença diz respeito aos instrumentos lícitos do crime, cuja inclusão no rol de perdas é justificável porque decorre da vontade do investigado.

O art. 28-A, III, do CPP, trata da prestação de serviço à comunidade ou a entidade pública. O tempo de prestação leva em conta o crime supostamente praticado pelo investigado. Por isso, é importante que o termo no qual são registradas as condições do acordo de não persecução penal identifique com precisão qual o fato supostamente praticado que enseja o acordo, inclusive mencionando a tipificação adotada pelo Parquet. Feito isso, resta observar a pena mínima prevista para o crime em tese praticado e dela diminuir de um terço a dois terços para fixar o tempo de prestação de serviço. Se, por exemplo, o investigado praticou o crime de furto simples, previsto no art. 155, caput, do CP, a prestação de serviço deverá ser feita de quatro a oito meses. Isso porque a pena mínima do furto simples é de um ano e, se for diminuído de um terço a dois terços, o intervalo será de quatro meses (um ano menos dois terços) a oito meses (um ano menos um terço). De acordo com tal intervalo, o Parquet e o réu irão negociar o tempo específico que melhor se adequa às circunstâncias do caso concreto. Cabe observar que o local no qual será prestado o serviço deverá ser fixado pelo juízo da execução penal. Não se trata propriamente de uma execução penal porque não se trata de sentença condenatória, mas o legislador optou por fixar a sua competência.

O art. 28-A, IV, do CPP, trata do pagamento da prestação pecuniária em favor de entidade pública ou de interesse social, a qual deve ter, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesionados pelo crime. O referido dispositivo faz expressa referência ao art. 45 do CPP, cujo § 1º define a prestação pecuniária como sendo o pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. Verifica-se, portanto, que negociação entre o Parquet e o réu pode ensejar a fixação de valores bastante distintos, que podem variar da quantia equivalente a um salário mínimo até a quantia equivalente a trezentos e sessenta salários mínimos. As circunstâncias do caso concreto é que permitirão a fixação do valor mais adequado. Ressalte-se que, por opção do legislador, cabe ao juízo da execução penal indicar a entidade a ser beneficiada, muito embora, conforme acima registrado, não se trate propriamente de uma execução decorrente de sentença condenatória.

O art. 28-A, V, do CPP, permite que o Ministério Público sugira qualquer outra condição, desde que proporcional e compatível com a infração penal supostamente praticada. É claro que, em se tratando de um acordo, tal condição deve ser negociada. De forma acertada, o legislador fixou como balizas para o Parquet a proporcionalidade e a compatibilidade com a infração penal. Isso é importante porque se trata de um filtro capaz de orientar o Ministério Público a formular adequadamente alguma condição, sendo certo que qualquer exagero poderá ser evitado pelo juiz no momento da homologação do acordo.

Por fim, o art. 28-A, § 1º, do CPP, dispõe que as causas de diminuição da pena e as causas de aumento da pena devem ser levadas em consideração para a fixação da pena mínima prevista para o crime e, por consequência, para a fixação do tempo de prestação de serviço.

Nesse ponto, vale exemplificar. Se o investigado supostamente praticou o crime de furto simples tentado, previsto no art. 155, caput, do CP, c/c art. 14, II, do CP, a diminuição decorrente da tentativa deve ser levada em conta no seu grau máximo, ou seja, dois terços, a fim de que se descubra qual é a pena mínima. Então, o parâmetro será de um ano menos dois terços, o que gera o total de quatro meses. Em seguida, considerando o parâmetro de quatro meses, deve ser examinado o intervalo decorrente de sua diminuição de um terço a dois terços para, então, ser fixado o tempo de prestação de serviço. O referido intervalo é 1 mês e 10 dias (quatro meses menos dois terços) até 2 meses e 20 dias (quatro meses menos um terço). No acordo de não persecução penal, a condição alusiva à prestação de serviço, conforme o art. 28-A, III, do CPP, deve ser fixada observando o mencionado intervalo.

Vale exemplifica novamente. Se o investigado supostamente praticou o crime de furto noturno, previsto no art. 155, § 1º, do CP, o aumento decorrente do repouso noturno deve ser levado em conta. Então, o parâmetro será de um ano mais um terço, o que gera o total de um ano e quatro meses. Em seguida, considerando o parâmetro de um ano e quatro meses, deve ser examinado o intervalo decorrente de sua diminuição de um terço a dois terços para, então, ser fixado o tempo de prestação de serviço. O referido intervalo é de 5 meses e 10 dias (um ano e quatro meses menos dois terços) até 10 meses e vinte dias (um ano e quatro meses menos um terço). No acordo de não persecução penal, a condição alusiva à prestação de serviço, conforme o art. 28-A, III, do CPP, deve ser fixada observando o mencionado intervalo.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Thomas Quine // Foto de: Lady justice // Sem alterações

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