Coletivo por um Ministério Público Transformador sugere que Senadores rejeitem o nome indicado ao cargo de Ministro do STF

20/02/2017

Por Redação - 20/02/2017

O Coletivo por um Ministério Público Transformador enviou nota aos Senadores da atual legislatura do Senado Federal sugerindo a rejeição do nome de Alexandre de Moraes para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Confira a íntegra da nota enviada aos congressistas:

Brasília, 14 de fevereiro de 2017.

Excelentíssimos Senadores,

Como é de conhecimento dos Senhores, em 06 de fevereiro de 2017, o Presidente em exercício, Michel Temer, indicou ao elevado cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal o então Ministro da Justiça Alexandre de Moraes.

A Constituição da República conferiu ao Senado Federal, pelo artigo 52, inciso III, letra “a”, competência para aprovar, ou não, a indicação realizada pelo Presidente da República para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, após arguição pública. Tendo em vista o caráter público da arguição a ser realizada por essa Casa, este coletivo (formado por membros do Ministério Público brasileiro engajados na defesa da cidadania e dos direitos humanos) encaminha os seguintes questionamentos, notícias e ponderações que requer sejam objeto do devido esclarecimento por parte do pretendente e de reflexão por Vossas Excelências, ante os requisitos constitucionais para o preenchimento do cargo, quais sejam, reputação ilibada e notável saber jurídico (art.101, CR/88).

O art. 101 de nossa Carta Fundamental exige que o escolhido para Ministro da Suprema Corte possua “notável saber jurídico“. Segundo o Dicionário Aurélio, notável é aquilo “digno de louvor“, algo “eminente, ilustre, insigne, extraordinário.” Além disso, a Lei Maior exige ainda que o candidato tenha “reputação ilibada”. Ilibado, ainda segundo o Dicionário Aurélio, é aquele “não tocado, sem mancha, puro, incorrupto”.

É bem verdade que o indicado Alexandre de Moraes já escreveu sobre Direito Constitucional. Consta como autor de um manual básico (Direito Constitucional, 32. Ed., 2016, Editora Atlas), usualmente utilizado para auxiliar no estudo de concursos públicos. Como outras obras do gênero, não preza por uma visão crítica do conteúdo programático.

Também figura como autor do livro Direitos Humanos Fundamentais (11. Ed., 2016, Editora Atlas), que consiste, na realidade, em uma compilação de julgados referentes a dispositivos constitucionais, sobre a qual pairam suspeitas de reprodução de trechos da obra “Derechos Fundamentales y Principios Constitucionales”, de Rubio Llorente (publicado em 1995 pela editora espanhola Ariel)[1], tratando-se de fato repercutido internacionalmente e que vem macular a reputação do indicado[2]. A propósito, em razão desse fato, alguns deputados federais representaram o indicado no Comitê de Ética da Universidade de São Paulo, para a apuração de sua conduta[3].

Como seria muito pouco para atestar a notabilidade jurídica de um postulante a Ministro do Supremo Tribunal Federal, convém rememorar algumas passagens do candidato Alexandre de Moraes pela Academia:

No ano de 2003, concorrendo com o atual Ministro Ricardo Lewandowsky, ele não logrou ser aprovado no concurso para Professor Titular da Universidade de São Paulo – USP. Posteriormente, também foi reprovado no concurso de livre-docência na referida Universidade, no qual atribuíram a sua tese a nota zero, em razão de sua inconsistência teórica. Registre-se que, antes, ele já havia sido reprovado no concurso de ingresso naquela Universidade, perdendo a vaga, na ocasião, para o constitucionalista Virgílio Afonso da Silva[4].

Em 2004, durante uma aula, teria Alexandre de Moraes feito uma capciosa e infeliz indagação, sugerindo a relativização da proibição da tortura, o que, segundo nossa Constituição, é inadmissível (art. 5º, III e XLIII). A repercussão da aula foi tão negativa que o plenário do Senado, à época, vetou inicialmente o nome de Alexandre de Moraes para o Conselho Nacional de Justiça.

A propósito de sua atual indicação para a Corte Suprema do país, o Ministro defendeu, em uma tese acadêmica, “que o Presidente da República não possa indicar ao Supremo quem exerce cargos de confiança, como é o seu caso, para evitar ´demonstração de gratidão política’” [5]. Ora, com o respeito que o indicado é merecedor, não é de bom alvitre que um candidato já assuma uma vaga na Corte mais importante do país contrariando sua própria tese.

Contudo, Alexandre de Moraes induvidosamente ostenta uma considerável notoriedade, especialmente adquirida quando Secretário de Estado da Segurança Pública em São Paulo e, depois, Ministro da Justiça do atual governo.

Sem o compromisso de exaurir todos os acontecimentos da carreira do ex-Promotor de Justiça, convém relembrar alguns fatos que merecem destaque.

Como Ministro da Justiça, protagonizou uma cena digna de nota, ao se deixar filmar, munido de um facão, cortando de forma desajeitada pés de maconha em solos paraguaios[6], ocasião que teria dito que pretendia “erradicar a maconha no continente”[7], demonstrando sua ingenuidade e seu profundo desconhecimento a respeito da complexidade do tema envolvendo o uso e o comércio de drogas.

O indicado também se envolveu em um incidente no mínimo temerário, quando, atuando como advogado, foi contratado – com suspeita de ilegalidade - pela Polícia Militar do Estado de São Paulo para ajuizar uma queixa-crime contra o Procurador da República Matheus Magnani, em razão de este ter supostamente “ofendido” a corporação militar em uma audiência pública em 2012. Na citada audiência, Magnoni havia criticado a atuação da PM paulista em vista dos excessos praticados pela corporação durante a crise de segurança pública na capital naquele ano[8].

Aliás, muito embora tenha todo acusado de crime o direito constitucional à defesa técnica, não custa lembrar que, em matéria de janeiro de 2015, o jornal O Estado de S. Paulo afirmou que Alexandre de Moraes teria atuado como advogado para a empresa Transcooper, cooperativa supostamente ligada ao Primeiro Comando da Capital (PCC)[9].

Obviamente, ao candidato a Ministro deve ser garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório para responder a tais imputações. Porém, é imperioso que o possa fazer antes de ocupar uma cadeira de integrante da mais alta corte do país, evitando-se, desta forma, que haja qualquer mácula em sua nomeação.

Mas não é só.

Quando exerceu a função de Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, subordinado ao Governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), Moraes acumulou uma série de “atuações contestáveis, como nas ocupações dos estudantes paulistas”, fazendo pouco esforço para negociar e tendo ignorado os evidentes excessos da PM na ocasião[10][11].

Um dia antes de o Senado decidir afastar a Presidenta da República Dilma Rousseff, o indicado, agora Ministro da Justiça, afirmou de maneira antidemocrática, enviesada e leviana que: “as manifestações contrárias ao impeachment eram criminosas e atos de guerrilha[12].

Também há de ser lembrada a atuação negligente de Alexandre de Moraes durante a crônica crise do sistema penitenciário brasileiro, sendo emblemático o episódio no qual afirmou que não havia recebido qualquer pedido de ajuda do governo de Roraima, quando, em verdade, provou-se depois que não apenas tal pedido foi feito – enviado pela Governadora Suely Campos no dia 21 de novembro de 2016, solicitando ao estado apoio do Governo Federal e da Força Nacional –, como também ele foi negado pelo Ministro da Justiça[13].

Diga-se, ademais, que a conduta de Alexandre de Moraes à frente do Ministério da Justiça ainda causou a demissão de sete membros do Conselho de Política Criminal e Penitenciária, os quais acusam o ministro de capitanear uma política criminal autoritária, pautada pelo uso da força e contrária à defesa dos direitos humanos[14], o que pode ser confirmado pelas recentes e temerosas declarações do Ministros, quais sejam, de que o Brasil precisava de “menos pesquisa em segurança e mais armamento”[15] e da possibilidade de se gravar conversas entre advogados e clientes em estabelecimentos prisionais[16].

Tal comportamento polêmico rendeu ao indicado, uma crescente oposição a sua permanência no Ministério da Justiça pela Folha de São Paulo[17], pelo Estado de São Paulo[18], pela Época[19] e também por diversos juristas e estudantes, que exigiram publicamente sua renúncia[20].

Ante o exposto, reafirmando o caráter público da arguição e a gravidade dos fatos apontados, que efetivamente maculam a reputação do indicado e contradizem o declarado notório saber jurídico, parece-nos que os requisitos constitucionais para a assunção do cargo à mais alta Corte do país não se encontram, até o momento, atendidos, motivos pelos quais sugerimos que seja REJEITADO o nome de Alexandre de Moraes para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Coletivo por um Ministério Público Transformador

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Fonte: Coletivo por um Ministério Público Transformador


Notas e Referências:

[1] “Obra de Alexandre de Moraes tem trechos copiados de livro espanhol”. http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/02/1857103-obra-de-alexandre-de-moraes-tem-trechos-copiados-de-livro-espanhol.shtml. Na reportagem, há a descrição da opinião de Daniel Campello, para quem a cópia dos trechos configura “... caso clássico de plágio acadêmico da pior qualidade, encontrado infelizmente em diversos trabalhos de conclusão de curso de graduação, mas bem raro quando se trata de uma tese de doutorado”.

[2] “Un candidato al Supremo brasileño plagió un libro de un ex presidente del Consejo de Estado español”. http://www.elmundo.es/internacional/2017/02/09/589c5dbbe5fdead93b8b4632.html.

[3] “Deputados denunciam Alexandre de Moraes por plágio no Comitê de Ética da USP”. http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2017/02/1858471-deputado-denuncia-alexandre-de-moraes-por-plagio-no-comite-de-etica-da-usp.shtml.

[4] “Na USP, Moraes perdeu concursos e foi acusado de defender tortura“. http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/02/1856222-na-usp-moraes-perdeu-concursos-e-foi-acusado-de-defender-tortura.shtml

[5] Idem.

[6] “Ministro da justiça cortando pés de maconha no Paraguai será a coisa mais ridícula que você verá hoje”. http://justificando.cartacapital.com.br/2016/08/03/ministro-da-justica-cortando-pes-de-maconha-no-paraguai-sera-a-coisa-mais-ridicula-que-voce-vera-hoje/. Neste link, é possível acessar o vídeo.

[7] “Alexandre de Moraes quer erradicar maconha no continente”. http://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/alexandre-de-moraes-quer-erradicar-maconha-no-continente.html

[8] “Procurador acusa ministro da Justiça de improbidade administrativa - Escritório de advocacia de Alexandre de Moraes foi contratado irregularmente por governo de SP, diz Magnani. Notificação foi encaminhada à AGU”. http://www.cartacapital.com.br/blogs/direto-de-sao-paulo/procurador-acusa-ministro-da-justica-de-improbidade-administrativa.

[9] “Alexandre de Moraes, o ministro da Justiça de Temer, tem no currículo ataques a estudantes e movimentos sociais”. http://www.huffpostbrasil.com/2016/05/12/ministro-da-justica-estudantes_n_9910658.html.

[10] “Ministro da Justiça tem no currículo ataques a estudantes - O secretário de Segurança de São Paulo, Alexandre de Moraes, não agrada gregos e troianos”. http://exame.abril.com.br/brasil/ministro-da-justica-tem-no-curriculo-ataques-a-estudantes/

[11] “Secretário diz que PM não cometeu excessos contra estudantes em São Paulo”. http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2015-12/secretario-diz-que-pm-nao-cometeu-excessos-contra-estudantes-em-sao-paulo.

[12] “Protestos pró-Dilma foram \'atos de guerrilha\', diz Alexandre de Moraes”. http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1769708-atos-contra-impeachment-foram-como-guerrilha-diz-alexandre-de-moraes.shtml.

[13] “Ministério negou pedido de RR de novembro de envio da Força Nacional - Ministro da Justiça alegou que Força estava ocupada com plano nacional. Pasta disse que Força não pode assumir presídios; veja o que cada um falou”. http://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2017/01/mj-negou-envio-da-forca-nacional-penitenciaria-de-roraima.html.

[14] “DEMISSÃO EM MASSA NO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA”. https://theintercept.com/2017/01/25/demissao-em-massa-no-conselho-nacional-de-politica-criminal-e-penitenciaria-do-ministerio-da-justica/.

[15] “País precisa de mais armas e menos pesquisa, diz ministro - Alexandre de Moraes criticou investimentos em estudos feitos pelo governo nos últimos anos”. http://www.otempo.com.br/capa/brasil/pa%C3%ADs-precisa-de-mais-armas-e-menos-pesquisa-diz-ministro-1.1356694.

[16] “Proposta de ministro de gravar conversas entre advogados e presos é contra a lei”. http://www.conjur.com.br/2017-jan-12/proposta-ministro-gravar-advogados-presos-lei.

[17] “Editorial – Exibição infeliz”. http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/09/1817119-exibicao-infeliz.shtml.

[18] “Um ministro insustentável. O ministro Alexandre de Moraes não tem mais condições de permanecer no cargo”. http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,um-ministro-insustentavel,10000078590.

[19] “Alexandre de Moraes, o homem errado - O ministro da Justiça fala demais, compra brigas desnecessárias e insiste num plano de segurança que tem tudo para fracassar”. http://epoca.globo.com/politica/noticia/2017/01/alexandre-de-moraes-o-homem-errado.html.

[20] “Ex-ministros da Justiça e juristas pedem renúncia de Alexandre de Moraes - Centro Acadêmico XI de Agosto enviou carta aberta ao ministro da Justiça”. http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI251703,91041-Exministros+da+Justica+e+juristas+pedem+renuncia+de+Alexandre+de.


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