COISA JULGADA – 6ª PARTE: COISA JULGADA FORMAL X COISA JULGADA MATERIAL

21/01/2020

Eis o momento de analisar um dos mais sensíveis temas referentes à temática da coisa julgada. Trata-se de sua relação com o mérito.

Coisa julgada formal e coisa material: necessidade da distinção.

A partir de textos já publicados aqui nesta série, sabe-se que o efeito precípuo da coisa julgada é uma indiscutibilidade (= característica daquilo que não pode ser discutido). Sabe-se, ademais, que essa indiscutibilidade recai sobre a declaração-base existente no dispositivo da decisão. Resta, todavia, saber os limites formais da impossibilidade de discutir. É aqui que a distinção acima adquire relevo. 

Vem se disseminando na doutrina (Luiz Eduardo Ribeiro Mourão, por todos) o entendimento de que a diferença entre elas estaria no objeto. Se a decisão é de natureza processual (sic), há coisa julgada formal; se de mérito, ocorre coisa julgada material. Isto, porém, é uma questão meramente de nomenclatura, um semanticismo. Em rigor, não apresenta funcionalidade, pois as consequências de uma e de outra são as mesmas. É necessário, desse modo, apresentar uma distinção que, tendo analiticidade, seja pragmaticamente útil. A distinção por ser proposta, embora presente na tradição jurídica, apresenta uma nova abordagem. 

Prima facie, coisa jugada formal e material diferem nos limites formais: a primeira impede a discussão no âmbito do processo em que surgiu (obsta a litispendência); a segunda, em qualquer um. Ocorre que, rigorosamente, essa (aparente) singela distinção apresenta algo muito mais relevante: nela residem graus (bem) diversos de estabilidade das decisões.

A coisa julgada formal, por ser um simples óbice à litispendência, não atribui à decisão um nível muito considerável de estabilidade, porque, por uma ação autônoma, seu conteúdo pode, sem maiores amarras cognitivas, ser rediscutido.

Além disso, um aspecto de ordem ontológica deve ser observado: a coisa julgada formal é condição de possibilidade da coisa julgada material, pois, para que algo se torne indiscutível em qualquer meio, ele primeiro precisa sê-lo no próprio meio em que foi gerado. Eis o fundamento cientificamente determinante da distinção.

Já pragmaticamente, a distinção tem grande relevância no âmbito das decisões definitivas parciais (exclusão de litisconsorte, e. g.). Caso elas não sejam impugnadas no tempo adequado (pela interposição, quando cabível, do agravo de instrumento, v. g.), suas eficácias declaratórias não podem ser rediscutidas em outro momento do processo, que continua em relação ao que não foi analisado. Além disso, como já defendi em artigo escrito em coautoria, a chamada estabilização da decisão antecipatória satisfativa, prevista no art. 304, CPC, opera no mesmo módulo e frequência da coisa julgada formal.

Por fim, como dito no item anterior, não se leva em conta para tal distinção o que foi objeto da declaração judicial: se o próprio mérito da causa ou algo estranho a ele. Em ambos os casos, salvo exclusão legal, tais decisões são aptas a formarem coisa julgada formal e material. Por exemplo, a decisão que declara o autor não ser parte legítima, embora, por opção do sistema positivo (art. 485, VI, CPC), não toque o mérito da causa, torna-se, com o trânsito em julgado, indiscutível dentro do próprio processo em que surgiu e também em qualquer outro. Eis a razão de se dizer que, se não sanado o vício (no caso, correção da indicação do legitimado ativo), não se pode repropor a causa, algo que Fredie Didier Jr., de há muito, defende. Mas o que torna inviável essa (re)propositura é o fato de que a citada decisão tem uma declaração-base (expressa em moldes do tipo: “por tais motivos, não é o autor parte legítima para a causa”) que, pelo advento da eficácia de coisa julgada (material!), se tornou indiscutível. Afirmar que não se pode repropor sem explicitar o porquê é algo analiticamente reprovável.

Por tais razões, não me parece desnecessária essa clássica distinção. Encontro-me, como sempre, aberto ao debate para ser convencido do contrário.

Até a próxima postagem, que continuará nesta série.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Código de Processo Civil // Foto de:Senado Federal // Sem alterações

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