Coisa de preto - Por Fernanda Mambrini Rudolfo

12/11/2017

Repercutiu na última semana a notícia de que o jornalista da Rede Globo William Waack teria se valido da expressão “é coisa de preto” como crítica a alguém que buzinava incessantemente. Não se pode deixar de fazer algumas considerações acerca do assunto. 

No entanto, antes de qualquer coisa, é necessário reconhecer o meu lugar de fala. Sou branca e, por isso, nunca sofri com nenhuma atitude racista. Não pretendo, portanto, me apropriar da dor e da luta do negro. Tenho certeza de que estes falam por si, como protagonistas de sua história. Nesse sentido, várias manifestações foram realizadas nos últimos dias, destacando-se, por exemplo, a da Mestre em Filosofia Djamila Ribeiro[1]. Por outro lado, isso não impede que todos expressemos indignação com o fato relatado, desde que respeitando a legitimidade para adotar determinados discursos. Confesso que tenho receio de tratar do tema de modo que seja interpretado como indevido, mas não consigo me calar diante de atrocidades como esta. 

Outra ressalva que preciso fazer é que não desejo me posicionar de forma punitivista, eis que não seria sequer coerente com minhas manifestações. Sei que, em virtude disso, posso ser objeto de inúmeras críticas, tendo em vista os incontáveis pleitos de punição ao jornalista. Ocorre que rechaço a esquerda punitiva[2], entendendo que se deve buscar uma transformação social efetiva. 

Portanto, o que intento neste pequeno texto é registrar a falência da nossa sociedade, que se constata por meio de fatos como o relatado. É importante ressaltar que a manifestação de William Waack não é incomum, muito pelo contrário. Lamentavelmente, a reprodução de comentários racistas é reiterada, muitas vezes sem sequer se perceber a conotação preconceituosa das colocações. 

Vivemos uma realidade em que se normalizou a desvalorização de tudo o que tem ligação com o preto. Veja-se a expressão que foi utilizada pelo jornalista, frequentemente ouvida; a depreciação das religiões de matrizes africanas; o uso do termo denegrir/denigrir, no sentido de manchar a reputação; etc. 

Que tipo de seres humanos estamos criando, que, em pleno ano 2017, ainda diferenciam as pessoas pela cor da pele? E há quem, diante de políticas afirmativas, sustente a ideia de meritocracia, como se fosse possível falar de igualdade de condições em uma sociedade que ainda acha que “coisa de preto” é algo negativo. 

É imprescindível que, muito além de se “policiar” para não agir de modo preconceituoso por medo de eventual punição, mude-se a cultura, especialmente a brasileira. Em um país construído com a garra e o suor do preto, em que mais da metade da população é negra, não se pode permitir a perpetuação da mentalidade de cor da pele relacionada a algo negativo. É preciso reconhecer a importância de cada um e superar os chavões racistas, que reproduzem uma cultura escravocrata, preconceituosa e desconhecedora do valor das pessoas. 

Temos que assumir nossa responsabilidade, deixando de nos calar diante de supostas piadas, deixando de dar apenas um sorrisinho amarelo em face de posturas racistas. Somos todos igualmente responsáveis pela sociedade que integramos. É necessário comprometer-se efetivamente com o ideal de respeito a todos, com a promoção da igualdade. Não basta alegar que não é racista ou que não pratica atos preconceituosos. Faz-se imprescindível combater aqueles que não se posicionam da mesma maneira – por vezes comprando brigas –, sob pena de legitimar a sociedade racista em que estamos vivendo. A luta por uma sociedade mais humana é uma luta de todos.

 

[1] https://www.youtube.com/watch?v=bfQ_qB6dGaQ

[2] Sobre o tema, inafastável a referência à produção de Maria Lúcia Karam (http://emporiododireito.com.br/backup/a-esquerda-punitiva-por-maria-lucia-karam/)

 

Imagem Ilustrativa do Post: Hand 2. // Foto de: ian munroe // Sem alterações

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